Congresso recebe manifesto por Estatuto da Igualdade Racial

Entregue nesta terça aos presidentes da Câmara e do Senado, documento foi uma resposta ao outro manifesto, entregue por intelectuais, na última semana, contrário a Lei de Cotas e ao Estatuto. Primeiro documento, que tinha objetivo de pa

Os presidentes da Câmara e do Senado receberam de representantes do movimento negro e de outros setores da sociedade civil um manifesto assinado por 425 professores, intelectuais e lideranças de movimentos sociais e mais 157 estudantes. Entregue na terça-feira (04/06), em Brasília, o documento defende a Lei de Cotas (PL 73/1999), que aguarda votação em plenário da Câmara, e o Estatuto da Igualdade Racial (PL 3.198/2000), já aprovado pelo Senado, e cobra sua pronta aprovação.

São dois projetos que podem, justamente, combater a discriminação racial — destacada pela audiência pública e ainda negada no Brasil. O manifesto foi motivado por outro, entregue aos parlamentares na semana passada e assinado por 114 intelectuais — alguns deles notoriamente do campo progressista —, que se posicionam contrariamente aos projetos.

Intitulado “Manifesto de Alerta: Todos têm direitos iguais na República Democrática”, o documento defende dois argumentos principais: o princípio da igualdade, segundo o qual todos os cidadãos devem ser tratados sem distinção; e o risco que o Estatuto traz ao “implantar uma classificação racial oficial dos cidadãos brasileiros”. Assinam o documento nomes como o do cientista político Renato Lessa, Caetano Veloso, o antropólogo Peter Fry e a ex-secretária de Política Educacional do Ministério da Educação no governo FHC, Eunice Durham.

A reação foi imediata. Quatro dias depois, dois manifestos em favor das cotas recolhiam assinaturas. Um deles — que contou com o apoio do dramaturgo Augusto Boal, do jurista Fábio Konder Comparato, do sociólogo Emir Sader, do antropólogo Kabengele Munanga e do professor Pablo Gentili — foi entregue ao Congresso nesta terça. “Colocando o sistema acadêmico brasileiro em uma perspectiva internacional, concluímos que nosso quadro de exclusão racial no ensino superior é um dos mais extremos do mundo”, diz o segundo manifesto.

“Para se ter uma idéia da desigualdade racial brasileira”, continua o texto, “lembremos que, mesmo nos dias do apartheid, os negros da África do Sul contavam com uma escolaridade média maior que a dos brancos no Brasil no ano 2000; a porcentagem de professores negros nas universidades sul-africanas, ainda na época do apartheid, era muito maior que a porcentagem dos professores negros nas nossas universidades públicas nos dias de hoje. A porcentagem média de docentes nas universidades públicas brasileiras não chega a 1%, em um país onde os negros conformam 45,6 % do total da população”.

De acordo com o manifesto, “se os Deputados e Senadores, no seu papel de traduzir as demandas da sociedade brasileira em políticas de Estado não intervierem aprovando o PL 73/99 e o Estatuto, os mecanismos de exclusão racial embutidos no suposto universalismo do estado republicano provavelmente nos levarão a atravessar todo o século XXI como um dos sistemas universitários mais segregados étnica e racialmente do planeta! E, pior ainda, estaremos condenando mais uma geração inteira de secundaristas negros a ficar fora das universidades, pois, segundo estudos do IPEA, serão necessários 30 anos para que a população negra alcance a escolaridade média dos brancos de hoje, caso nenhuma política específica de promoção da igualdade racial na educação seja adotada”.

Na opinião de Frei David, diretor executivo da Educafro, rede de 255 pré-vestibulares comunitários para afrodescendentes e carentes e uma das principais articuladoras do manifesto, “talvez os autores do primeiro texto estejam mal-acostumados com um Brasil que herdou uma visão colonialista”. “No Brasil de hoje, o negro não vive mais uma relação colonialista e tem um processo de autonomia, tem sua autodeterminação, e não vai abrir mão disso”, afirma o educador.

Segundo a Educafro, uma pesquisa do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) revelou que a diferença de mobilidade social no Brasil permanece estável desde 1929, apesar de todas as políticas universalistas adotadas. “Somos radicalmente a favor das políticas universalistas, mas que também se adote políticas específicas. Todos os marxistas já superaram a visão de que tudo vai se resolver com a questão das cotas sociais; já entenderam que a questão racial é fundamental de ser levada em conta para superar as desigualdades”, avalia.

Quem concorda é Rosana Heringer, coordenadora do Programa de Relações Raciais da ActionAid Brasil, que integra a coordenação da campanha “Onde você guarda o seu racismo”. Para ela, o que está em disputa é uma visão de país e de que tipo de estratégias queremos construir para chegarmos à igualdade. “O manifesto contrário às cotas diz que a igualdade vai ser construída a partir de políticas universais e que, ao longo do tempo, este ideal republicano vai atingir este objetivo. O problema é que essa interpretação não leva em conta como esses ideais se realizam na prática. Temos uma situação de desigualdade real que não está sendo resolvida ao longo do último século”, afirma.

Outro ponto do manifesto de oposição ao Estatuto da Igualdade Racial e das cotas é a idéia de que, ao se utilizar o critério racial para políticas públicas, você acaba “racializando” o Brasil. “Mas isso é uma questão divergente. É uma percepção de que, se você não fala de raça, o racismo não existe, o que não se sustenta, porque a gente pode ter passado o século XX todo dizendo que o Brasil é uma democracia racial e isso não impediu que situações de preconceito cotidiano permaneçam. Entendo a preocupação desses intelectuais, em como discutir raça e racismo sem racializar o país, mas racializado o Brasil já é”, acredita.