Chineses comem cada vez melhor, mas não é fácil

Por Gérard Le Puill*


Os chineses comem cada vez melhor, apesar da redução da superfície das terras agrícolas. Porém a poluição do solo e da água castiga este país de agricultura

É preciso não enxergar a agricultura chinesa com nossos olhos ocidentais. A China precisa alimentar 22% da população mundial, e possui apenas 10% de terras agricultáveis. É um desafio permanente para este país de relevo atormentado e extensíssimas zonas áridas.
Média dos lotes: 0,65 hectare


Nas regiões férteis, perpetuam-se o trabalho de jardineiro dos camponeses, a débil mecanização, as glebas que têm em média 0,65 hectares por família camponesa, após o revés da coletivização forçada no quadro das comunas populares, nos anos 50 do século passado.

Com uma população de mais de 1,3 milhão de habitantes, a China consegue mater hoje uma auto-suficiência de 95% em cereais. Estes e outras lavouras partilham uma superfície agrícola de 130 milhões de hectares, trabalhada por 313 milhões de camponeses.


A produção triplicou em 25 anos


A produção agrícola triplicou desde o início das reformas econômicas, há um quarto de século. Entre 1990 e 2003, a produção vegetal cresceu 60% e a agropecuária 145%. Neste conjunto, as safras de arroz, trigo e milho não aumentam, enquanto as de frutas e legumes crescem rapidamente.

Nas pequenas glebas que visitamos, em Sichuan, no fim de maio, a colheita de milho vinha de se encerrar, enquanto se plantava o arroz nas parcelas liberadas pelas monções. Produzidas em estufas, as mudas de arroz cobertas por um pouco de terra húmida eram vivamente inclinadas nas parcelas irrigadas, para que enraizassem rapidamente. Esse método, menos penoso, substituiu a tradicional repicagem que encurvava as costas dos trabalhadores dos campos, que são sobretudo trabalhadoras.


A colheita do arroz acontecerá em setembro, enquanto o trigo e a colza serão semeados no outono, dando uma nova safra em meados da primavera de 2007. Como em outras latitudes, a rotação de cultivos permanece aqui como um imperativo para manter o estado sanitário das plantas e um rendimento conveniente. Nos campos em torno da cidade de Chengdu, vimos principalmente mulheres trabalhando a terra, pois os homens cada vez mais se empregam nos canteiros de obras públicas na periferia da grande cidade, só voltando para casa nos fins de semana.


Sistema permanente de estoques


Durante séculos, a população chinesa foi periodicamente dizimada por más colheitas, pela especulação, pelos usurários. As últimas fomes, com outras causas, datam do periodo do “grande Salto Adiante” e da coletivização forçada das terras por Mao Tsetung. Tirando lições do passado e das reformas econômicas em curso, as autoridades chinesas mantêm um sistema permanente de reservas de cereais – essencialmente compostas de arroz, trigo e milho.


Esse estoque funciona em três níveis, nacional, provincial e distrital. O estoque alimenntado pela produção nacional e pelas importações deve ser constante, renovado a cada ano, para que os grãos estejam em bom estado.

Pragmáticas, as autoridades instituiram preços mínimos para encorajar os camponeses a cultivar cereais. Embora elas se mostrem ávaras em fornecer números sobre o estoque de segurança, parece que o país pretende manter sempre uma reserva total equivalente a seis meses de consumo, sem contar os movimentos normais no mercado interno. Além do aspecto da segurança alimentar, essa reserva serve igualmente para estabilizar os preços, com as compras estatais podendo matar no nascedouro os movimentos especulativos.


A cidade rouba terras do campo


Com a melhora do nível de vida da população, a China assiste ao crescimento e diversificação do consumo alimentar, sobretudo nas cidades, onde residem atualmente 650 milhões de chineses. Ao mesmo tempo, esse desenvolvimento urbano consome a cada ano 500 mil hectares de boas terras agrícolas, transformadas em bairros, zonas industriais e estradas. Isto inquieta numerosos agrônomos e dirigentes políticos, que debatem abundantemente nos jornais, sem que se estabeleça, até agora, freios eficazes para a urbanização galopante.

Portanto a China precisa melhorar sua produtividade agrícola, o que termina acarretando novas contradições, em um país que já emprega 280 quilos de fertilizantes químicos por hectare/ano. A estes se somam os numerosos pesticidas, em geral mal dosados, enquanto a qualidade da água não para de se deteriorar.


O agronegócio ocidental, presente


Até hoje bastante cautelosas quanto ao uso de organismos geneticamente modificados (transgênicos) na produção agrícola, as autoridades chinesas em compensação tratam de usufruir dos avanços tecnológicos ocidentais na melhoria da produtividade através de sementes selecionadas. A empresa francesa Limagrain, especializada no desenvolvimento de sementes de cereais e forragens, está instalada na China há dez anos, com uma joint venture de pesquisa e desenvolvimento de estirpes de trigo e milho.


Na França fala-se muito, há anos, em exportações agrícolas chinesas capazes de derrubar os preços de determinados produtos, como a maçã, o alho, o extrato de tomate e de morango, a lavanda, os cogumelos secos e outros. Pudemos observar que tais estratégias são de responsabilidade menos do governo chinês e mais das ambições financeiras e econômicas do abronegócio ocidental estabelecido na China. Com íntimas relações com os distribuidores, e com seu senso para os negócios, representantes do agronegócio obtêm resultados espetaculares em cartos domínios. Arrendam terras e exploram as aptidões da população rural. No setor agrícola, como na indústria de transformação, o baixo custo da mão-de-obra local é o melhor trunfo para se fazer fortuna na China.


Enviado especial do jornal
comunista francês L’Humanité