Ministro comenta “risco de desnacionalização do ensino superior”

Em entrevista ao portal da UNE e da Ubes (www. une.org.br), o ministro da Educação, Fernando Haddad avalia projeto da reforma universitária e fala sobre a importância da regulamentação no ensino superior privado

   
Após mais de duas semanas na tentativa de uma entrevista com o ministro da Educação, Fernando Haddad, o portal EstudanteNet finalmente conseguiu uma brecha em sua agenda. Atolado de compromissos, Haddad pacientemente conversou conosco por quase uma hora. No bate-papo, o ministro cerrou fileiras em torno de alguns pontos que o MEC pretende se agarrar na negociação com o Congresso sobre a reforma universitária.

Justificou os sucessivos atrasos para a conclusão do anteprojeto e alertou sobre a importância de uma regulamentação da entrada do capital estrangeiro no ensino superior privado. Para ele, manter o sistema como está, sem nenhum tipo de salvaguarda, é correr o risco de o país perder sua identidade.

Além da reforma universitária e da expansão de vagas, Fernando Haddad falou do ProUni (Programa Universidade para Todos) e do projeto de lei dos tubarões de ensino -que pretende caçar os inadimplentes- em tramitação no Congresso e que a UNE concentra esforços para derrubar. Leia, abaixo, a íntegra da entrevista.

Qual é a sua avaliação da última versão do projeto de reforma universitária?
Fernando Haddad –
A versão que está indo para o Congresso Nacional mantém o espírito original, tanto no que diz respeito à questão da exigência de qualidade, da autonomia, quanto ao financiamento estável para o sistema público federal, além da gestão mais democrática da universidade, com a criação de canais de comunicação com a comunidade e sociedade. No mais, detalhes foram alterados e algumas coisas importantes não foram resolvidas, por falta de consenso no sistema. Me refiro especificamente à questão dos hospitais universitários, cujo déficit ainda recairá sobre as verbas da educação. Não me parece adequado, mas nada nos impedirá de continuar a discussão para que essa questão seja equacionada.


O que a reforma universitária propõe para recuperar a responsabilidade do Estado no ensino superior?
A reforma, antes de mais nada, garante a expansão do sistema de ensino superior. Tivemos, por muitos anos, uma expansão congelada. Desde 2000 não se ofereceram novas vagas de ingresso. E, sem a expansão autorizada pelo presidente Lula, o crescimento de 25% da oferta seria impossível. Então, das 125 mil vagas atuais, saltaremos para 155 mil. Além disso, pela tramitação do projeto que reserva vagas para alunos oriundos da escola pública, houve, da parte do sistema, uma resposta a essa iniciativa do governo federal. Mais de uma dezena de universidades já adotaram políticas afirmativas, o que certamente contribuirá para um acesso mais hegemônico, sobretudo dos jovens da escola pública, que superaram mais obstáculos até a conclusão do ensino médio.

Foi divulgado pela imprensa que o MEC recuou na proposta de eleição direta para reitor. Isto de fato ocorreu? A lista tríplice continua?
Não houve recuo. Na verdade, houve um parecer da Advocacia Geral da União, estabelecendo que o Presidente da República é o primeiro mandatário do país com a responsabilidade de nomeação de todo e qualquer servidor para função de dirigente. Sendo assim, uma lista com um só nome apresentada ao Presidente não se adequaria ao nosso ordenamento jurídico. Mas nada impede que essa lista tríplice seja colocada dentro do espírito de autonomia universitária e emitida para o Ministério da Educação reafirmar uma forma de designação.

É notório o poderoso lobby dos proprietários de instituições de ensino para retirar a regulamentação do capital estrangeiro nas universidades privadas. Qual é a estratégia do governo para enfrentar as pressões ligadas aos interesses dos donos das instituições de ensino?
A possibilidade de exploração comercial da educação superior sem restrição ao capital estrangeiro me parece que foi um equívoco que está se pretendendo corrigir. Por quê? Porque 70% das matrículas se verificam em instituições particulares, em virtude do fato de que não havia um plano de expansão da rede pública. Como uma parte dessas instituições particulares está muito vulnerável, do ponto de vista econômico, você corre o risco, sem a regulamentação, de ter uma desnacionalização da educação superior, que é um dos elementos da formação da identidade nacional.


Como o governo pretende lidar com essa pressão?
É óbvio que haverá pressão no Congresso Nacional. Nossa estratégia é levar ao conhecimento do Congresso o risco em manter o sistema como ele está, sem nenhum tipo de salvaguarda, correndo o risco do país perder sua identidade.

O senhor acredita que o projeto de reforma universitária será aprovado como está ou há previsão de retrocesso significativo no Congresso? Até onde vai a abertura do MEC para negociar?
São três os eixos estruturantes do projeto: o financiamento estável para as universidades públicas, com garantia de expansão na oferta e de autonomia; o aumento de exigências para que uma instituição possa ser considerada universidade; e a criação de canais de comunicação com os conselhos superiores, com a comunidade acadêmica e com a sociedade. É claro que o Executivo não pode ter uma pretensão imperialista sobre o Legislativo, que é um poder da República, mas nós procuraremos defender esses eixos estruturantes, fazendo ver que não haverá avanços sem comprometimento do Congresso e do Executivo com esses princípios.


O que representa o aumento de 5% no orçamento das universidades e para onde estes recursos serão direcionados?
Levando-se em conta os dados de 2006, esse incremento da vinculação representaria um aumento da ordem de R$1 bilhão. Isso, para alguns críticos da universidade pública, representa uma prioridade da educação superior em detrimento da educação básica. Mas o maior desmentido dessa tese é a proposta de emenda constitucional que cria o Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação], destinando praticamente R$4 bilhões em dinheiro novo para a educação básica. Portanto, estamos dentro de uma visão sistêmica da educação.


O governo tem descumprido seguidamente os prazos assumidos para o envio do anteprojeto ao Congresso. Quando ele será encaminhado de fato? O MEC já desistiu da aprovação nesse ano?
O projeto de reforma universitária deve ser encaminhado no dia 8 de junho. Sobre a possibilidade de não ser aprovada neste ano legislativo, entendo que esse não é o maior problema. Nosso problema não é a pressa em aprová-la, e sim em aprovar um bom projeto. E o Congresso deve ouvir o máximo possível toda a sociedade, os alunos, os professores, os reitores, o setor particular, a comunidade.

O senhor compartilha de certa decepção que a UNE tem pelo fato desse processo estar se estendendo tanto, e existir de fato a possibilidade de não ficar para este mandato a aprovação da reforma?
Não. E vou dizer o porquê. Se o projeto tivesse sido encaminhado no ano passado, não haveria um clima muito saudável para uma deliberação adequada. Foi um ano difícil, muito complexo. Uma lei dessa importância tem que ser discutida num ambiente saudável, onde as pessoas tenham uma compreensão histórica da decisão que estão tomando, pois ela perdura no tempo e produz efeitos. Eu não lamento o fato de termos internamente nos debruçado sobre o assunto, dialogado junto aos outros ministérios, porque o desejo do Ministério da Educação é que um bom projeto seja sancionado neste ano ou no próximo. Sempre há uma expectativa de que haja uma dedicação da parte do Congresso, para que o projeto possa ser aprovado ainda nesta legislatura. O que nós queremos é que o Congresso, mais do que tudo, ouça a sociedade, para que ele possa formar um juízo sobre sua decisão.


Como o senhor avalia o papel da UNE e da UBES ao longo de todo esse processo da reforma universitária?
A UNE e a UBES entenderam o momento histórico, souberam perceber a grande contribuição que podiam dar por estarmos vivendo uma democracia plena e, portanto, incidir sobre o projeto e aperfeiçoá-lo. Penso também que o trabalho da UNE e da UBES não se esgota com o encaminhamento do projeto de lei. A palavra final só vai ser dada no Congresso Nacional e a mobilização tem que ser feita para que os estudantes tomem ciência do que está sendo discutido e decidido, e possam interferir defendendo seus interesses. O meu desejo é que haja uma percepção grande dos estudantes e que eles tenham oportunidade de fazer essa reforma.

A UNE tem recebido seguidas denúncias de estudantes beneficiados pelo ProUni que, após terem seus cursos fechados, encontram dificuldade para conseguir a transferência. O que o MEC está fazendo para resolver esses problemas?
Estamos pedindo para a UNE nos encaminhar essas denúncias, e já recebemos uma lista com os nomes dos alunos que se encontram nessa situação. É um número reduzido e absolutamente administrável. Nós acusamos transferências da ordem de 14 mil alunos. Portanto, as transferências têm ocorrido entre cursos e instituições. Nos casos mais graves, quando a instituição fecha as portas porque o MEC a descredencia, estamos desenvolvendo na Secretaria de Educação Superior um método para promover a transferência. Neste processo seletivo que está em curso, com as 47 mil bolsas, vamos verificar a oportunidade de realizar as transferências desses alunos sem prejuízos acadêmicos para eles.

Tramita no Congresso um projeto de lei para mudar a lei das mensalidades. Ele prevê o direito das instituições de desligarem o aluno já com 60 dias de inadimplência. Qual a opinião do MEC?
Esse projeto não é de iniciativa do Executivo e recebeu parecer desfavorável de todo os ministérios consultados, inclusive os da área econômica. Estamos aguardando os desdobramentos dele, porque queremos entender as razões do Congresso estar debruçado sobre esse assunto neste momento, uma vez que um dos dispositivos da reforma é dedicado à questão das mensalidades. Então, poderia ser tratado durante a discussão sobre a reforma.

Vinicius Resende
Colaborou: Rafael Minoro