Revolução bolivariana ganha ritmo de hip-hop

O bairro pobre de Pinto Salinas, na periferia de Caracas, ficou acordado até tarde em uma noite recente com o som do hip-hop, em lugar dos disparos de armas que são habituais. Sobre um palco pequeno, adolescentes usando calças b

Em uma virada da autodenominada revolução socialista lançada pelo presidente venezuelano Hugo Chávez, seu governo — que já há algum tempo vem repassando os lucros das vendas do petróleo a programas de educação e saúde para a população pobre —, está pagando jovens loucos por rap para que aperfeiçoem seus ritmos.

O objetivo é encontrar uma saída das drogas e da violência que marcam alguns dos bairros mais perigosos de Caracas. "Estamos acostumados a encontrar cadáveres, a ver tiroteios diários", comentou Alfred Garcia, de 20 anos, rapper de Pinto Salinas que ajudou a organizar o workshop sobre cultura hip-hop.

"Os tiroteios podem começar a qualquer hora — mas hoje, não", prosseguiu. "Eu conheço os caras perigosos. Falei com eles sobre esse evento. Eles disseram que, se nós não os incomodarmos, eles não vão nos atrapalhar".

Os workshops de rap vêm acontecendo em bairros pobres de Caracas e são realizados com verbas repassadas pelo governo. Quem os organiza é o Tiuna el Fuerte, um grupo de jovens músicos e artistas nascido do fracassado golpe de Estado de abril de 2002 contra Chávez.

"Isso é um prato, isso é um mixer", disse um instrutor de 21 anos, conhecido como Mc klopedia, a várias crianças de olhos atentos que subiram ao palco em Pinto Salinas para assistir a uma aula sobre aspectos básicos do hip-hop. Algumas eram tão pequenas que mal sabiam andar. Seus irmãos mais velhos, alguns de óculos de sol e lenços na cabeça, segurando pitbulls com coleiras, assistiam à aula com olhar de aprovação.

Os "superblocos" –
Depois que a produção petrolífera venezuelana aumentou muito no governo do ditador Marcos Perez Jimenez, na década de 1950, dezenas de complexos de prédios de apartamentos foram erguidos em Caracas, visando oferecer espaços habitacionais urbanos saudáveis.

Mas hoje alguns desse chamados "superblocos", lotados de migrantes da zona rural e virtualmente sem policiamento, como é o caso de Pinto Salinas, são tão dominados pela violência do tráfico de drogas quanto as favelas que os cercam, nos morros da cidade.

O cheiro de maconha se misturava ao odor dos solventes usados na tinta em spray de grafiteiros. Os candidatos a rapper de Pinto Salinas descreveram seu cotidiano como algo muito distante da vida nos shoppings e condomínios fechados dos bairros mais ricos da capital venezuelana.

"Venha para o meu bairro, você verá que não estou mentindo, aqui as balas são um concerto de pura morte", recitou um rapper. Um amigo dele fazia um ritmo de rap no microfone, com a boca, enquanto outro arranhava discos de vinil.

Apoio a Chávez –
O projeto dos workshops de rap nasceu do clima de agitação política no país nos últimos anos. Ao sair de um ensaio, em 2002, os membros de uma banda de hip-hop e salsa de um bairro semelhante a Pinto Salinas toparam com uma passeata de adversários de Chávez.

Depois de juntar-se a milhares de partidários do presidente para ajudar a fazê-lo voltar ao poder, alguns dos integrantes da banda decidiram apoiar a revolução de Chávez, com a ajuda de música e arte.

O governo passou a pagar os jovens músicos e lhes ofereceu como base para sua ação o transporte, um sistema de som e um terreno pequeno à sombra de um conjunto de "superblocos".