Um comunista iraquiano em Brasília: ''Resistir é nosso dever''

Abu Salam mora em Bagdá e milita no Partido Comunista do Iraque-Comando Central. Deixou a pátria ocupada e a família (ele tem três filhos, a mais jovem já adolescente) para participar em Brasília do Seminário Internacional A Paz é Possíve

 “Os americanos pensaram que as pessoas jogariam flores sobre suas tropas, mas os fatos foram diferentes. Os EUA não podem destruir a resistência”, assegurou Salam no seminário. Em uma conversa menos formal, ele disse estar sentindo que “algo de grande” está para acontecer na luta dos iraquianos.

Os americanos são piores que os mongóis”

“Eu quero dizer uma coisa: resistir não é nosso direito, é nosso dever. O dever de combater", agregou o resistente iraquiano. Ele foi um dos oradores mais aplaudidos no seminário, onde falou em nome do Movimento Paz e Justiça no Iraque.

Sobre a ação dos ocupantes, Salam compara-os aos mongóis de Gengis Khan, que destruiram Bagdá na Idade Média. Ressalta que os mongóis, um povo primitivo, destruiram, queimaram, mas uma geração depois já haviam se assimilado à civilização árabe. “Os americanos são piores que os mongóis. Eles também são selvagens. Mas querem que copiemos os seus usos e costumes, que nos tornemos mongóis como eles”, denuncia.

Islâmicos, nacionalistas e esquerdas se aliam

Salam informa que o PCI-Comando Central atua em uma coalizão de resistentes, a Frente Árabe Iraquiana. Esta compreende por sua vez a Frente Patriótica, de Jabar al Kuwasi. E também uma parte do Baath (o partido de Saddam Houssein). Sobre seus aliados baathistas, ele explica que são críticos de Huissein: “Nós falamos mal do Baath e eles admitem. Dizem que Saddam foi o mais baixo dos governantes”, comenta. Quanto à ala pró-Hussein do Baath, diz que na maioria encontra-se no estrangeiro; é a faccção crítica que desenvolve a resistência no terreno.

Conforme Salam, esta frente, “de islâmicos, nacionalistas e esquerdas”, responde por “certamente mais da metade” das ações armadas contra os ocupantes estrangeiros. Fora da frente, quais são as outras forças que resistem? Salam cita a Al Qaeda de Zarkawi. Afirma também que há uma grande resistência espontânea e descentralizada: descreve o que parece quase que um “cangaço iraquiano” em armas contra a ocupação.

Um exemplo: Um comando americano entra na casa de uma famílha de camponeses humildes. Humilha o chefe da casa, depois o mata. O filho mais velho convoca os primos, forma um micro-exército de familiares e inicia o combate. Hoje os ocupantes colocaram sua cabeça a prêmio, prometendo uma recompensa de US$ 1 milhão.

Quem atira contra quem

Salam admite também que existem muitos atentados de outra natureza, inclusive diversionistas, propositadamente planejados para criar confusão. “Ataques nos mercados e outros desse tipo são obra dos serviços de inteligência dos EUA, do Mossad [de Israel] e do Irã. Eles instalam, à noite, bombas nas picapes dos camponeses que no dia seguinte vâo ao mercado” denunciou.

Sobre o atentado à mesquita que desencadeou a recente onda de conflitos sectários, Salam sfirma dispor de informações que apontam para os serviços secretos ou americanos ou iranianos. A mesquita fica em uma área cercada e policiada pelas tropas ocuoantes. No entanto, a forma com que os explosivos foram instalados, inclusive perfurando paredes e colunas em lugares estratégicos, exigiria pelo menos seis horas de trabalho. O autor do atentado rendeu o vigia, instalou as bombas, soltou o vigia e saiu. Uma hora depois, a milícia xiita dava início à matança entre a população civil.

Já o atentado de 2003 que destruiu a sede da missão da ONU em Bagdá, e matou o diplomata brasileiro Sérgio Vieira de Mello, ele aponta a Al Qaeda como provável autora. Mas agrega que não foi repudiado pela gente simples do povo, devido aos envolvimentos da ONU com a ocupação.

Colaboracionistas e Quinta-Colunas

No campo oposto ao da resistência, Asrar Abdul Salam situa primeiro os invasores estadunidenses, mas logo a seguir “os traidores do Iraque que vieram com os ocupantes, e são piores que os americanos”. Para estes ele dirige a crítica mais dura: “Vieram de for a, não têm nomes, não têm partidos, não têm raízes no Iraque, não têm programa”, afirma.

O PCI-Comando Central também condena o Partido da Revolução Islâmica, xiita, que chefia o governo organizado pelos ocupantes. Classifica-o como “a Quinta-Coluna dos EUA [uma expressão nascida na Guerra Civil Espanhola, significando um inimigo infiltrado]”.

Salam também é duro em relação à influência do Irã no interior do Iraque. O Irã é a grande força xiita por trás do Partido da revolução Islâmica. Questionado sobre o conflito nuclear entre o Irã e os EUA, que ocupa ultimamente as manchetes, e evidencia uma séria contradição, ele avalia que “é alguma coisa como uma briga de namorados”. E diagnostica uma aproximação Teherã-Washington que vem desde 1991.

O comunista iraquiano lembra ainda que o Iraque sempre foi, em sua história milenar, “um país de muitas culturas, muitas religiões e também muitas nacionalidades, embora com uma maioria árabe”. Para ele, “isto não é uma fraqueza, mas uma força. São os americanos que agora querem transformar esta força em fraqueza”, denuncia.

De Brasília,
Bernardo Joffily