Renato Rabelo: O episódio da Bolívia e a covardia da elite

A decisão soberana do presidente Evo Morales de nacionalizar a produção de petróleo e gás da Bolívia tem gerado intensa polêmica no Brasil. A mídia hegemônica não pára de falar sobre o assunto; os líderes da oposição liberal-conservadora transformaram-no

 

 

Por Renato Rabelo*

 

O grau de manipulação é brutal, beirando as raias do absurdo. Entretanto, este episódio traz inúmeros ensinamentos, explicitando o que realmente está em jogo no Brasil e no conjunto da América Latina na atual fase de resistência ao neoliberalismo e aos ditames imperiais dos Estados Unidos.

 

Em primeiro lugar, ele dá a exata dimensão do significado do governo Lula. Diante da persistente pressão da elite conservdora, o presidente tem sabido defender os interesses da nação, ao mesmo tempo em que se solidariza com o sofrido povo boliviano e insiste no projeto da unidade latino-americana. Se na economia o governo ainda não reuniu convicções e meios políticos para consumar as mudanças almejadas pelo povo, evitando se confrontar com o capital financeiro, na política externa ele se destaca pela postura firme em defesa da soberania e da integração regional. Diante da globalização neoliberal, a política externa do governo Lula tem um papel estratégico!

 

Em segundo lugar, ele revela o caráter da elite brasileira, seu servilismo diante das potências capitalistas. Para ela, a prioridade do Itamaraty nas relações com a América Latina e com outros países do hemisfério Sul é perda de tempo. É coisa de pobres que não traz resultados vantajosos para o Brasil! Raivosa, ela exige que o governo seja “duro” com a Bolívia. Num atentado à democracia, a revista Veja, verdadeira sucursal do governo Bush no país, chega a rotular o presidente Lula de “bobo da corte” por não endurecer diante da nacionalização. Já uma articulista da Rede Globo propõe a retirada do embaixador brasileiro da Bolívia e o envio de tropas para a fronteira. A elite é servil diante do império e agressiva com os de baixo. Covarde diante das potências e valente diante dos pequenos!

 

A violenta ofensiva da elite, que agora posa em defesa da “soberania nacional”, amplificada por sua mídia, tem vários objetivos. Ela visa derrotar os esforços dos governos progressistas da região de integração latino-americana. Neste sentido, faz novamente o jogo imperialista dos Estados Unidos. Não é para menos que o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, o seu secretário-geral, Samuel Pinheiro Guimarães, e o assessor especial da presidência da República para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, são os principais alvos do ódio da direita e da campanha manipuladora da mídia. Além disso, todo este estardalhaço tem uma componente eleitoral. Objetiva jogar os setores médios da sociedade, sempre tão oscilantes, contra a reeleição do presidente Lula.

 

Pressão das ruas

 

Nesta orquestração, a mídia hegemônica joga um papel repugnante. Ela nem sequer divulgou o verdadeiro teor do decreto da nacionalização, que nada fala sobre desapropriação. Tenta criar um clima de terrorismo ao difundir a falsa ameaça do risco do desabastecimento. Culpa o atual governo pela dependência do gás boliviano, quando se sabe que a decisão que levou a situação atual foi tomada pelo governo FHC, que assinou misteriosos acordos com as multinacionais para explorar o produto no país vizinho. A mesma mídia venal que nunca criticou o servilismo de governo FHC diante dos Estados Unidos e nem suas criminosas privatizações, agora tenta posar de defensora dos interesses nacionais. É algo repugnante, de causar asco e indignação! 

 

Apesar do tiroteio, o comportamento do governo tem sido exemplar. Ele não recuou nas suas convicções e mantém a justa e histórica política de integração e fortalecimento econômico e político do continente sul-americano. Numa resposta dura, o presidente Lula ironizou: “Queriam que eu fizesse o mesmo que os Estados Unidos no Iraque indo para guerra contra a Bolívia”. Na crise relevante é que se mede a importância da conquista popular na eleição de 2002. Não fosse aquela vitória, o país hoje seria uma neo-colônia, submetida aos preceitos da Alca imposta pelos Estados Unidos, Alcântara seria uma base militar norte-americana e o Mercosul estaria morto e enterrado. Hoje o governo investe na integração latino-americana e mais especificamente da América do Sul, na construção do bloco contra-hegemônico aos Estados Unidos. A vida comprova que os apressados que se desanimaram com as limitações do governo Lula estavam equivocados em muitos aspectos importantes.

 

Mas a pressão do imperialismo, de seus lacaios locais e da sua mídia é brutal. É nessa hora que o governo precisa do respaldo dos movimentos sociais e das esquerdas. Como o próprio Lula desabafou no Encontro Nacional do PT, muitos criticam os rumos do seu governo, mas nada fazem para defendê-lo quando adota posições avançadas e é alvo do ataque da direita reacionária. É preciso manifestar apoio ao presidente Evo Morales na defesa das riquezas naturais do seu país – que é uma questão de princípio, de soberania. Quanto a Petrobras, estatal prestigiada pelo povo brasileiro, cabe defender seus interesses empresariais, dentro das normas do direito internacional privado. É preciso reforçar a luta pela integração da América Latina, única forma eficaz de se contrapor aos desígnios do império. É urgente denunciar a manipulação da mídia e a covardia da direita neoliberal. É necessário respaldar a política externa do governo Lula. O PCdoB não se omite nesta batalha estratégica.

 

 

*Presidente nacional do Partido Comunista do Brasil (PCdoB)