Em artigo, Lula falas das oportunidades da Cúpula de Viena

Em artigo publicado hoje no jornal O Globo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirma que vai se "juntar a colegas da América Latina, do Caribe e da União Européia em Viena, na Áustria, para fazer avançar um projeto am

Confira abaixo a íntegra do artigo:

As oportunidades da Cúpula de Viena

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Hoje, dia 12 de maio, vou me juntar a colegas da América Latina, do Caribe e da União Européia em Viena, na Áustria, para fazer avançar um projeto ambicioso.

Quando nos reunimos pela primeira vez, em 1999, no Rio de Janeiro, estávamos convencidos de que era chegada a hora de institucionalizar o diálogo entre duas regiões ligadas por uma convivência rica em história, mas também em potencialidades e expectativas. Nascia um intercâmbio que aproxima visões de mundo que se reforçam e se complementam: o fortalecimento do multilateralismo, o respeito à diversidade e a defesa da democracia. Essas são as nossas respostas aos desafios de um mundo interdependente e globalizado.

A agenda da Cúpula de Viena é tão vasta quanto nossas aspirações: vamos aprofundar o debate sobre questões que afetam diretamente o bem-estar de nossos cidadãos. Esse é caso, por exemplo, da migração. A busca permanente por melhores condições de trabalho deve ser fator de acercamento e entendimento — e jamais de discórdia — entre nossos povos. A aspiração inalienável pela inclusão social mobiliza hoje todos os segmentos da sociedade civil dos países da América Latina e do Caribe. A pobreza, o desemprego, a falta de acesso a serviços básicos estão sendo enfrentados com determinação pelos governos da região. Anima-me verificar que esse imperativo encontra eco em diversas iniciativas européias voltadas para a promoção da coesão social. Juntos, podemos dar um exemplo de solidariedade que aproxima indivíduos e transpõe oceanos.

É com a mesma confiança que juntamos esforços em prol da construção de uma governança global verdadeiramente abrangente e democrática. Somente assim seremos capazes de implementar estratégias eficazes e coordenadas para questões cruciais da agenda internacional, tais como o combate ao crime transnacional, a proteção do meio ambiente e a transferência de conhecimentos e tecnologia.

São 58 os países que participam desse exercício birregional, mais de um quarto de todos os Estados no mundo. A presença de número tão expressivo de líderes mundiais, assim como do secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, oferece ocasião ímpar para traduzirmos nossos princípios e valores compartilhados em ações concretas.

Penso, por exemplo, no desafio de transformar a missão de paz no Haiti em novo paradigma da solidariedade internacional. Concluída a primeira fase de estabilização do país, com a exitosa eleição de fevereiro passado, a comunidade internacional é chamada agora a contribuir para a efetiva reconstrução nacional — sem o que não haverá paz duradoura. Em Viena, convocarei nossos parceiros europeus a participar de forma engajada da conferência de doadores em Brasília, ao final deste mês.

Nossos amigos da Europa serão também convidados a envolver-se na tarefa de identificar mecanismos inovadores para financiar o combate às principais mazelas que afligem o mundo em desenvolvimento. Vários países que estarão em Viena já contribuem para a Ação Internacional contra a Fome e a Pobreza, cujo primeiro fruto foi a criação da contribuição solidária sobre passagens aéreas. Precisamos aumentar o número de participantes para garantir a escala de recursos necessários para dar ao programa um alcance verdadeiramente global e para viabilizar novas alternativas.

Os líderes reunidos hoje terão uma de suas últimas oportunidades para ajudar a dar um decisivo impulso nas negociações multilaterais de comércio em curso. Na Rodada de Doha da OMC, estão em jogo interesses econômicos importantes com conseqüências diretas para nossos empresários e consumidores. Só chegaremos a bom termo se os chefes de Estado e de Governo tomarem decisões corajosas. Não podemos correr o risco de que as discussões em Genebra fiquem paralisadas, perdidas nos labirintos das dificuldades técnicas. A questão é eminentemente política. Se conversarmos de maneira franca, estou certo de que chegaremos a um acordo benéfico para todos.

A União Européia sempre foi exemplo e inspiração em nosso projeto de unidade regional. Tenciono levar a Viena uma mensagem de otimismo sobre o processo de integração em curso na América do Sul e com os demais parceiros da América Latina e do Caribe. A integração regional tornou-se eixo articulador do desenvolvimento e da inserção internacional de nossos países. Por meio do Mercosul, da Comunidade Andina e do Mercado Comum Centro-Americano, estamos indo além do simples incremento de nossas trocas comerciais e criando um verdadeiro espaço integrado por meio da unificação da infra-estrutura de transporte, de comunicações e de energia. Já começamos a construir estradas, pontes, gasodutos e interconexões elétricas que agregarão eficiência a nossa indústria e agricultura, agilidade ao nosso comércio e competitividade a nossos produtos.

Desses esforços nascem novas perspectivas para investimentos e negócios entre os dois blocos. O Seminário Empresarial que terá lugar à margem da Cúpula de Viena será ocasião para explorar essas possibilidades. Os projetos de cooperação energética, sobretudo na área dos combustíveis renováveis, simbolizam o potencial estratégico de nossa parceria.

Além do relacionamento global entre América Latina, Caribe e União Européia, o encontro em Viena permitirá discutir igualmente as relações específicas do Mercosul com o bloco europeu. Passaremos em revista as várias dimensões do diversificado processo Mercosul-União Européia. Pretendemos, especialmente, reafirmar o significado estratégico do acordo de associação atualmente em negociação entre os dois agrupamentos.

Viena foi sempre um ponto de encontro de civilizações, idéias e culturas. Não imagino lugar mais apropriado para nossas duas regiões renovarem seu compromisso coletivo com um mundo mais justo e solidário, fundado no diálogo, na diversidade e na tolerância.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA é presidente da República.