Líder comunitária resiste às pressões de Alckmin e cia.

Mulher, negra, moradora da periferia, 51 anos e com baixa escolaridade, esse é o perfil da “perigosa” Conceição Paganele, acusada pelo governo do Estado de São Paulo de incitação ao crime, forma&

Nos últimos meses, a líder comunitária tem sido é vítima de um processo de intimidação levado a cabo pelo governo estadual. “Eles [autoridades do governo estadual] acreditam que estão atacando o elo mais fraco, mas se enganam, porque há muitas organizações de direitos humanos nessa luta junto com dona Conceição”, afirma Oscar Vilhena Vieira, diretor da ONG Conectas Direitos Humanos.

Por conta de seu trabalho junto à Amar, Conceição Paganele já recebeu diversos prêmios. Em 2001 foi contemplada com o Prêmio Nacional dos Direitos Humanos, recebido das mãos do então presidente Fernando Henrique Cardoso; em 2003, já no governo Lula, foi merecedora da mesma honraria; recebeu, ainda, os prêmios Betinho, Severo Gomes e Santo Dias. É por esse mesmo trabalho que lhe garantiu as premiações e reconhecimento internacional que agora está sendo acusada. Uma sindicância e três inquéritos policiais buscam associar recentes rebeliões na Febem a sua atuação em favor da proteção dos adolescentes internos.

Fábrica de violação de direitos –
A Fundação Estadual do Bem Estar do Menor (Febem), órgão da administração pública do Estado de São Paulo, vinculado à Secretaria de Justiça e Defesa da Cidadania, é responsável pela execução da medida de internação a adolescentes. Seus 30 anos de existência são marcados por constantes violações aos direitos humanos: torturas, maus-tratos e péssimas condições de detenção são pratos corriqueiros do cardápio oferecido aos menores infratores. Nigel Rodney, relator especial da ONU para Tortura, e Asma Jahangir, relatora para Independência do Judiciário e Execuções Sumárias visitaram a Febem entre os anos de 2000 e 2003 e condenaram publicamente as práticas da instituição. A frase que resume a situação foi emitida pela relatora para Execuções Sumárias: “É um horror”. Organizações de direitos humanos nacionais e internacionais, como Anistia Internacional e Human Rights Watch também denunciam constantemente a tortura praticada contra jovens internos.

A gravidade da situação foi reconhecida em novembro do ano passado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, que adotou medidas provisionais ordenando ao Estado brasileiro “que adote sem demora as medidas necessárias para impedir que os jovens internos sejam submetidos a tratos cruéis, inumanos ou degradantes” e ‘que investigue os fatos que motivam a adoção das medidas provisórias, com o fim de identificar os responsáveis e impor-lhes as sanções correspondentes, incluindo as administrativas e disciplinares”.

Perseguição –
Em janeiro de 2005, Conceição Paganele denunciou prática de tortura coletiva na unidade de internação UI-41, do Complexo Vila Maria da Febem. Sua atitude acarretou a instauração de processo criminal e prisão de mais de 20 funcionários. A partir de então, passou a ser ameaçada e teve de solicitar proteção. Em novembro de 2005, a presidente da Febem, Berenice Giannella, e o então governador Geraldo Alckmin, acusaram pela imprensa a líder da Amar de “criar problemas” e incentivar rebeliões e tumultos. Sobre a falência do sistema da Febem, no entanto, ambos mantiveram silêncio sepulcral – talvez em “respeito” às 30 mortes ocorridas nos últimos três anos nas unidades da instituição.

Em 18 de abril deste ano, o corregedor geral da Febem, Alexandre Arthur Perroni, encaminhou representação contra Conceição, utilizando como “prova” depoimentos de funcionários da instituição. Perroni não explicou, no entanto, porque apenas a presidente da Amar foi indiciada se todas as visitas que fez à Febem foram acompanhadas de representantes de outras organizações não-governamentais, como a Conectas, a Fundação Travessia e o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, entre outras.

Reação das entidades –
A resposta das entidades de defesa dos direitos humanos foi imediata. Um relatório do caso foi encaminhado a organismos internacionais e diversas articulações estão ocorrendo no Brasil em defesa de Conceição. “O que assusta nesse caso é que o governo estadual elegeu como inimigo a sociedade civil”, avalia Oscar Vilhena.

Ele informa que estão sendo adotadas três medidas no campo jurídico: a defesa técnica do inquérito penal, que está a cargo do advogado Teodomiro Dias; ampla campanha internacional solicitando solidariedade das entidades e encaminhamento do relatório à Corte Interamericana da OEA; e, no âmbito interno, solicitar a federalização do processo.

Além desses encaminhamentos, a Assembléia Legislativa do Estado e a Câmara Municipal de São Paulo também já foram acionadas. “Nesta sexta-feira (12/5) realizaremos uma audiência na Câmara para divulgar e debater essa questão”, informa o vereador Beto Custódio.

Dona Conceição Paganele, com seu jeito humilde e olhar decidido, não se assusta nem se cala diante da opressão. “Da Febem pode se esperar tudo, mas eles conseguem sempre surpreender com algo novo, isso que estão fazendo comigo é terrorismo, os internos não têm nem agasalhos de frio e as mães têm que brigar para conseguir entregar uma blusinha para eles, tem adolescente baleado, mordido de cachorro e o governo não faz nada”, desabafa essa senhora cujo único crime é lutar para que a vida de seu filho e de cerca de 6 mil outros internos sejam respeitadas.

 

Por Norian Segatto