Fórum discute mudanças na Lei de Responsabilidade Social

Rede de entidades reunidas no Fórum Brasil de Orçamento (FBO) apresentou novo projeto de lei que visa incluir mecanismos para garantir o cumprimento de parâmetros sociais no texto da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Ao completar seis anos de vigência, a Lei de Reponsabilidade Fiscal (LRF) recebeu semana passada no Congresso a primeira proposta significativa de mudança. Por meio da Comissão de Legislação Participativa, o Fórum Brasil de Orçamento (FBO), rede formada por quase 50 entidades da sociedade civil, apresentou ao Parlamento projeto de lei que visa incluir na LRF também mecanismos e normas que garantam por parte do poder público a prática da responsabilidade social. A idéia das organizações é equilibrar a relação desigual existente hoje na gestão dos recursos públicos entre a destinação financeira, que envolve a amortização e pagamento de serviços e juros da dívida pública, e a social, que inclui políticas públicas voltadas à garantia dos direitos consagrados na Constituição Federal.

De acordo com Eliana Graça, do Instituto Nacional de Estudos Sócio-Econômicos (Inesc), que assinou formalmente a proposta, o PL tem como objetivo permitir o aumento de gastos sociais através da flexibilização das restrições impostas pela LRF, como o limite de 50% da receita líquida corrente para a União para pagamento de salários. “Desde que seja para atender as metas sociais, este limite poderia ser flexibilizado”, explica Graça.

Em artigo publicado em maio de 2005, o jornalista e articulista da Carta Maior Mauro Santayana caracterizou a LRF como uma imposição dos Estados Unidos a todos os países da América Latina, apesar de sua aplicação existir em todas as nações do continente. “Seu objetivo nunca foi o de assegurar moralidade aos governos estaduais e municipais, mas, sim, o de garantir os recursos necessários ao serviço da dívida, e impedir os investimentos que venham a diminuir a dependência externa do país”, escreveu.

Para a deputada Luiza Erundina (PSB-SP), escolhida relatora da matéria, a proposta visa estabelecer garantias que efetivem uma cultura de responsabilidade na gestão das políticas sociais. “A proposta não é afrouxar o controle fiscal, mas realizar uma inversão de prioridades. Equilíbrio financeiro e fiscal têm que vir com desenvolvimento social. O desenvolvimento envolve crescimento econômico, mas deve prever também a melhoria da qualidade de vida das pessoas”, comenta Erundina. No documento de apresentação do PL, os autores justificam a proposta por ser a LRF um dos pilares do atual modelo econômico, que vem provocando “cortes inadmissíveis nas despesas públicas essenciais para a sobrevivência da maioria da população, ao mesmo tempo em que tem elevado os recursos destinados ao pagamento das dívidas – interna e externa – beneficiando diretamente banqueiros e rentistas”.

A posição é endossada por estudo do Conselho Nacional de Municípios (CNM) citado no mesmo documento, que identificou em várias prefeituras sacrifícios em importantes áreas sociais, como saúde, educação, habitação, cultura. “Para a CNM, o problema é que no Brasil se disseminou uma cultura de que só interessa o fiscal em detrimento do social. A Confederação entende que é preciso mudar a LRF tanto para ampliar os controles fiscais como para harmonizar a responsabilidade na área fiscal com a responsabilidade social”, diz o documento. Outra pesquisa, do economista Amir Khair, verificou que mesmo com os esforços da LRF a dívida dos estados vem crescendo e hoje já beira o descontrole. Segundo o estudo, o chamado 'patrimônio a descoberto' dos estados cresceu de R$ 35,2 bilhões para R$ 143,821 bilhões, de 2000 a 2004. Em resumo, este quadro mostra que este ente da federação não terá recursos para quitar seus compromissos, mesmo com todos os ativos que possui.

Na avaliação de Eliana, o mesmo acontece com a União. Apesar de todo o esforço e da economia, que retira recursos das áreas sociais, a relação entre a dívida e o Produto Interno Bruto (PIB) praticamente não variou entre 2004 e 2005 (caiu de 51,7% para 51,6%), apesar de o superávit primário praticado ter sofrido acréscimo de 4,59% do PIB para 4,84%, valores bem acima do índice de 4,25% definido pelas últimas Leis de Diretrizes Orçamentárias. Em 2005, esse superávit acumulou R$ 55,7 bilhões. A desproporção fica explícita se este montante for comparado com a lista de gastos sociais (que inclui áreas como saúde, educação, habitação e saneamento) para a qual foram destinados no mesmo ano R$ 8 bilhões. Já o valor pago em amortizações e juros da dívida chegou a R$ 139 bilhões ano passado. Se observada uma série histórica mais longa, é possível perceber que apesar do aumento da economia e dos pagamentos de juros da dívida, ela cresceu de forma considerável, saindo de R$ 563 bilhões em 2000 para pouco mais de R$ 1 trilhão em 2005.

Se a dívida astronômica recebeu especial atenção do Estado brasileiro nos últimos 20 anos, a proposta tem como objetivo garantir o mesmo tratamento do Estado para a dívida social. Um dos propósitos do projeto é atrelar as chamadas 'metas sociais' aos instrumentos do ciclo orçamentário, como o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). Assim, busca-se a mesma estrutura e o mesmo planejamento existentes para a administração da dívida pública (que inclui até uma secretaria específica no Ministério da Fazenda, a Secretaria do Tesouro Nacional).

O professor Márcio Pochmann, em outroartigo publicado em março de 2005 na Carta Maior, apresentou relato histórico deste processo, lembrando que foi formada na década de 80 equipe econômica com esforços de todas as áreas para controlar o endividamento público, com metas e cronogramas claros no sentido de indicar a disposição de atender os compromissos firmados, enquanto para a dívida social não houve até hoje dentro dos governos sequer uma metodologia que pudesse mensurá-la. Em um esforço neste sentido, o grupo de pesquisadores responsável pela coleção “Atlas da Exclusão Social”, publicada pela Editora Cortez, propôs um cálculo e chegou à cifra de R$ 7,2 trilhões.

Controle público – Outro objetivo da proposta apresentada pelo FBO é abrir a caixa preta das finanças públicas e do orçamento para o controle da sociedade organizada com a criação do Sistema Público de Monitoramento da Gestão Fiscal e Gestão Social. Para a representante do Inesc, somente aumentar os recursos não resolve o problema dos gastos e investimentos públicos se este processo não vier acompanhado de uma maior abertura à participação. “Não basta ter recurso, mas tem que ter um sistema de monitoramento da gestão social, pois efetuando este controle incidindo diretamente sobre este que é um dos debater mais importantes, de como e para quem os recursos serão alocados”.

O projeto cria dispositivos para que a construção, o monitoramento e a avaliação de todo o ciclo orçamentário sejam feitos de forma transparente e democrática. No plano federal, isso se daria pela criação de um conselho formado por entidades da sociedade civil e por representantes dos conselhos já existentes hoje no âmbito do Executivo. Na avaliação do FBO, a forma como são decididas as peças orçamentárias hoje sobrevaloriza a margem de atuação do Parlamento e alija a população, que não consegue acompanhar a definição das destinações dos recursos nem a execução por parte do Executivo.

Por Jonas Valente (Carta Maior)