Luiz Pinguelli Rosa: “Os dois lados da questão da Bolívia”

Em meio à natural reação no Brasil à intempestiva nacionalização do petróleo e do gás na Bolívia, algumas declarações extremistas foram transmitidas pela imprensa, como a reivindicação

LUIZ PINGUELLI ROSA*

Em meio à natural reação no Brasil à intempestiva nacionalização do petróleo e do gás na Bolívia, algumas declarações extremistas foram transmitidas pela imprensa, como a reivindicação de que o governo brasileiro retirasse seu embaixador em La Paz ou de que a Petrobras se retirasse totalmente daquele país. Ora, seria essa a melhor maneira de agravar a crise, pior para ambos os lados. Não é de se esperar um recuo total da Bolívia, pois o ônus político interno seria enorme. Tudo indica ter sido preferível a prudência diplomática adotada pelos pronunciamentos oficiais do governo Lula, buscando abrir a porta da negociação para salvar os dedos, perdendo os anéis.

Nesse contexto, a reunião dos presidentes do Brasil, Argentina, Venezuela e Bolívia em Foz do Iguaçu tem um lado simbólico. A usina de Itaipu Binacional tem um modelo de gestão com participação meio a meio pelo Brasil e Paraguai, sem um controlador como ocorre nas grandes empresas privadas em geral. Esse modelo poderia ser ponto de partida para negociar com a Bolívia a associação entre Petrobras e YPFB, sem abrir mão de indenização pelas perdas e pela desapropriação das ações da estatal brasileira, bem como pela perda do controle dos empreendimentos.

Cabe aqui dividir o problema em dois. Um é o da Petrobras como empresa, ainda que de controle estatal, mas com ações em bolsa, inclusive fora do país. Outro, o mais importante, é o dos interesses brasileiros em garantir o abastecimento de gás natural a preços justos. Isto pouco tem a ver com as duas refinarias e postos de gasolina da Petrobras/ BR em território boliviano. A aquisição destes ativos teve sua origem na privatização do setor energético na América Latina, que ocorreu também no Brasil, ao tempo do presidente Fernando Henrique Cardoso, que, no entanto, preservou a Petrobras.

Mas sob a liberalização da economia e a quebra do monopólio que exercia em nome da União, a Petrobras se expandiu fora do Brasil, incluindo a Bolívia, comprando ativos. Este tipo de investimento estrangeiro transferiu a propriedade das refinarias, mas não expandiu necessariamente a produção nacional, tal como ocorreu na privatização do setor elétrico brasileiro. Não podemos, portanto, afirmar que aquilo que não foi bom para o Brasil seja bom para a Bolívia, parodiando conhecida frase. Até aqui, a questão é o interesse da Petrobras como empresa, ainda que afete de algum modo o governo brasileiro, especialmente por ser estatal.

Sua perda pode ser avaliada como a metade dos ativos, já que a Petrobras pode ficar como sócia da YPFB. Essa perda, entre US$ 1 bilhão e US$ 2 bilhões, é pequena face ao porte da Petrobras, significando algo em tomo de 1% a 2%. Tanto é assim que o impacto no valor das ações não foi relevante.

É totalmente diversa a importância do problema quanto ao gás natural, em que os investimentos feitos pela Petrobras significaram aumento real da produção física e econômica dos campos de gás bolivianos, bem como construiu o gasoduto viabilizando sua exportação para o Brasil. E aqui a questão é diretamente de interesse brasileiro, pois metade do gás natural consumido no Brasil vem da Bolívia -em São Paulo, esse percentual atinge 75%.

As alternativas são a expansão da produção nacional, que pode crescer, mas leva tempo; a importação de outros países, como o Peru e a Venezuela ou de fora do continente, usando ou o transporte de gás natural liquefeito por navios metaneiros, ou o novo gasoduto trans-sul-americano, Venezuela-Brasil-Argentina -de extensão comparável ao trans que abastece a Europa.

A expansão da produção nacional de gás, especialmente a do campo de Mexilhão, se torna significativa após 2008 e por si só não abole a necessidade de importação do gás boliviano, que a Petrobras pretendia duplicar com novos investimentos naquele país. Aliás, o problema existia antes mesmo da ação boliviana, pois não há gás natural para as termelétricas existentes, se forem despachadas pelo ONS [Operador Nacional do Sistema Elétrico] em caso de necessidade.

Para a Bolívia, a exportação de gás também é essencial, pois três quartos da sua produção vêm para cá, 15% vão para a Argentina, e apenas 10% são para o seu mercado interno. Portanto, não há como interromper a exportação -seria uma perda enorme, da ordem de 18% do PIB boliviano. O nó da questão é o preço garantido por contrato, no qual são previstos reajustes. Aí se concentrarão as negociações, pois o problema do preço do gás natural no mundo todo tenderá a ser puxado pela alta do preço do petróleo.


Luiz Pinguelli Rosa, 64, físico, é coordenador do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Energético da Coppe/UFRJ (Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia). Foi presidente da Eletrobrás (2003-04).