Soldados americanos filmam o fiasco de Bush no Iraque

Vem aí mais um ataque (desta vez, involuntário) contra George W. Bush e sua guerra irresponsável no Iraque. O aguardado The War Tapes (As Fitas da Guerra) foi exibido pela primeira vez nesta semana, durante o Festival de Cinema de Tribeca, e

A força de War Tapes está justamente na espontaneidade e nas diferenças de seus soldados-cineastas — Steve Pink, Zack Bazzi e Mike Moriarty. “Um é favorável a Bush e à missão, o outro é mais cínico e o terceiro se posiciona em algum ponto entre os dois”, distinguiu Deborah Scranton. Mas, se ao longo do filme o trio discorda muito no varejo, há uma convergência crucial no atacado: a guerra promovida por Bush é um verdadeiro desastre — um exemplo de desorganização e pouca eficiência. E os soldados também se autoproclamam “patriotas”, apesar das diferenças. Reconhecem que a busca por petróleo e dinheiro é o real interesse do presidente dos Estados Unidos. Nada de “Eixo do Mal”, luta pela democracia ou qualquer outro pretexto demagógico.

Encarregada de cobrir a guerra para a New Hampshire National Guard, Deborah preferiu entregar câmeras de vídeo às tropas, dando liberdade para os soldados filmarem e comentarem o que viviam. As poucas conversas entre eles e a diretora se davam pela Internet, via comunicadores instantâneos. Pink, Bazzi e Moriarty ficaram um ano no Iraque e gravaram mais de 900 horas de imagens, às vezes sob fogo cruzado. Ao mesmo tempo, Deborah filmava o cotidiano de mãe, mulher ou namorada dos soldados.

Com seqüências chocantes e uma montagem levemente sensacionalista, The War Tapes se apresenta como “o primeiro filme de guerra produzido pelos próprios soldados”. O documentário já divide crítica e público, embora os elogios preponderem. Foi definido por um crítico nova-iorquino como o “encontro entre a ironia anticonvencional de Quentin Tarantino e o estilo ácido de Michael Moore”. A cena mais tarantinesca mostra soldados comparando um membro amputado a  “um hambúrguer” ou “uma carne malpassada”. De Michael Moore, o filme parece se inspirar no realismo das imagens, na denúncia auto-explicativa. O efeito das bombas, o descontrole emocional de integrantes da tropa, os impasses — tudo isso é revelado às claras.

Censura –
Mike Moriarty, o soldado “pró-missão”, não esconde seu ódio ao Iraque. Pouco depois de acompanhar um confronto entre tropas iraquianas e americanas, enfatiza que “é hora de apertar o cinto” e,  até mesmo, de “atacar com bombas nucleares esse país de merda”. Opinião contrária têm Zack Bazzi, um soldado de ascendência libanesa, e Steve Pink. Os dois se declaram desapontados com a arrogância dos invasores. Para Bazzi, o Exército dos Estados Unidos não se dispõe a entender — quem dera respeitar — a tradição e os costumes do povo iraquiano. Pink vai além: lamenta que nem sequer os motoristas de caminhão não-americanos são tratados decentemente.

A edição do documentário manteve boa parte do humor negro, mas as Forças Armadas censuraram uma das fitas gravadas. Ficou de fora a cena em que soldados americanos, à frente de diversos cadáveres de iraquianos mortos Falluja, falavam de um cachorro se alimentando dos corpos. Do trio que filmou a guerra no calor da hora, dois voltaram para casa apresentando stress pós-traumático. Ainda assim, mantinham-se orgulhosos de seus papéis no conflito e nem cogitavam a possibilidade de tratamento psicológico.

The War Tapes
concorre em Tribecca na categoria de documentário internacional. Fundado pelo ator Robert de Niro em 2002 — como contrapeso cultural aos atentados de 11 de setembro ao World Trade Center —, o festival está na quinta edição. Neste ano, apresenta 274 filmes. Cem deles são curtas-metragens. United 93, primeira produção hollywoodiana a tratar do 11 de setembro, abriu o evento na semana passada. Os organizadores deixaram de priorizar comédias açucaradas ou longas de ação, dando destaque a filmes adultos e polêmicos. Stephen Holden, do New York Times, afirmou que, atualmente, “a bruta realidade constitui a marca artística” de Tribecca.

Por André Cintra,
da Redação