Evo nacionaliza os hidrocarbonetos: ''Acabou-se o saque''

"Acabou-se o saque", disse o presidente da Bolívia, Evo Morales Ayma, às 12h50 (13h50 em Brasília) deste 1º de Maio, no campo petrolífero de San Alberto, em Tarija, a 20 km da fronteira com a Argentina. Ele acabava de assinar o decre

“Isto é só o começo”, prometeu Evo. “No fim de maio faremos um acordo para nacionalizar os recursos energéticos. Se estamos começando a nacionalizar os hidrocarbonetos, amanhã, e depois, será a mineração, serão os recursos florestais e todos os recursos naturais”, apontou.

O que diz o “Decreto Heróis do Chaco”

“No exercício da soberania nacional, obedecendo ao mandato do povo expresso no referendo vinculante de 18 de julho de 2004 e em estrita aplicação dos preceitos constitucionais, nacionaliza-se os recursos naturais de hidrocarboinetos do país”, afirma o decreto supremo número 28701, também chamado “Decreto Heróis do Chaco”. O presidente leu-o à noite para a massa compacta que gritava “Viva Evo!” e “Viva a nacionalização!”.

“O Estado recupera a propriedade, a possessão e o controle total e absoluto destes recursos, diz ainda o decreto. Já na solenidade em San Alberto, o maior campo do país, assim que Evo anunciou a medida, um soldado subiu nas altas instalações petrolíferas, para ali hastear uma bandeira boliviana e fixar um cartaz com uma só palavra: “Nacionalizado”. Tropas do Exércitos e batalhões de engenheiros organizados pela YPFB – a estatal petroleira boliviana – assumiram no mesmo dia as instalações dos campos.

Rica Bolívia, pobre Bolívia…

O decreto se baseia na decisão do referendo de julho de 2004, em que a população decidiu a favor de que o Estado recuperasse a propriedade de suas reservas. Na década de 1990, as reservas do país foram privatizadas pelo ex-ditador Hugo Banzer. Três empresas venceram essa privatização: a britânica BP, a espanhola Repsol e a estatal brasileira Petrobras. A elas se uniram a inglesa British Gas, a francesa Total, a sul-coreana Dong Wong e a Canadian Energy. Executivos da Repsol se ufanavam na época de que para cada dólar investido as petroleiras obtinham dez.

Em consequência a Bolívia é hoje, ao mesmo tempo, o segundo país mais rico da América do Sul (depois da Venezuela) em reservas de gás e o mais pobre em renda per capita. Com o decreto 28701, tenta se adonar da riqueza.

A Petrobras é a empresa mais atingida, pela dimensão de seus negócios na Bolívia: responde por 18% do PIB do país. Um patriota brasileiro com cargo de direção da Petrobras e profundo conhecedor do assunto, indagado há poucos dias pelo Vermelho sobre como encara esta realidade, respondia, sem esconder o constrangimento: “Nós já encontramos essa realidade assim”.

“Terceira e definitiva nacionalização”

Pelo decreto de Evo Morales, a YPFB passa a ser responsável pela comercialização do produto, "definindo condições, volume e preços, tanto no mercado interno como para exportação". O governo boliviano dá 180 dias de prazo para que as empresas instaladas no país adaptem-se às novas medidas.

Como argumento para fundamentar a nacionalização, Evo recordou que a Bolívia foi o primeiro país do continente a nacionalizar os seus hidrocarbonetos em 1937. Na época, a companhia norte-americana Standart Oil era dona de poços no país. Em 1970, o governo boliviano realizou sua segunda nacionalização, desta vez contra a empresa Gulf Oil. Das duas vezes, governos entreguistas reverteram o processo. O presidente apresentou a medida deste 1º de Maio como a "terceira e definitiva nacionalização".

“A tortilha virou”

O decreto não impede a continuidade da atividade das empresas na Bolívia. Mas estabelece que as cinco empresas petroleiras principais, e os dutos que transportam gás, petróleo e derivados, devem ter 50% mais 1 de propriedade boliviana. Nos grandes campos de San Alberto e Sábalo – que respondem por 70% das exportações de gás –, “a tortilha virou”. No tempo do presidente entreguista Gonzalo Sánchez de Lozada (derrubado por um levante popular em 2003), as transnacionais ficavam com 82% da produção e os bolivianos com 18%; agora será exatamente o inverso.

Em consequência, sob Sánchez de Lozada os hidrocarbonetos rendiam ao Estado boliviano US$ 140 milhões de dólares. Em 2005, com a Lei de Hidrocarbonetos, de iniciativa da bancada do MAS (o partido de Evo Morales), a renda subiu para US$ 460 milhões. Com o decreto de 1º de Maio, deve chegar a US$ 780 milhões, segundo o cálculo do vice Alvaro Garcia Linera.

“Agora quem defende as petroleiras?”

“Agora eu quero ver quem é que defende as petroleiras”, alfinetou Garcia depois do decreto. Era uma alusão às elites “cívicas” de Santa Cruz e Tarija, muito ligadas às transnacionais, e também a tentativas separatistas.

A reação da Praça Murillo, no centro histórico de La Paz, dá uma idéia do que significa a nacionalização para os bolivianos comuns. “Era o que a gente estava esperando”, “Finalmente fizemos honra aos nossos mortos”, diziam as pessoas, segundo o correspondente da agência Prensa Latina.
 
Evo Morales foi saudado inclusive por dirigentes sindicais que cobram o governo pela esquerda. Uma das poucas vozes dissonantes foi Jaime Solares, secretário-executivo da Central Operária Boliviana (COB), que julgou a medida conciliadora e defendeu o confisco das transnacionais.

Com agências