Conselheiros da OAB devem optar por saída diplomática

Por Maurício Hashizume,
na Agência Carta Maior*

Descontada a cortina de fumaça, os 81 membros do Conselho Federal da OAB que estarão reunidos no próximo dia 8 de maio devem alegar ausência de condiçõ

A eclosão de uma troca midiática de farpas entre o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), João Felício, e o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Roberto Busato, nesta terça-feira (25), deu fervura ao debate sobre a possível oficialização de um pedido do impeachment (impedimento) do presidente Lula, colocado em debate no Conselho Federal da OAB.

Felício previu que, caso a proposta de fato seja oficializada, haverá reação das organizações de base que fazem parte da Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS). Busato, por sua vez, preferiu se ater ao termo “tresloucado do neoliberalismo” – utilizado pelo representante da CUT para caracterizar entidade hipotética que vier a protocolar de fato o pedido de impedimento, atitude que a OAB ainda não tomou – e revidou dizendo que as entidades da CMS (leia: PT pede apoio dos movimentos, mas opção é por autonomia com “lado”) “não sentam hoje conosco, mas sentam absolutamente isoladas e tentam tachar a Ordem de entidade retrógrada” – como foi divulgado em entrevista reproduzida no site oficial da OAB.

No final do ano passado, os dois lados estiveram bem mais distantes. O presidente da OAB chegou a declarar que o presidente Lula adotara postura de "absoluto autismo" perante a crise e até recebeu o velhinho autor das célebres bengaladas no ex-deputado e ex-ministro José Dirceu, Yves Hublet (que também prometeu apresentar à Presidência do Congresso um pedido individual de impeachment do presidente Lula por conta dos escândalos de corrupção), com direito a pompas.

Descontada a cortina de fumaça das interpretações precipitadas e das ácidas acusações, a proximidade da reunião decisiva do próximo dia 8 de maio, quando os 81 membros do Conselho Federal da OAB estarão reunidos para bater o martelo sobre a proposta de ação de impedimento do presidente Lula tem elevado o grau de entendimento entre as partes.

Sábado passado (22), o colégio de presidentes das seccionais da OAB divulgou a “Carta de Belo Horizonte”, ao final de três dias de encontro na capital mineira. “Discutir a possibilidade jurídica e política do pedido de impeachment do Presidente da República não é senão colocar os instrumentos da democracia em favor do cidadão e da nação, sem descurar das circunstâncias de sua conveniência no atual momento”, propugnaram os 23 representantes do colégio, juntamente com a diretoria do Conselho Federal e com membros honorários vitalícios.

Manifestações públicas como essa, conectadas com as últimas declarações de Busato – especialmente depois da visita que recebeu do novo ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro (leia: Tarso intensifica diálogos em busca de agenda menos defensiva) e da audiência no Palácio do Planalto com o presidente Lula na semana passada – abriram caminho para uma solução diplomática. O Conselho da Ordem deve avaliar normalmente a proposta de impeachment – e aproveitará todo o destaque obtido na mídia perante a sociedade para buscar revalidar o seu papel como órgão ativo -, mas a maioria de votantes deve optar por não levar o pleito adiante.

“Nenhum receio pode impedir a OAB de discutir o assunto”, sublinha Amauri Serralvo, um dos integrantes da comissão destacada para analisar a proposta de pedido de impeachment, que aconselhará o relator Sérgio Ferraz. “Mas isso requer muito cuidado. A OAB tem um histórico de credibilidade que precisa ser preservado. Somos a única entidade que tem o dever constitucional do aperfeiçoamento da ordem democrática entre as suas atribuições. Isso não é brincadeira”.

A opinião de Serralvo não reflete necessariamente a totalidade da opinião dos conselheiros – e até contraria relatório preliminar interno da comissão que chegou a ser ‘vazado’ para a imprensa no início deste mês, mas dá uma idéia do nível de debate dentro do espaço privilegiado da comissão específica – formada, além dele e do relator Ferraz, por Orlando Maluf Haddad, Mário Lúcio Quintão, Marcelo Bravo e Cezar Roberto Bittencourt. Para o conselheiro, nos termos em que o pedido está colocado hoje, não há condições (principalmente em virtude da ausência de condicionantes políticos e mobilizações populares) para a aprovação da propositura. Há também corrente dentro da OAB para a qual a oficialização do pedido de impedimento, decolada de um clima de comoção nacional, poderá resultar no fortalecimento da imagem de vítima do presidente Lula e acirrar ainda mais os ânimos no cenário de crise.

“Não podemos colocar a OAB em aventuras. O caso do [impeachment do ex-presidente Fernando] Collor não se resume apenas a [um carro] Elba. Em relação ao pedido que estamos analisando, há indícios [de participação do presidente Lula], mas faltam provas”. A OAB e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), com base nas conclusões da chamada CPI do PC – alusão a Paulo César Farias, tesoureiro da campanha presidencial de Fernando Collor de Mello nas eleições de 1989 -, apresentaram o pedido de impedimento do ex-presidente Collor, em setembro de 1992.

Proposta

Apresentada em novembro do ano passado, a proposta da conselheira Elenice Carille, de Mato Grosso do Sul, foi remetida desde então a uma comissão especial que tem reunião marcada nesta semana para tratar dos últimos detalhes do relatório final de Sérgio Ferraz, que será apreciado por seus colegas.

A propositura apresenta um leque de justificativas. A primeira delas atribui diretamente ao presidente Lula a responsabilidade por ter “contaminado” as instituições “com práticas não apenas reprováveis do ponto de vista ético, mas práticas criminosas ao corromper parlamentares para votar projetos de lei de iniciativa do Poder Executivo, em especial, suas inconstitucionais e malfadadas Medidas Provisórias” e questiona, por conseguinte, a negativa do presidente diante de evidentes práticas atuais, “que a mídia coloca diariamente para a consciência pública”.

A segunda faz menção ao envolvimento do filho e do irmão do presidente em denúncias de favorecimento. Em ambos os casos, argumenta a conselheira na proposta de pedido de impeachment, a situação é de “extrema gravidade”: “se [o presidente Lula] desconhece, a ignorância não é justificável (o que implicaria em absoluta incompetência para governar), se conhece e admite que a hipótese é provável, será corrupto”.

Uma terceira justificativa toma como “inescusável” a admissão do mandato “de um cidadão que foi eleito com a confiança quase absoluta do povo brasileiro, com uma campanha cuja palavra chave era transparência, e ora se descobre tratar-se de eleição irrigada com ‘ caixa dois’, e, portanto eleito de forma fraudulenta, transformando, destarte seu mandato em ilegítimo”.

“Não há defesa, ética e juridicamente válida, para a conduta dos dirigentes do Partido dos Trabalhadores, e nem justificativa para a alegada ignorância do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva a respeito das mazelas dos Delúbios, Silvinhos, Genoinos, ou o ‘poderoso’ José Dirceu e outros. Não há escapatória diante das provas do uso de sala no Palácio do Planalto, junto à Casa Civil. E não há justificativa quando o amigo do Presidente Lula, Silvio Pereira, desfilava de ‘Land Rover’, e ele não sabia”, arremata Elenice no documento apresentado ao Conselho Federal da OAB que finalmente será apreciado. A análise da ação foi adiada para acolher inclusive o resultado das investigações da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Correios, no Congresso Nacional, e da Procuradoria-Geral da República (PGR).

Caso a proposta de impeachment seja aprovada, os conselheiros da OAB imputarão responsabilidades ao presidente que o próprio relatório final da CPMI dos Correios e a denúncia do procurador-geral Antônio Fernando de Souza não chegaram a acusar.