Gilberto Maringoni: A Imelda brasileira

A primeira-dama paulista Maria Lucia (Lu) Alckmin parece não se dar conta que suscitou uma comparação incômoda. O caso de seus 400 vestidos remete de imediato a outra primeira-dama, famosa por seus exageros no guarda-roupa.

Todos se lembram da dona Imelda Marcos. Primeira-dama das Filipinas, entre 1965 e 1986, ela tem uma personalidade oposta à de dona Lu em muitas coisas. Escandalosa e falastrona, adora armar barraco por coisa pouca, enquanto a presidente do Fundo Social de Solidariedade do Estado de São Paulo faz um estilo bem mais discreto. Ou low-profile, como se diz por aí. Mas dona Lu, como Imelda, caminha célere para se tornar um ícone das peruas emergentes e símbolo maior de nossas cascatas murmurantes. Cascatas aqui, no sentido do verbo cascatear.

Obra imortal

A obra que imortalizou dona Imelda para todo o sempre é sua coleção de sapatos. São cerca de três mil pares, de grifes européias variadas, num país onde a maior parte da população mal tem o que vestir. Os adornos para os pés de dona Imelda vieram a público após a queda do regime ditatorial capitaneado por seu marido, Ferdinand Marcos. Ela protestou vivamente contra a divulgação. “Não são três mil, são mil e sessenta!”. Ah, bom. Alguns calçados eram tão espalhafatosos que fizeram a delícia de certa imprensa, à cata de novidades bizarras. A partir daí, o nome Imelda batizou inúmeras butiques, bares, lojas e estabelecimentos comerciais descolados ao redor do mundo. Convenhamos, é a glória.

Dona Imelda tem um senso de humor meio exótico. É dela a seguinte pérola: “Nasci ostentando. Qualquer dia vão dicionarizar meu nome. Usarão ‘Imeldificar’ como sinônimo de ostentação e extravagância”.

Com que roupa?

Não se conhece o número de pares de sapatos de dona Lu Alckmin. Mas já se tem uma idéia do tamanho de seu guarda-roupa. Só do estilista Rogério Figueiredo, no dizer do próprio, dona Lu ganhou 400 modelitos. Um número razoável na escala internacional da imeldificação. Isso, sem contar conjuntos que ela já tem, como os Valentino, Blueberry, Chanel e Seven. Dona Lu diz que não são 400, são 40.

Os admiradores de dona Lu criaram cinco comunidades em seu louvor no Orkut. Uma delas busca “ser uma grande homenagem à futura primeira-dama dos tupinambás em 2006. Afinal já estamos fartos de primeiras-damas feias, lúgubres, insípidas e ridículas”. E vai adiante: “Ora, por que só eles podem possuir uma Jackeline Kennedy?”. Outro grupo virtual a batiza de “a princesa Diana de São Paulo.

Como toda primeira dama, dona Lu dedica-se a obras assistenciais e mereceu do ex-secretário de Educação de São Paulo, Gabriel Chalita, um livro, chamado “Seis lições de solidariedade”. A página da Editora Gente, na Internet diz que a obra “retrata as experiências vividas pela primeira dama (…) que acredita e defende que a ação solidária e o movimento do amor podem transformar a vida das pessoas”. Deve ser bonito o trabalho de dona Lu na área, não há porque se duvidar disso.

Quando não é mimoseada por Rogério Figueiredo, dona Lu dá uma passadinha na Daslu, para umas comprinhas. Lá, onde sua filha Sophia já bateu cartão de ponto, ela lamentavelmente tem de colocar a mão no bolso. Ou na bolsa. Os vestidos custam entre R$ 1,5 mil a R$ 15 mil. Certamente um sacrifício para o salário de R$ 14 mil de seu marido, agora funcionário público desempregado.

Atendimento exclusivo

Rogério Figueiredo, natural de Taubaté, no vale do Paraíba, região do casal Geraldo e Lu Alckmin e Gabriel Chalita, aos 33 anos já é um sucesso. É dono de um ateliê – ou “maison” – de 800 metros quadrados, onde trabalham 80 pessoas, nos Jardins, a região elegante da capital paulista. De acordo com sua página na internet, da lista de clientes “constam as primeira-damas Lu Alckmin e Fanny Leiner, além de nomes da sociedade e do show-business como Betty Faria, Astrid Fontenele, Beth Szafir, Cristiana Oliveira, Beatriz Segall, Yara Baumgart, Ruth Escobar, Hebe Camargo, Mila Moreira, Ana Maria Braga, Regina e Gabriela Duarte, entre outras mulheres influentes e de estilo”.

Rogério Figueiredo não vende roupas a granel. Segundo a revista Época, “o estilista praticamente coloca suas clientes no colo e assim as conquista. 'Gosto de atender cada uma com exclusividade. Antes de criar um vestido, faço uma entrevista para captar a alma delas.' (…) Para não errar em nada, o estilista faz a modelagem diretamente no corpo da pessoa”.

Ao site Moda e Consultoria, Figueiredo acrescentou: “Há um processo de sete provas das roupas, desenvolvimento de três croquis, um estudo do corpo sobre o que deve ser escondido ou valorizado e uma elaboração de um perfil psicológico da cliente para avaliar seu gosto pessoal”.

Fazendo as contas

Se forem mesmo 400 as peças doadas à dona Lu, desde que seu marido assumiu o Palácio dos Bandeirantes, em março de 2001, até o final de 2005, teremos um vestido doado a cada quatro dias. É tanta coisa, que Figueiredo declarou à Folha de São Paulo, em 26 de fevereiro, que "com o que já fiz, a dona Lu tem roupa para usar pelo resto da vida".

Façamos a conta, leitor. São 400 vestidos, 400 entrevistas, com sete provas cada um, três croquis, estudos sobre o corpo etc. Dá, em números redondos, 2.800 provas e 1.200 croquis. Das duas uma: ou dona Lu transferiu a sede do Fundo Estadual de Solidariedade para a “maison” de Figueiredo, ou abrigou o estilista e sua equipe no Parque da Água Branca, sede do órgão que presidiu por cinco anos.

Mas não vamos complicar. É tudo mais simples, na base do amor, como diz a obra de Chalita. Com isso e mais solidariedade, dona Lu ganhou toda aquela rouparia de graça. Detalhe: cada modelito by Rogério Figueiredo sai entre R$ 3 mil e R$ 5 mil, os mais frugais. Pessoa simples, dona Lu, certamente, optou pelos despojados.

Voltemos à calculadora. Preço pela media, R$ 4 mil vezes 400. Dá redondos R$ 1,6 milhão. De graça e sem mais nada. E depois de tudo, quando as más línguas começaram a falar em improbidade administrativa e coisas afins, dona Lu deu mais lições de solidariedade. São seis, não nos esqueçamos. Sabedora das nossas mazelas sociais, a ex-primeira-dama resolveu ofertar tudo a entidades assistenciais. É certo que a assessoria de dona Lu se enrolou um pouco para dizer quem teriam sido os felizardos a receber tais prebendas. Falou-se inicialmente na entidade Fraternidade Irmã Clara. Com a negativa da instituição, comentou-se em seguida que os paninhos teriam ido para as favelas da Barragem, do Bororé e Ayrton Senna, além de entidades beneficentes em Santa Fé do Sul. Está criado o bolsa-fashion e o jeca-zero, para dotar cada brasileiro de um traje apropriado para noites elegantes. Tudo coisinha básica.

Não amassa e não perde o vinco

Modelo básico, aliás, é o que dona Lu mais tem. Básica como o programa de governo que a assessoria tucana vem elaborando para seu marido. A coisa é assim. Fernando Henrique fez o molde inicial, alinhavado por Pedro Malan, seu personal stylist. Lula colocou uns parangolés e paloccis, usou tesoura aqui, apertou ali e foi em frente. Agora o Geraldo quer ajustar ainda mais. Arrocho fashion, tudo em tecido que não amassa, para ser utilizado por sucessivas administrações, como vários dos vestidos de Rogério Figueiredo, feitos em crepe vogue francês. Nos panos é assim, nos planos também. Usa-se o crepe vogue neoliberal. Básico.

Sem crepe vogue

Agora o Ministério Público de São Paulo e a Assembléia Legislativa querem investigar as doações de Rogério Figueiredo. Há a suspeita de improbidade administrativa. O deputado Romeu Tuma Jr. (PMDB) é autor de um requerimento, no qual pergunta: “Convém ao governador, assim como à sua esposa, receber presentes caros? Essa prática combina com a liturgia do cargo?” E em seguida completa: “Talvez o governador e sua esposa não estejam percebendo que empresários não costumam dar nada de graça”.

Inveja, pura inveja, de dona Imelda, digo, de dona Lu. Quem já viu o deputado Tuma Jr. percebe logo que ele não tem o menor gosto para se vestir. Anda sempre com ternos mal ajambrados e meio amarfanhados. Certamente não usa crepe vogue francês. Ah, não usa, mesmo.

Fonte: Agência Carta Maior.