CPI dos Bingos é abusiva e relatório por ser anulado

A CPI dos Bingos perdeu o objetivo inicial de suas investigações, comprometendo sua eficácia e sua base jurídica, podendo até mesmo acarretar na anulação de seu relatório final. Esta é a conclusão de

Indagados se a CPI dos Bingos não está saindo de seu núcleo de apuração, e se tal fato não violaria artigos constitucionais, todos responderam enfaticamente que sim, e citam, em voz unânime, o parágrafo 3º do artigo 58 da Constituição Federal, no trecho que diz: "As Comissões Parlamentares de Inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais (…) serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal (…) para a apuração de fato determinado e por prazo certo…".

Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), lembra que a ação das CPIs é claramente limitada pela Constituição. "Nenhum poder de investigação é absoluto nem imperial, e sim republicano e limitado pela ordem constitucional e legal".

De acordo com o constitucionalista Roberto B. Dias da Silva, também professor da PUC, esse dispositivo é importante para coibir possíveis abusos do órgão investigativo, já que a CPI se trata de um órgão de caráter político.

Para o jurista Dalmo Dallari, o desvirtuamento da CPI para objetivos políticos é tão grave que tanto a CPI dos Bingos quanto até mesmo a dos Correios, que já concluiu seus trabalhos, poderiam ser anuladas, pois sua constitucionalidade é colocada em cheque.

Os três advogados consideram que a CPI dos Bingos já passou, e muito, de suas funções iniciais e, por muitas vezes, suas ações são abusivas e com princípios eleitoreiros. "Ela extravasou muito seu foco de investigação e suas convocações são inconsistentes. Por exemplo: (o advogado) Roberto Teixeira não tem nada a ver com a questão dos bingos. Ele foi chamado porque é amigo do (presidente) Lula. Também não ficou clara a razão para ele depôr nem em qual condição ele deveria comparecer (testemunha ou acusado). E ele não teve tempo para preparar a defesa. Isso remete a uma questão maior: a CPI não pode convocar ninguém fora do tempo, sem constar motivo. Isso é uma evidente aberração", diz Serrano.

Dallari vai além, chama as investigações parlamentares de devassa, e considera que elas se tornaram uma tentativa de controle do Poder Legislativo sobre o Executivo. Ele não perdoa nem mesmo a CPI dos Correios, e considera que ambas oferecem relatório final inconstitucional, com base jurídica para possível anulação. "Não estão aplicando a lei com bom senso e inteligência. E eles não estão sendo usados na medida em que se convoca quando alguém (Teixeira) de um dia para o outro", diz Dallari, que compara as intempestividades da CPI dos Bingos com o Tribunal da Inquisição.

Para Dias da Silva, os interesses eleitorais já contaminaram a CPI dos Bingos de forma irremediável. "Já é o fim do mundo. A questão eleitoral e política já estão presentes nas investigações. Dos bingos, ela se expandiu de tal forma que agora se investiga a morte dos prefeitos de Santo André (Celso Daniel) e Campinas (Toninho do PT), o sigilo do caseiro (Francenildo dos Santos), entre outros. Extrapolou suas funções, e as investigações estão de mãos atadas. Teria de haver certo bom senso, o que não é fácil em ano de eleição."

Dias da Silva considera que a CPI dos Correios, apesar de alguns desvios de foco, conseguiu manter-se nos trilhos. "Nesse caso, começou-se com o vídeo de Marinho recebendo propina. Uma série de outros acontecimentos levaram à descoberta do mensalão. Foram fatos conexos, relacionados entre si. Se não investigássemos fatos correlatos, a CPI que derrubou Fernando Collor não teria chegado onde chegou".

Dias cita a CPI que determinou o impeachment do ex-presidente Fernando Collor como um exemplo a ser seguido para investigar corretamente os fatos diferentes, mas correlatos entre si. "Nada impede que haja um aditamento (acréscimo de informação a um documento com a finalidade complementação) para ampliar e estender prazos ou objetivos da comissão, desde que sejam fatos imediatamente conexos", afirma.

Dallari e Serrano acreditam que o excesso de temas abordados pela CPI resulta no comprometimento de seu resultado. “Ela se torna naturalmente ineficaz. Qualquer investigador vai dizer que quanto mais se aumenta o foco de investigação, mais difícil fica para apurar”, diz Serrano.

"Seu resultado ficará vago. Com esse emaranhado de fatos, ela se perde", afirma Dallari, que cita como exemplo outra CPI, a dos Correios. "Os Correios foram os grandes ausentes do relatório final. Falou-se de tudo, menos sobre eles".

Segundo o jurista, "a CPI mostra um despreparo evidente para a realização de investigações. O Ministério Público tem mais experiência e aparato para conduzi-las". A única restrição para o MP, de acordo com Dallari, seria investigar questões diretamente políticas. "Mas ele tem liberdade para investigar todo tipo de crime ou lesão aos cofres públicos."

A interferência do Supremo

Os advogados entrevistados também não consideram que os habeas corpus concedidos pelo Supremo Tribunal Federal sejam um empecilho aos trabalhos das parlamentares. Pelo contrário, desempenham um papel importante quando os deputados tentam passar dos limites. "Se eles [os integrantes das CPIs] continuarem com esse abuso de convocações fora de foco e sem propósito, o Judiciário tem que intervir. Equanto isso ocorre, não se trata de intervenção de um poder sobre o outro, como eles (os congressistas) ficam reclamando".

Para Dallari, os habeas corpus concedidos pelo Supremo, como por exemplo, nos depoimentos de Marcos Valério e Paulo Okamotto, foram acertados. “Não se trata de quebra na separação dos poderes. O STF é obrigado a agir desta forma para garantia de direitos constitucionais”, afirma o jurista, ao lembrar que o tribunal tem como função precípua a guarda da Constituição.

A semana
A CPI foi tema constante e conturbado na última semana. Na segunda-feira (17/4), o advogado e amigo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Roberto Teixeira comunicou que não iria depôr no dia seguinte à CPI dos Bingos. Para justificar sua ausência, ele alegou motivos de saúde e entrega tardia da intimação pela Polícia Federal (que ocorreu no mesmo, véspera da convocação), o que não daria tempo para preprar sua defesa. Seu advogado, Cristiano Zanin também ponderou que, no ofício de convocação, não ficava claro se Teixeira deporia como testemunha ou acusado.

Teixeira foi acusado pelo ex-secretário de Finanças de Campinas e São José dos Campos, Paulo de Tarso Venceslau, de ter comandado na década de 1990 um esquema de arrecadação irregular de dinheiro junto a prefeituras petistas em cidades do Estado de São Paulo. Os recursos teriam sido utilizados em campanhas eleitorais.

Em recente depoimento à CPI dos Bingos, Venceslau acusou Roberto Teixeira de ter usado a Consultoria para Empresas e Municípios S/C (CPEM) para desviar dinheiro e montar o caixa dois do PT. De acordo com o ex-secretário, Teixeira agia com outro amigo do presidente Lula, Paulo Okamotto, atual presidente do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas). Tanto Okamotto quanto Teixeira _ padrinho do filho caçula de Lula, Luiz Cláudio _ negam as acusações.

No dia seguinte (18/4), ocorreu a ameaça do presidente da CPI dos Bingos, Efraim de Moraes, de que poderia convocar o advogado através da PF. Na quarta-feira (19/4), o STF negou liminar no mandado de segurança impetrado pelo advogado Roberto Teixeira para não ter que prestar depoimento à CPI dos Bingos, mas em outra ação, de habeas corpus, concedeu-lhe o direito de permanecer em silêncio, mesmo em relação a assuntos sobre os quais não haja dever legal de sigilo profissional, sem que por este motivo específico, seja preso ou ameaçado de prisão. A liminar garantiu ainda ao advogado o direito de não assinar termo de compromisso na qualidade de testemunha.

No mesmo dia, o senador Almeida Lima (PMDB-SE) apresentou requerimento de criação de uma nova CPI. Se aprovada, ela terá 180 dias para apurar, “entre outros fatos”, a quebra ilegal do sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos Costa e os pagamentos de dívidas do presidente Lula pelo presidente Sebrae, Paulo Okamotto. No total, são cinco fatos diferentes que se encontraram no requerimento, e 34 senadores, sete a mais do que o número mí nimo necessário, assinaram requerimento a favor de sua aprovação. Almeida Lima justificou seu pedido de investigação simultânea de tantos fatos por considerá-los conexos, além de permitir economia processual. “Ruim seria transformar cinco fatos conexos em fatos autônomos para a instauração de cinco CPIs”, disse.

E, na quinta-feira (20/4), Teixeira finalmente prestou seu depoimento. Ele negou qualquer participação no suposto esquema de arrecadação ilícita de dinheiro em prefeituras do interior de São Paulo para o PT. "Jamais participei de qualquer esquema de arrecadação de recursos para o PT", afirmou Teixeira. O advogado disse que a denúncia é uma invenção de Paulo de Tarso. Após o depoimento, Efraim revelou que a CPI terá acesso a relação de ganhadores da Mega Sena em concursos que pagaram prêmios superiores a R$ 5 milhões, a partir de 1997. A medida tem por objetivo a identificação de possíveis práticas de lavagem de dinheiro por meio de jogos lotéricos.

Fonte: Última Instância