Maciça presença de entidades marca início do Fórum Social Brasileiro

A Marcha de Abertura reuniu lideranças, representantes de organizações não-governamentais (ONGs), partidos políticos e, em especial, movimentos populares. A maciça presença de entidades e ativistas surpreendeu os

Eram 20 mil, nos cálculos de membros do Comitê Organizador. Esse contingente — empunhando bandeiras e cantando palavras-de-ordem — deu início, nesta quinta-feira (17), em Recife, ao 2º Fórum Social Brasileiro (FSB). A Marcha de Abertura reuniu lideranças, representantes de organizações não-governamentais (ONGs), partidos políticos e, em especial, movimentos populares.

A maciça presença de entidades e ativistas surpreendeu os organizadores do Fórum. Nos últimos dias, havia circulado rumores de que a marcha seria fria, sem muita mobilização. Contrariando as expectativas, os participantes começaram a chegar em peso à Praça do Derby às 14 horas. Algumas entidades estudantis e a Unegro (União Nacional dos Negros) já estavam em Recife, com atividades programadas para os dias anteriores ao FSB. Delegações de todos os estados do Brasil e do exterior desembarcaram na capital pernambucana entre 19 e 20 de abril.

Sob um sol de mais de 35°C, ao som de batuques e com danças e apresentações musicais, a Praça do Derby ficou repleta de pessoas. Foi aí, na concentração da marcha, que ocorreram os primeiros discursos do Fórum, a partir de um caminhão-de-som. "Há um clima agradável em Recife", enalteceu Thiago Franco, presidente da UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas). "Sinto que estamos todos animados a construir, a partir de hoje, um Fórum de muito alcance e muito compromisso com as causas sociais". Wander Geraldo, que preside a Conam (Confederação Nacional das Associações de Moradores), destacou a participação das entidades populares. "É um momento de desafio para as massas, e nós estamos aqui, prontos para participar de mais um encontro vitorioso do povo brasileiro", afirmou.

Um apitaço, promovido por entidades feministas, não cessou até o início da passeata. Às 17 horas, os milhares de participantes partiram da Avenida Conde da Boa Vista, em direção à Praça do Carmo. À frente da marcha, carregando a faixa simbólica de apresentação do Fórum, estavam cerca de 35 sem-terrinha — crianças de até 10 anos vinculadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST).  Em seguida, vinham representantes das demais entidades, como CSC (Corrente Sindical Classista) e UJS (União da Juventude Socialista), além dos partidos políticos de esquerda.

A tranqüilidade da Marcha de Abertura foi exaltada pela própria Polícia Militar. “Quem dera todas as manifestações fossem pacíficas assim”, declarou o subinspetor Romarico, que coordenou a segurança do ato. A organização do Fórum acatou todas as sugestões da PM, como concentrar a passeata em menos faixas das ruas, a fim de não prejudicar o trânsito. Durante a caminhada, o único incidente foi provocado por um grupo de adolescentes, que, alheios aos acordos firmados antes do Fórum, tentaram ultrapassar as sem-terinha na comissão de frente . Membros do Comitê Organizador, com o apoio da polícia, controlaram a situação em poucos minutos. Foi um problema leve, mas sentimos que a comunidade de Recife e a população de Pernambuco estão ao lado da Marcha. Sem contar as delegações aqui presentes, trazendo sua luta, sua história", contemporizou Salete Valesan Camba, do Instituto Paulo Freire.

Se as entidades sociais e os partidos políticos sobressaíram com faixas e bandeiras, as organizações não-governamentais, embora presentes e fortes no Comitê Organizador, estavam sub-representadas. Para Javier Alfaya, do PCdoB, o desfalque é tolerável: “As ONGs, em tese, são [formadas por] poucas pessoas que representam milhões. Elas têm respeito, mas não representatividade. Mobilizam pouco mesmo”.

João Batista Lemos, coordenador nacional da CSC, avaliou a Marcha de Abertura como "vitoriosa" e "expressiva". "O Fórum foi dirigido pela Coordenação dos Movimentos Sociais com a clara preocupação de barrar a direita e avançar nas mudanças. Nesse sentido, vimos uma marcha muito positiva, apesar do pouco tempo de organização". Batista também associou o início do Fórum ao apoio popular recebido por Lula. "As entidades sectárias e antipopulares não aparecem aqui porque não vêem clima para contestar um governo identificado com nossas reivindicações."

Por volta das 18 horas, a marcha chegou à Praça do Carmo, onde mais lideranças discursaram.  O tom foi de críticas a George W. Bush e à "face terrorista" do governo norte-americano. "Bush fracassou. Os três anos de resistência no Iraque comprovaram que os Estados Unidos não podem passear impunes pelo mundo", disse Socorro Gomes, presidente do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz). O papel da juventude no cenário de lutas foi citado por Gustavo Petta, presidente da UNE. "Assim como a juventude francesa, que foi às ruas e derrotou o Contrato do Primeiro Emprego, precisamos nos manifestar para impedir o retrocesso", declarou Petta.
 
O primeiro evento do Fórum teve de ser encerrado antes do previsto, por motivos de segurança. Houve confrontos entre a Polícia Militar e manifestantes do MST. Tudo começou quando um homem, vestindo a camisa do movimento, ameaçou roubar a bolsa de outra sem-terra. Flagrado por dois policiais e aparentemente embriagado, ele tentou fugir na direção do caminhão-de-som, mas foi pego e agredido com pontapés e golpes de cacetetes.

Revoltados com a truculência policial, membros do MST tomaram as dores do companheiro e partiram para a imobilização dos dois guardas. Um oficial, sem controle da situação, disparou seis tiros para o alto. Um deles acertou, de leve, a mão do sem-terra Jaime Amorim, que passa bem. Outros cinco membros do MST ficaram feridos — a maioria com perfurações e sangramentos na cabeça, decorrentes de pancadas com cacetete. Um policial ficou seriamente ferido. Em represália à violência , a CUT pretende divulgar, nesta sexta-feira, uma nota de repúdio, enquanto o MST diz que vai processar a Polícia Militar.

O Fórum prossegue até domingo (23) com centenas de atividades autogestionadas e oficinas culturais.

André Cintra,
enviado especial a Recife