Lula Miranda: “O massacre de Brasília”

Só não vê quem não quer: este “massacre de Brasília" é golpismo escancarado, sem-vergonha. É, inequivocamente, uma clara tentativa de impedir um governo de governar, de impedir um governante legitimamente eleito de co

por LULA MIRANDA*

Brasília é muitas vezes associada, e por muitos, a um eldorado de sonhos e desejos de poder. A mesma Brasília, orgulho candango, que na visão emocionada de JK, num de seus primeiros olhares sobre a nova capital, tinha uma espécie de halo com sua luz leitosa, incandescente, hoje é associada, pela metáfora fácil e caricatural, a um “mar de lama”. Entre o sublime e o sórdido, entre o poder capital e o poder do capital, a capital, e o país, vivem hoje clima tempestuoso.

Numa semana, a “bola da vez”, talvez seja mais correto dizer o “alvo da vez”, é o Zé Dirceu, na outra é o Gushiken; na semana seguinte é o filho do presidente, na outra seu irmão; na próxima semana é o “intocável” Palocci, na outra é o Márcio Thomaz Bastos; na outra… Quem será o próximo alvo? Qual será a próxima denúncia? Os chacais não saciam sua sede de sangue. Um a um, os “pilares” do governo “eles” pretendem derrubar. “Eles”, os golpistas de sempre, os egressos da UDN, da Arena, os “liberais do PSDB”, os oligarcas de hoje e de antanho, os eternos coronéis com suas práticas inconfessáveis. Até chegarem, de algum modo, não importando os tortuosos caminhos, ao presidente da República. Até derrubarem o governo. Será que é assim que se constrói uma democracia? Será que é assim que se constrói um país?

Não sei quanto a você, caro leitor, mas eu, confesso, estou pasmo, embasbacado, e, muito antes disso, indignado, com o aviltante massacre diário que o governo Lula está sofrendo na mídia (e quando falo mídia aqui, que fique claro, é preciso dar nome aos bois, estou falando principalmente dos jornais Folha de S.Paulo e “Estadão”, e da revista Veja, pois os demais veículos regionais são, quase sempre, meras caixas de ressonância destes grandes). E os expedientes são por demais conhecidos: semeiam-se intrigas, plantam-se denúncias, falseiam-se fatos, busca-se a “justiça” seletiva – aquela que só serve para uns.

O massacre é tamanho, a desfaçatez golpista é tal, que não sei como esse governo ainda não caiu, depois de tantos e seguidos golpes, sem trégua. Ou melhor, sei sim. Não caiu porque o governo vem tomando pouco a pouco medidas acertadas que visam mudar a cara do Estado brasileiro e, certamente, até mesmo em decorrência disso, tem ainda altos índices de aprovação entre a população e incomoda tanto os “donos do Brasil”. Portanto, eis o problema: como “plantar”/pautar um impeachment do presidente sem o devido respaldo popular, sem o tal “clamor das ruas”? Na base do gogó? Na base do golpe?

Mas aí os golpistas, os elitistas maledicentes retrucam: “o governo Lula só tem aprovação entre os ignorantes e iletrados” – entre os pobres, portanto. “Entre os que recebem o ‘bolsa-esmola’” – assim desdenham e finalizam sua argumentação, sem se importar que a “esmola” que esse governo dá é a mesma que eles negam, negaram, e negarão sempre. Tá certo que parte significativa da classe média já fez a cabeça bebendo nas pútridas fontes de desinformação e manipulação da Folha e da Veja. Tá certo também que uma análise mais acurada das atuais pesquisas desmentiria essa “análise”. Mas o “detalhe” a ser destacado (no sentido de extraído) nessa/dessa “análise” (assim com aspas mesmo, pois capciosa) é outro. É que os “pobres da República” só servem às elites quando estes votam (ou declaram voto) nos candidatos dessas mesmas elites. Os “pobres da República” só servem para servir. E só servem como faxineiros, engraxates, vigilantes, cozinheiros, balconistas, funcionários públicos etc. Os pobres não sabem votar. Os pobres precisam aprender de uma vez por todas o seu devido lugar.

Reside exatamente aí a explicação do “porquê” desse massacre por que passa esse governo. Não, não é por causa do tal “mensalão”, ou melhor, do esquema de caixa 2, que, na verdade, seria o nome correto do crime (eleitoral) cometido – pelo PT, e não pelo governo. Não é por causa dos “escândalos” e das “denúncias”, algumas delas assombrosamente inverossímeis, veiculadas no atacado na grande imprensa. Estão tentando impedir/interditar esse governo por ser este um governo de pobres – por assim dizer.

Esse é um governo que tem alguns defeitos, e talvez o maior deles foi o de ter a ousadia de conduzir a altos cargos da administração federal, inclusive em alguns Ministérios, ex-sindicalistas, operários, militantes dos movimentos sociais, pessoas das classes médias e baixas. Antes, diga-se, completamente alijadas, postas à margem, das grandes decisões que definem os rumos do país (não, não esqueci de Furlan, Rodrigues e Cia que, por sinal, fazem um excelente trabalho, mas tampouco me esqueci de Marina da Silva, Luís Marinho etc.). Não à toa, e isso é emblemático, revelador, esse é o governo de um ex-metalúrgico, ou, como diriam alguns membros da elite em seus convescotes de fim de tarde: o governo de um “encanador”. Definitivamente, os pobres não aprenderam ainda, de uma vez por todas, o seu devido lugar.

E, o que é ainda pior, para sua desgraça (desgraça dele, governo, claro), é um governo que está dando certo, apesar de seus defeitos e limitações, apesar de tudo e de todos. Apesar da incompetência de alguns dirigentes do PT, apesar de todos os (de)formadores de opinião em sua ira santa e hipócrita. Dando certo na economia e também, diga-se, na área social – vide redução significativa da dívida externa, recordes seguidos na Balança Comercial, redução do afamado risco-país, redução do desemprego e aumento dos empregos formais, recorde na venda de automóveis, recorde disso, recorde daquilo, aumento do universo de assistidos por algum tipo de programa de complementação de renda, recontratação de servidores públicos através de concursos públicos em substituição à famigerada prática da terceirização implementada nos oito anos do tucanato (ou alguém já se esqueceu?) etc.

Não que o governo, e principalmente o PT, não tenha seus equívocos e pecados – nada originais. Quem não os tem? Certamente o erro foi ter aceitado jogar o jogo baixo da política estabelecida, cujas regras e práticas, hipocrisia à parte, são “seculares”, o chamado “modus operandi” da política brasileira (caixa 2 e outras práticas nada republicanas). Mas isso que se vê hoje em dia na mídia e, como conseqüência, na ordem do dia, e que chamo aqui de “o massacre de Brasília”, não se engane, não tem nada a ver com ética ou com moralidade na política e na administração pública, é golpismo escancarado, sem-vergonha, na cara dura mesmo. É, inequivocamente, uma clara tentativa de impedir um governo de governar, de impedir um governante legitimamente eleito de concluir seu mandato. É a negação da democracia. E democracia também passa pela acessibilidade universal da renda e da riqueza – e do poder.

*Lula Miranda é poeta e cronista.

Fonte: http://www.informante.net/