Newton Carlos fala da força de Ollanta Humala

A força de Humala, em seu impulso inicial, foi não ter antecedentes em disputas políticas e o que é chamado de fenômeno se explica por aí. Os peruanos há muito vivem sedentos de mudanças que não se encaixam nos cen

por Newton Carlos

Ollanta Humala, um ex-militar que decidiu disputar as eleições presidenciais no Peru na época com uma única credencial, a de ter comandado um golpe fracassado contra o ex-presidente Fujimori, não é um fenômeno em si. Não é produto do nada como ganhador do primeiro turno. Seus mais duros adversários, a conservadora Lourdes Flores e o “aprista”, do velho partido Apra, Alan Garcia, que se diz de centro-esquerda, têm histórias passadas. Garcia já foi presidente, com saldo desastroso, envolvendo inclusive suspeitas de corrupção, e Flores entrou na arena pela segunda vez.

A força de Humala, em seu impulso inicial, foi não ter antecedentes em disputas políticas e o que é chamado de fenômeno se explica por aí. Os peruanos há muito vivem sedentos de mudanças que não se encaixam nos cenários tradicionais. Humala foi encarado como provável portador, jogando inclusive com crenças inabaláveis. Sobreviveu a acusações duras e ao comportamento caótico de familiares ligados a um estranho movimento batizado de etnocacerismo. Um “nacionalismo indigenista” com fortes pitadas de racismo e erupções de violência, mal explicado inclusive por seus seguidores.

Como militar, Humala comandou uma unidade de tropas especiais empenhadas em caçar o Sendero Luminoso. O caso foi examinado por uma comissão de direitos humanos, estabeleceram-se culpas, Humala acabou ele próprio admitindo e se justificou dizendo que defendia seu país. Pesquisa feita pelo programa de desenvolvimento da ONU fornece os elementos que ajudam a explicar a fortaleza do fenômeno Humala. Noventa por cento dos entrevistados disseram que a democracia não funciona por causa dos políticos e Humala era o estranho no ninho com um discurso direto, sem as maneirices de veteranos dos palanques.

Tem um perfil autoritário e mais de 70 por cento aceitam a idéia terrível de que o autoritarismo pode fazer o que os políticos não fizeram. O Peru tem uma economia com fundamentos saneados. Inflação mínima, bom crescimento etc. Mas são extremamente pobres 50 por cento da população, em sua maioria indígenas com vocação etnocacerista, de hostilidade aos “criollos”, os brancos herdeiros da Coroa espanhola. Humala calibrou seu discurso em relação a esses sentimentos, prometendo que lutará contra “a ditadura anti-pobres dos economicamente poderosos”.

Conclusão, o fenômeno Humala é produto de uma tragédia, a da democracia em descrédito, o que pode tornar-se bumerangue. Se eleito, terá de fazer o que os políticos não fizeram e ele prometeu que fará, sob pena de cair em desgraças iguais. Como adverte a nova presidenta do Chile, uma socialista, não basta chegar ao poder. É também preciso usá-lo como instrumento de inclusão social e de fortalecimento da democracia, que é – ou deve ser – o sistema político de promoção das maiorias.

*Newton Carlos é jornalista especializado em política internacional.

Fonte: Correio da Cidadania