Carajás, 10 anos: sessão na Câmara dos Deputados lembra massacre

Nesta segunda-feira (17), a Câmara dos Deputados reuniu representantes de diversas entidades de agricultores e camponeses para celebrar, em sessão solene, o Dia Internacional da Luta Camponesa. A data coincide com os 10 anos do massacre

Apesar de condenados, os dois policiais que comandaram a operação, coronel Mário Pantoja e o major José Maria de Oliveira, continuam soltos à espera da avaliação de seus recursos.

O deputado Adão Pretto (PT-RS), que solicitou a sessão solene, rememorou o caso, com detalhes, enfatizando a ação policial contra os agricultores e, após, os assassinatos, para encobrir a responsabilidade. E denunciou a impunidade nesse e em vários outros crimes contra trabalhadores rurais, principalmente no estado do Pará.

Poder do povo

"A nossa República é composta por três poderes, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Acrescentaria um quarto poder, o poder do povo, que é o mais forte e um dia fará justiça neste País. O Poder Judiciário tem falhado muito. No crime de Eldorado dos Carajás, dos 18 juizes daquela comarca, 17 deles disseram que não queriam presidir o júri, porque eram simpatizantes, amigos dos policiais e não gostavam do MST", afirmou.

Marina dos Santos declarou, em seu discurso, que "Nós, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, juntamente com os movimentos da Via Campesina, continuaremos, a exemplo do companheiro Osiel Alves, que, aos 17 anos, foi assassinado no Massacre do Eldorado dos Carajás, lutando pela terra e pela reforma agrária, para que a agricultura no Brasil possa ser garantida, privilegiada, produzindo comida para o povo brasileiro e preservando o meio ambiente".

A sessão reuniu ainda Norberto Chemin, representante do Movimento dos Pequenos Agricultores; Rosângela Piovesani, representante do Movimento Nacional das Mulheres Camponesas; Agostino Veit, representante da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e Antônio Marangon, representando o Ministério da Educação.

A sessão foi aberta com todos de pé em um minuto de silêncio em homenagem aos agricultores mortos. Após a execução do Hino Nacional, foi exibido o vídeo sobre o episódio. Houve ainda apresentação da música "Procissão dos Retirantes", de autoria dos cantadores gaúchos Pedro Munhoz e Martin Cezar, que narra o massacre de Eldorado dos Carajás.

Responsáveis pelos crimes

Marina dos Santos lamentou que o motivo do encontro não fosse bom "mas é necessário e importante nós nos reunirmos para lembrar os responsáveis pelo massacre; lembrar os responsáveis por todos os assassinatos e mortes que aconteceram e acontecem de trabalhadores e trabalhadoras no campo do Brasil; lembrar que os responsáveis por esse tipo de massacre no Brasil são o modelo econômico neoliberal em vigor neste País, e lembrar, finalmente, que 1% dos proprietários concentra 46% das terras produtivas neste País", destacou.

E acrescentou que: "Esses são, hoje, os principais responsáveis pelas mortes, pela fome, pela miséria e pela exploração no meio rural do Brasil. Este modelo na agricultura, baseado na produção para exportação, na concentração da terra, no trabalho escravo e na depredação do meio ambiente", disse, encerrando suas palavras com agradecimentos aos parlamentares pela oportunidade de usar a tribuna para denunciar a impunidade.

"As leis e a justiça que existem neste País são para proteger os ricos. A impunidade tem sido uma marca registrada dos crimes contra os trabalhadores e trabalhadoras do campo. Protegido pela trincheira da impunidade, o latifúndio continua a exercer livremente a violência", concluiu.

História de impunidade

O discurso do deputado Adão Pretto foi centrado na impunidade do caso. Ele contou que o juiz que presidiu o primeiro julgamento absolveu todos os acusados. No outro julgamento, os policiais que participaram ficaram impunes, continuam prestando serviço normalmente. Dois foram condenados: o Coronel Mário Pantoja, a 220 anos de prisão; e o Capitão Raimundo Lameira, a 158 anos, mas continuam gozando plenamente da sua liberdade.

O parlamentar petista destacou a importância da lei aprovada na Casa que determina que os crimes que atingem os direitos humanos sejam julgados em Brasília, "porque aqueles julgados nos Estados têm sofrido falhas", afirmou.

"Um País aonde tem gente passando fome, um País que tem latifúndio provocando a sociedade brasileira, as pessoas que querem trabalhar, produzir são tratadas desta maneira", disse Adão Pretto, enfatizando que "isto tudo aconteceu, é bom lembrar, no governo do PSDB, na época do presidente Fernando Henrique Cardoso e o governo do Pará, Almir Gabriel, também do PSDB".

Ele lembrou também que "o Movimento dos Sem-Terra já recebeu várias vezes prêmios de honraria no exterior. O Rei da Bélgica entregou de suas mãos um prêmio para a direção do MST, por serem defensores da vida, defensores da paz, defensores da cidadania, enquanto no Brasil são tratados dessa maneira".

História de luta

Nos discursos, no vídeo, na música e na memória dos que sobreviveram está viva a história da fazenda Macaxeira, que, em 1996, era uma área de 42.558 hectares e se localizava entre os municípios de Eldorado do Carajás e Curionópolis. Em um acordo estabelecido entre os trabalhadores sem terra e o INCRA, foi feita a promessa de realização de uma vistoria para verificar se a propriedade era produtiva ou não, desde que os trabalhadores sem terra não ocupassem a fazenda. O acordo foi cumprido, mas para surpresa de todos a área foi considerada produtiva.

No dia 10 de março de 1996, as 1.500 famílias de trabalhadores sem terra decidiram ocupar a fazenda Macaxeira e fazer uma marcha até Belém para reivindicar a desapropriação da fazenda e o assentamento das famílias.

No dia 16 de março, cansados e com fome, os sem terra decidiram bloquear a estrada no sentido de negociar com o governo do Estado alimentação e transporte para chegar até Belém. O governo disse, por meio da polícia militar, que garantiria o atendimento das reivindicações desde que se desbloqueasse a rodovia. No dia seguinte, os trabalhadores receberam um aviso que o governo não cumpriria sua parte do acordo, e voltaram a trancar a estrada.

Na parte da tarde, chegaram ao acampamento 150 policiais militares comandados pelo Major Oliveira e pelo Coronel Pantoja armados de fuzis, escopetas, metralhadoras e revolveres e bombas de gás lacrimogêneo, avançaram sobre os trabalhadores disparando tiros e lançando bombas de efeito moral.

Tortura e morte

O primeiro trabalhador morto a tiros foi o surdo-mudo Amâncio dos Santos da Silva que sem entender o que estava acontecendo, indefeso, foi brutalmente assassinado. Ao verem seu companheiro tombar, os outros trabalhadores correram em direção ao pelotão e foram recebidos com rajadas de metralhadora e disparo de fuzis.

Eles correram, tentando fugir, mas a polícia correu atrás deles e pegou um a um daqueles que pensava que fossem as lideranças. Foram torturados e depois assassinados com tiros à queima-roupa. Alguns foram mortos com as ferramentas dos próprios agricultores, como facões e foices.

O saldo final foi de 19 mortos e 69 feridos, dentre os sobreviventes, três morreram em decorrência da falta de atendimento, muitos ficaram mutilados e incapacitados para a vida produtiva.

Apagando provas

O deputado Adão Pretto enumerou uma série de procedimentos dos policiais para apagar as provas do crime. "Houve sumiço de armas utilizadas no massacre, não foi realizada a acareação entre os policiais e os trabalhadores sobreviventes, e o mais grave, os corpos foram retirados do local pela polícia antes da chegada da perícia, impossibilitando assim a identificação das armas que atingiram os trabalhadores sem terra mortos".

Ele diz ainda que "vários fatos demonstram que os assassinos, além de premeditarem a ação, utilizaram vários procedimentos ilegais. Entre eles, os policiais ao retirarem as armas do quartel antes da ação não se identificaram, e a coleta de pólvora das mãos dos envolvidos não foi realizada com a clara intenção de dificultar a ação da justiça".

"A tese da acusação era de homicídio qualificado, ou seja, as tropas foram enviadas ao local para matar, inclusive selecionando lideranças do MST para tal, pois das 19 pessoas assassinadas, 13 eram lideranças do movimento sem terra", afirmou o parlamentar.

De Brasília

Márcia Xavier