Avançam as negociações das diversas nacionalidades da Espanha

Comunidades autônomas buscam maior independência e autogoverno, mas sem deixar de fazer parte do país

 

“Café para todos.” Com esta frase o então ministro espanhol das Regiões pedia, em 1977, que a Andaluzia tivesse o mesmo grau de autonomia que as chamadas “nacionalidades históricas” — País Basco, Catalunha e Galícia —, reconhecidas como tal pela Constituição promulgada um ano mais tarde. Três décadas depois da morte do ditador Francisco Franco, quando começou o processo de transição democrática, os nacionalismos continuam marcando a pauta política do país. Mas, agora, com passos que demonstram uma maior abertura para as negociações. Os Estatutos, que regulam a concessão de competências de algumas comunidades autônomas que se autodefinem como “uma nação dentro de uma nação”, estão sendo revistos. E o radicalismo político do grupo separatista basco ETA parece que chega ao começo do seu fim.

— Um dos problemas históricos da Espanha é a acomodação de várias nações ou nacionalidades em um mesmo Estado. Devemos partir da idéia de que a Espanha é um Estado plurinacional, onde convivem diferentes culturas e nações, cujo desejo das pessoas é seguir formando parte do Estado mas tendo seu autogoverno e podendo tomar decisões sobre assuntos que lhes concernem — resume o alemão Ludger Mees, vice-reitor da Universidade do País Basco e catedrático de História Contemporânea, que vive na Espanha há mais de 20 anos.


Zapatero: primeiro a paz, depois a política

O ETA, expressão nacionalista mais radical na Espanha, resolveu deixar as armas de lado e mostrar-se aberto às conversações. Em março, depois de 38 anos e 817 assassinatos, o ETA decretou um “cessar-fogo permanente”, mas não incondicional: pede “diálogo, negociação e acordo” para alcançar a autodeterminação do Euskal Herria — cuja tradução do euskera, idioma basco, é “povo basco” e compreende País Basco (Guipúzcoa, Biscaia, Álava); Navarra; além de três províncias em território francês (Basse Navarre, Labourd e Soule).

O presidente do governo espanhol, o socialista José Luis Rodríguez Zapatero, estabeleceu um prazo até junho para certificar-se de que a trégua significa realmente o fim da violência. Passado este período, Zapatero comparecerá ao Congresso para pedir autorização para iniciar um diálogo com o ETA. Embora tenha tido, esta semana, sua primeira reunião pós-trégua com o presidente basco, o nacionalista moderado Juan José Ibarretxe, Zapatero deixou claro que só conversará sobre política basca quando chegar o verão: “Agora é o momento da paz, mais adiante virá a política.”
— Dentro dos nacionalismos existem setores bem variados. No basco, por exemplo, existe o totalitarismo e a violência do ETA, mas também existe outro nacionalismo, de longa trajetória histórica e democrática. Os nacionalismos não têm porque serem, necessariamente, desagregadores — explica Ludger Mees. — Não reconhecer as diferenças culturais e históricas e não querer negociar é que seria uma atitude desagregadora.

Enquanto junho não chega, algumas manifestações nacionalistas tentam apressar as ansiadas negociações. No dia 1 de abril, cerca de 80 mil pessoas tomaram as ruas de Bilbao, capital de Biscaia, numa passeata reivindicando a autodeterminação e a anistia aos 544 integrantes do ETA em presídios espanhóis. Por outro lado, a Justiça proibiu que o partido nacionalista radical Batasuna celebrasse uma homenagem, no dia 9, a três membros de sua direção que estão presos. Durante o ato, que deveria realizar-se na capital guipuzcoana, San Sebastián, o Batasuna deveria apresentar seu novo diretório nacional. O partido foi tornado ilegal por ser considerado braço político do ETA e espera, com o cessar-fogo, poder voltar à legalidade e participar das próximas eleições sem mudar seu nome.

ETA à parte, os nacionalismos não-violentos vão conseguindo mais reconhecimento através da reforma de seus Estatutos. A primeira comunidade autônoma a ter as leis orgânicas revistas foi a valenciana. O novo Estatuto — aprovado pelo Congresso e que deverá ser votado pelo Senado no próximo dia 25 de abril — cria o sistema tributário valenciano; dá à região a possibilidade de dissolver suas próprias cortes (como já acontece em Catalunha, País Basco, Galícia e Andaluzia); e cria oficialmente a “nacionalidade histórica”.


Processo de revisão pelos próximos anos

Embora a aprovação tenha sido consensual, o novo Estatuto valenciano não ficou isento de polêmicas. A cláusula Camps (sobrenome do presidente valenciano, Francisco Camps) estabelece a obrigação de atualizar o Estatuto perante qualquer ampliação de competências de outra comunidade autônoma.

— As novas situações geram discussões e reformas. Isso está acontecendo agora e durante alguns anos estaremos assistindo a esse processo de revisão. Mas o que está em questão é: somos capazes de admitir que na Espanha há realidades, trajetórias históricas, situações culturais e políticas diferentes e, portanto, o que vale para Barcelona não tem que ser válido necessariamente para Valência? — pergunta Ludger Mees.

A Catalunha, que teve seu projeto de revisão estatutária anterior rechaçado pelas cortes em 2005, foi a segunda comunidade a ter, no dia 30 de março, seu novo, e menos polêmico, Estatuto aprovado pelo Congresso. Diferentemente do caso valenciano, não houve consenso. Os dois partidos que representam posturas políticas extremas — o conservador Partido Popular e o nacionalista Esquerra Republicana de Catalunya (ERC), republicano e de esquerda — votaram contra. De acordo com o novo Estatuto, a Catalunha continua sendo considerada “nacionalidade” e não “nação”.

— O novo Estatuto está insuficiente em dois pontos. Primeiro: o reconhecimento, que deveria ser mais explícito, da identidade catalã, de sua definição como nação. Não é um problema de terminologia, e sim relacionado com uma certa soberania financeira. Às vezes, as pessoas reagem como se nós, catalães, estivéssemos falando de algo abstrato, mas não é. O segundo ponto é o financiamento, pois pedíamos um maior autogoverno sobre os recursos fiscais gerados na Catalunha — defende Antoni Segura, catedrático de História Contemporânea da Universidade de Barcelona.

Fonte: O Globo