Relembrando os fatos: tucanos levaram varig à falência

Para ajudar a entender a atual crise por que passa a companhia aérea Varig, o Vermelho reproduz matéria publicada pela revista Isto É Dinheiro em maio de 2005. Na ocasião, a revista denunciava como o Conselho de Administra&ccedil

Para ajudar a entender a atual crise por que passa a companhia aérea Varig, o Vermelho reproduz matéria publicada pela revista Isto É Dinheiro em maio de 2005. Na ocasião, a revista denunciava como o Conselho de Administração da Varig foi transformado num ninho de tucanos a partir da iniciativa de David Zylbersztajn, ex-genro de FHC.

Confira abaixo a íntegra da reportagem, publicada na edição de 18 de maio de 2005.

Tucanos na Varig

Conheça os bastidores da negociação que colocou o PSDB no comando da empresa e a lançou em rota de colisão com o governo federal

Por Hugo Studart e Darcio Oliveira

O nível de tensão entre o comando da Varig e o governo federal chegou ao limite na segunda-feira 2. No gabinete do Ministério da Defesa, o presidente da companhia aérea, Luiz Martins, tentava explicar ao vice-presidente da República, José Alencar, por que havia deixado de pagar as taxas aeroportuárias da Infraero. Segundo Martins, o dinheiro serviu para quitar a última parcela do salário de março dos funcionários. Alencar disse que entendia as preocupações com a folha de pagamento, mas que a Varig deveria dar um jeito de honrar seus compromissos com as estatais, não só a Infraero, mas também a BR Distribuidora, que fornece o combustível dos aviões. Martins resolveu ironizar: "Eu ainda não sei quem vai parar a Varig primeiro, se a Infraero ou a Petrobras". Quem conhece de perto Alencar, garante que jamais o viu tão furioso. Ele se levantou da cadeira, apontou para Martins e disse: "Não venha imputar ao governo a culpa pela situação da Varig. Nós estamos buscando soluções para a companhia. O problema de vocês é de má gestão". E prosseguiu: "Quem, afinal, é o responsável por tomar decisões?". Martins respondeu que era o Conselho de Curadores. "Me dá o telefone do Zanata!", ordenou Alencar. "Liga imediatamente para o Zanata". Ernesto Zanata é o atual presidente do Conselho de Curadores da Fundação Ruben Berta, dona de 87% das ações da Varig. Ao telefone, o vice-presidente foi definitivo. "A solução tem que sair esta semana. Vocês têm até a sexta-feira!". Alencar bateu o telefone. Queria algum plano de salvação concreto. Do contrário, avisou a Martins antes de despachá-lo, abandonaria a Varig à própria sorte.

Zanata levou o ultimato de Alencar a sério. Destituiu o Conselho de Administração da Varig e convocou eleições para escolher os novos membros do board. Na sexta-feira 6, o consultor David Zylbersztajn, ex-genro de Fernando Henrique Cardoso, que presidiu a Agência Nacional do Petróleo, emergiu como o novo presidente do Conselho de Administração da Varig. Dias antes, numa conversa com Zanata, o mesmo Zylbersztajn havia dito que a Varig já estava morta. Mas depois aceitou o desafio de tentar recuperá-la. "Preciso apenas de um tempo, estou pedindo menos de seis meses", afirmou o presidente do conselho. A primeira providência de Zylbersztajn foi se cercar de profissionais que, de uma forma ou de outra, estavam ligados ao PSDB, rival político do PT. O primeiro a chegar foi Omar Carneiro da Cunha, ex-presidente da Shell e filiado ao partido. Depois vieram Eleazar de Carvalho, ex-presidente do BNDES na gestão FHC; Marcos Azambuja, que foi embaixador do Brasil na França no governo FHC, e o brigadeiro Sérgio Ferolla, ex-ministro do Superior Tribunal Militar. Para a vaga de presidente executivo (Luiz Martins não fazia parte dos planos do novo conselho) foi escolhido Henrique Neves, ex-presidente da Brasil Telecom. É homem de confiança de Zylbersztajn. Pronto. A Fundação Ruben Berta acabava de colocar mais lenha na fogueira. Em vez de tentar acalmar os ânimos do governo, alimentava um ninho de tucanos dentro da Varig. "Se eles pensam que o PSDB já ganhou a eleição, estão enganados. O presidente Lula será reeleito", afirmou um negociador do governo que acompanhou de perto as últimas reuniões em Brasília. "Politicamente, é um desastre para a Varig", disse Graziella Baggio, presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas e amiga pessoal de Lula. Alencar também deu seu recado, ameaçando delegar o caso Varig ao Departamento de Aviação Civil. Em outras palavras, poderá lavar as mãos e deixar os tucanos se entenderem com o segundo escalão do governo.

Na tarde de terça-feira 10, Ernesto Zanata, David Zylbersztajn e os demais membros do conselho foram a Brasília conversar com José Alencar. Esperava-se um clima tenso no encontro. Não foi o que ocorreu. O vice-presidente ouviu atentamente o plano de vôo dos tucanos, que incluía renegociação da dívida, demissões (estão previstas duas mil dispensas) e afastamento da Fundação do controle da companhia. "O Zylbersztajn tem carta branca para negociar a venda da Varig", contou Zanata.

Zylbersztajn, então, apresentou a Alencar oito propostas de compra da companhia. Eram elas: a do empresário Nelson Tanure; a da Ocean Air, de German Efromovich; da empresa aérea TAP; do grupo português Pestana; de um fundo de investimentos do Texas; de outro grupo português ligado a um fundo chamado Fonditec; da companhia aérea Avianca e até da associação dos funcionários da Varig. "Mas cinco dessas propostas são inconsistentes", explicou Zylbersztajn. Se depender do novo conselho, a Fundação fecha negócio com a estatal aérea portuguesa TAP. "É a mais forte, tem um governo por trás", justifica Zanata. Nesse jogo Varig/TAP há ainda um componente emocional que pode facilitar as negociações. A empresa portuguesa é comandada por Fernando Pinto, afastado da presidência da Varig em 2000. E ele nunca escondeu o sonho de retomar o manche da companhia, numa volta triunfal. Só tem um problema: a TAP exige o controle da Varig, mas pela lei só pode ficar com 20%. A saída seria se associar a um investidor nacional disposto a bancar os 31% restantes.

A proposta que mais avançou nas conversações é de um obscuro fundo de investimentos chamado dentro da Varig de "Grupo Português". Esse grupo é comandado por Pedro Lobo Alexandrino, português que mora no Panamá e diz representar uma tal Fonditec. Segundo ele, a empresa tem sede em Lisboa e seus acionistas são brasileiros, americanos e portugueses. A proposta do investidor: criar a Fonditec Brasil Participações e na seqüência comprar o controle da Varig. Alexandrino estaria disposto a colocar 200 milhões de euros na companhia brasileira e assumir dívidas de R$ 6 bilhões, numa operação que contaria com o respaldo do banco ING. O banco, no entanto, nega qualquer participação no negócio.

A oferta não é nova. O próprio Martins já tinha ouvido a história do português e achou que era uma piada de mau gosto. Segundo confidenciou a amigos, a idéia inicial do tal Alexandrino seria injetar US$ 1,2 bilhão e na seqüência sacar US$ 600 milhões de volta. "Isso me parece lavagem de dinheiro", disse Martins numa reunião de diretoria. "Eles não revelam sequer a origem dos recursos". Durante as negociações, os executivos da Varig teriam descoberto que o dinheiro viria da organização católica Opus Dei, que hoje domina um terço da economia do Chile. Na semana passada, Zylbersztajn enviou dois executivos para a Cidade do Panamá para tentar falar com o português. Também despachou equipes para Londres e Nova York a fim de garimpar investidores de verdade. "A grande questão para um novo investidor é a dívida da Varig com o tesouro. E justo agora a companhia elege um board que não se alinha ao governo", avalia um fornecedor da companhia brasileira. Embora a Varig tenha bons resultados operacionais, seu passivo é enorme: dívidas que chegam a R$ 9,5 bilhões (metade com o governo) e patrimônio líquido negativo de R$ 6,5 bilhões. Nesse céu de turbulências no qual a Varig entrou, há um vetor essencial a considerar,a vontade do presidente Lula, titular da caneta que pode prorrogar a vida da companhia ou desligar os aparelhos. Está nas mãos do presidente petista o destino da Varig tucana.
Fonte: Revista IstoÉ Dinheiro 18/05/2005