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Procurador-geral ''caiu na esparrela'' do discurso político, diz revista

Ao apresentar a denúncia contra 40 envolvidos no escândalo apelidado de "mensalão", Antônio Fernando de Souza, procurador-geral da República, acabou por cair na esparrela que ele dizia pretender evitar. A peça acusatóri

Enquanto a revista Veja —fiel ao seu perfil de panfleto da direita— abusa da retórica anti-jornalística para tentar transformar a denúncia do Ministério Público em um novo instrumento de difamação do governo, a sua concorrente Carta Capital dá uma aula de sobriedade ao avaliar que a peça acusatória, que aponta a existência de uma "sofisticada organização criminosa" comandada pelo ex-ministro José Dirceu, é contundente, mas em boa medida acabou contaminada "pelo caráter político reinante na CPI dos Correios".
Confira abaixo a íntegra da matéria de Sergio Lirio publicada no site da revista Carta Capital:

O MP VAI NA ONDA
O procurador-geral da República não consegue ir além da constatação de que houve dinheiro ilegal no processo eleitoral

Ao apresentar a denúncia contra 40 envolvidos no escândalo apelidado de "mensalão", Antônio Fernando de Souza, procurador-geral da República, acabou por cair na esparrela que ele dizia pretender evitar. A peça acusatória, que aponta a existência de uma "sofisticada organização criminosa" comandada pelo ex-ministro José Dirceu, é contundente, mas em boa medida acabou contaminada "pelo caráter político reinante na CPI dos Correios", para usar palavras do próprio Souza.

Em relação ao relatório do deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), aquele aprovado sem que os integrantes da CPI tivessem acesso ao texto final, a denúncia do Ministério Público Federal descreve de forma um pouco mais coerente o consórcio formado entre integrantes do PT e o publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza e as origens do chamado Valerioduto. O texto, de 136 páginas, afirma que o esquema foi inaugurado em 1998, na campanha para reeleição ao governo de Minas Gerais do hoje senador tucano Eduardo Azeredo.

Segundo o procurador-geral, a partir de 2003 iniciou-se uma "associação criminosa" entre dirigentes do Partido dos Trabalhadores e "os denunciados ligados a Marcos Valério e ao Banco Rural". "Toda a estrutura montada por José Dirceu, Delúbio Soares, José Genoino e Silvio Pereira tinha entre seus objetivos angariar ilicitamente o apoio de outros partidos políticos para formar a base de sustentação do governo federal", anota Antônio Fernando de Souza.

No texto, o procurador-geral utiliza o termo "mensalão", tornado popular pelo também denunciado Roberto Jefferson. Mas, apesar da convicção do texto, a denúncia encaminhada ao Supremo Tribunal Federal (STF) não acrescentou provas cabais necessárias para qualificar a crise dessa maneira. Ao final das 136 páginas, mantém-se de pé a distanciada, e talvez mais precisa, definição do escândalo, publicada pela The Economist. Segundo a revista britânica, a tese do mensalão é formada por "ilhas de fatos cercadas por um mar de suposições".

Os procuradores não conseguiram elementos para incluir novos parlamentares na lista de beneficiários do Valerioduto, repasses supostamente utilizados para remunerar deputados que votassem a favor do governo. O Ministério Público enumerou apenas 13 nomes, seis a menos que os apontados no relatório final da CPI dos Correios e que enfrentaram ou enfrentam processo no Conselho de Ética. Três deles são do PT.

Por enquanto, algumas perguntas permanecem sem resposta: Por que petistas precisariam receber dinheiro para votar projetos de interesse da administração Lula? Como era possível manipular as votações no Congresso pagando a tão poucos? Ou o MP descobre mais beneficiários ou será difícil sustentar a tese do mensalão. Detalhe: João Borba (PMDB-PR), que recebeu cerca de 2 milhões de reais e misteriosamente havia sido excluído do texto do conterrâneo e colega de partido Osmar Serraglio, aparece entre os denunciados na ação do MP.

De acordo com o procurador-geral, o núcleo financeiro da suposta "organização criminosa" era formado por executivos do banco BMG. Segundo a versão apresentada por Marcos Valério e pelo ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, as duas instituições financeiras teriam emprestado 55 milhões de reais para cobrir dívidas de campanha do partido. O publicitário seria o avalista, ao lado do ex-presidente da legenda José Genoino.

É difícil acreditar na versão da dupla, mas, em princípio, ela só pode ser totalmente rebatida com provas que demonstrem outra origem dos recursos. A tese tanto do MPF quanto da CPI dos Correios é de que dinheiro dos cofres públicos alimentou o esquema.

Nesse ponto, a denúncia dos procuradores contém a mesma fragilidade do relatório de Serraglio. Além do suposto desvio de cerca de 10 milhões de reais das contas da Visanet, empresa da qual o Banco do Brasil detém 33% de participação, o texto não consegue demonstrar de onde vem a grana que abasteceu o Valerioduto. Faltam dados que auxiliem a esclarecer, por exemplo, se o esquema movimentou mais de 55 milhões de reais e se houve desvio de outras empresas públicas.

Essa lacuna talvez se explique pelo fato de a primeira denúncia da Procuradoria ignorar os mais de 150 milhões de reais despejados pelas operadoras de telefonia Telemig Celular e Amazônia Celular nas agências SMP&B e DNA, de Marcos Valério. O caso das duas empresas é semelhante ao da Visanet: não existem notas fiscais suficientes para atestar todos os gastos. No segundo semestre do ano passado, a Polícia Federal apreendeu uma série de notas fiscais frias em nome das duas operadoras. Os federais conseguiram impedir que as notas fossem queimadas por determinação do publicitário. Algumas foram retiradas das chamas. E mais. O fluxo de dinheiro das companhias controladas pelo banqueiro Daniel Dantas para as contas do publicitário mineiro foi muito maior do que o da administradora de cartão de crédito da qual o BB é sócio para as mesmas agências. Por esse motivo, o indiciamento de DD foi sugerido no relatório final de Serraglio.

Entregue ao STF em 30 de março, a denúncia só foi divulgada na terça-feira 11, segundo o procurador-geral, para não influenciar as conclusões da CPI dos Correios. Antônio Fernando de Souza deu a entender que as 136 páginas enviadas ao STF formam a primeira de uma série de denúncias. O texto isenta o presidente da República de qualquer responsabilidade. "Não há nenhuma referência a Lula que possa ser tomada como elemento capaz de justificar uma ação penal", afirmou o chefe da Procuradoria durante entrevista coletiva.

Espera-se que o Ministério Público tenha mais sucesso que as CPIs e consiga detalhar melhor o funcionamento do esquema. Um dos caminhos é esclarecer a viagem de Marcos Valério e do ex-tesoureiro do PTB Emerson Palmieri a Lisboa, em janeiro de 2005.

Palmieri foi denunciado pelo MP, mas o caso relacionado diz respeito aos 4 milhões de reais que teriam sido entregues em uma mala a ele e ao ex-deputado Roberto Jefferson. Em um embate no Congresso com o também ex-deputado José Dirceu, Jefferson levantou a história da viagem a Portugal. Disse que Valério e Palmieri foram tentar arrancar dinheiro do presidente da Portugal Telecom, Miguel Horta e Costa, para o PTB e o PT. O publicitário negou a versão do parlamentar e afirmou ter ido ao encontro de Horta e Costa para falar sobre a venda da Telemig Celular. À época, o Opportunity queria vender a operadora mineira. A Portugal Telecom era uma das interessadas.

Uma versão não elimina a outra. CartaCapital relatou em edições anteriores que Dantas contava com o auxílio de integrantes do governo Lula na operação de venda da Telemig Celular. O interesse do banqueiro era neutralizar os fundos de pensão ligados a empresas estatais, contrários à negociação conduzida pelo orelhudo. Àquela altura, as relações entre o Opportunity e o Citibank, velho aliado de DD, estavam estremecidas. Ele queria concluir o negócio antes de um rompimento definitivo, que o tiraria da administração das empresas. O rompimento ocorreu em abril de 2005. A viagem de Valério e Palmieri a Lisboa ocorreu no calor dessa movimentação.

Os principais denunciados pelo MP contestaram a ação. José Luís Oliveira Lima, advogado de Dirceu, disse não haver provas contra o cliente. "Do que consta dos autos, no meu entender, não há nenhum indício, nenhuma circunstância que possa ser imputada ao ex-ministro." Marcelo Leonardo, defensor de Marcos Valério, afirmou que vai tentar demonstrar que o publicitário não cometeu os crimes. Marcos Valério foi denunciado por formação de quadrilha, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro e corrupção ativa, entre outros delitos. Em nota, o Banco Rural diz que a denúncia revela "total desconhecimento da atividade bancária".

O secretário de Assuntos Estratégicos, Luiz Gushiken, acabou denunciado por peculato, crime praticado por funcionário público que, em razão do cargo, desvia ou se apropria de dinheiro, valor ou bem. Para o procurador-geral, Gushiken é responsável pelo desvio de dinheiro público por causa do adiantamento de verbas publicitárias do Banco do Brasil para a Visanet.

O secretário, cujo indiciamento também foi sugerido pela CPI dos Correios, preparou um texto de defesa no qual refuta os crimes atribuídos à sua gestão à frente da área de Comunicação do governo. No documento, Gushiken afirma não caber à Secom gerir contratos ou efetuar repasses de verbas publicitárias de empresas públicas. Quanto ao suposto favorecimento às empresas de Marcos Valério, argumenta: "A SMP&B participou de duas licitações no governo Lula e ganhou uma. Disputou verbas de 222 milhões de reais e ficou com contrato de 72 milhões de reais, dividido com outras duas agências. A DNA participou de cinco licitações e ganhou uma. Disputou 426 milhões de reais e ficou com contrato de 142 milhões de reais, dividido com outras duas agências".

No Supremo, o inquérito será relatado pelo ministro Joaquim Barbosa. Na terça 11, Barbosa mandou notificar os 40 denunciados, o que significa que o processo não correrá em segredo de Justiça. Segundo cálculos do relator, o STF não terá condições de julgar neste ano. "Num cálculo muito otimista, a fase de defesa vai até as eleições", declarou. O fator tempo pode ser saudável. Talvez daqui a um ano, seja quem for o presidente da República, os juízes possam analisar o caso livres da pressão político-eleitoral que exacerba os ânimos e, com freqüência, obscurece a racionalidade.

O ORELHUDO NÃO ESCAPOU
No último minuto, Daniel Dantas entra na lista de indiciados da CPI

O deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR) teve tempo de corrigir uma lacuna no incompleto e desestruturado relatório da CPI dos Correios. Na segunda-feira 10, Serraglio apresentou a versão final ao distinto público. Nele, o banqueiro Daniel Dantas não só é citado como seu indiciamento por corrupção ativa é sugerido. Curiosidade: será que os aliados de DD no Congresso, alguns perfilados entre os que carregaram o relator nas costas e aplaudiram efusivamente a aprovação do texto na quinta-feira 30, continuam a considerar o trabalho de Serraglio tão consistente?

A ausência de Dantas na primeira versão do relatório era incompreensível. As empresas administradas pelo orelhudo aparecem como as principais financiadoras privadas do Valerioduto. Há inúmeras notas frias da Telemig Celular e da Amazônia Celular emitidas contra as agências SMP&B e DNA, do publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza. Há o contrato de 50 milhões de reais, fechado pela Brasil Telecom com as duas agências às vésperas das denúncias do ex-deputado Roberto Jefferson que precipitaram a crise política. Em depoimento à CPI, tanto Marcos Valério quanto o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares confessaram encontros com representantes do Opportunity. O objetivo era "aparar as arestas" do banqueiro com o governo. Acrescente-se, ainda, a viagem do publicitário a Lisboa, acompanhado pelo ex-tesoureiro do PTB Emerson Palmieri, para tratar da venda da Telemig Celular, e da criação da sub-relatoria dos Fundos de Pensão, nascida justamente em torno das investigações sobre a briga societária entre Dantas, o Citibank, a Telecom Italia e as fundações ligadas a estatais. Nem os bancos BMG e Rural estiveram tão presentes nas investigações da CPI.

Após tantas derrotas, o banqueiro conseguiu uma surpreendente vitória. Na terça-feira 11, a 8a Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro restabeleceu a validade do chamado acordo "guarda-chuva", segundo o qual os fundos de pensão e o Citibank têm de acompanhar o voto do Opportunity nas empresas de telefonia. Em tese, a decisão abre espaço para o retorno do banqueiro ao comando da Brasil Telecom. Os advogados dos fundos garantem, porém, que uma decisão do Superior Tribunal de Justiça garante a permanência dos gestores indicados pelas fundações e o Citi no comando da operadora.

Fonte: Carta Capital