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Comunistas vêem a vitória de uma Itália diferente

O diário comunista italiano Liberazione, em edição especial, compara a vitória eleitoral a um “’quarenta-e-oito’ ao revés”, numa referência à barafunda revolucionária de 1848. &ldquo

Foi um “quarenta-e-oito”? Sim. Mas um “quarenta-e-oito” todo ao contrário de 1848. Pela primeira vez na história da República [fundada em 1946] o “medo dos comunistas” foi vencido: mais ainda; foi substituído pelo afeto pelos comunistas. Ou, melhor, pelo reconhecimento do papel necessário dos comunistas para vencer a direita no governo e iniciar uma outra história.
O fator França
Talvez ainda não estejamos sentindo o quanto é extraordinária a novidade: nestas primeiras horas estamos, com razão, concentrados na humilhação do Cavaleiro [como é chamado o primeiro ministro direitista agora derrotado, Silvio Berlusconi], dos seus aliados, dos seus lunardi, moraty & company, que estão fazendo as malas. E, se não parece uma esnobação, e na verdade não é, estamos saboreando a vitória, na França, do primeiro grande movimento de massas do século 21 contra a precariedade: eis porque não é casual a coincidência da vitória da União [noma da coalizão de centro-esquerda] na itália e da derrota de Villepin [o primeiro ministro francês] em Paris.
Mas, se meditamos, o resultado das eleições de abril é excepcional também deste ponto de vista: o fim do fator kappa que por tantos anos comprimiu a realidade e a politologia nacional. Não foi isto que Berlusconi disse e redisse até a saciedade? Nunca, jamais os italianos votaram por uma maioria política “comunista”. Nunca, jamais pensaram em confiar à esquerda – a verdadeira esquerda – as chaves do governo do país. Eis que desta vez o fizeram. E ninguém pode dizer que não foram advertidos.
A campanha do anticomunismo
Recordam  o quanto fomos atormentados – nós mesmos, da Refundação – durante todas estas semanas de campanha eleitoral? Tentaram de tudo. Havia os candidatos “inapresentáveis”. E “o Luxúria, o Caruso, os antiglobalização, os pervertidos”. E os vermelhos que encheriam a todos de impostos, sequestrariam a poupança e esvaziariam os bolsos. E a ameaça do “comunismo real”, de Stálin a Pol Pot. E [Fausto] Bertinotti [secretário-geral da Refundação], provisoriamente travestido de cordeiro para logo se transformar em lobo.
Nada foi poupado em matéria de vulgaridades, lugares-comuns, argumentos ordinários, tudo com um único objetivo: assustar as pessoas, como aquele famoso e eterno “segmento médio”, proprietário, anticomunista, beato, que resiste nas mais vetustas representações sociológicas.
E, no entanto, não funcionou. Talvez porque, entrementes, década após década, esse “segmento médio” já não existe. Ou amadureceu, na consciência cidadã, ou, mais realisticamente, empobreceu, proletarizou-se, fragmentou-se. E deixou de identificar o seu destino com aquele da direita ou da conservação. Percebeu, finalmente, que era hora de mudar. De se voltar para a esquerda. De se aliar, não com os advogados e cirurgiões plásticos da Força Itália [o partido de Berlusconi], mas com o mundo do trabalho, e do não-trabalho.
Na essência, do que se falava?
Sim, foi um “quarenta-e-oito” ao revés, muito mais do que dizem os números eleitorais ainda aproximativos. Mesmo sufocadas pelas querelas e bordões, havia realmente em jogo grandes questões, grandes valores, grandes distinções de cidadania. Tomemos a essência: do que se falava, e se fala, no programa da União se não de paz, redistribuição da riqueza, equidade fiscal, fim do trabalho precário, centralidade da escola pública, defesa do meio ambiente, acolhida civilizada aos imigrantes, novos direitos?
E o que pressupunha o centro-direita se não uma política externa de guerra e sujeição aos EUA, uma política interna baseada no crescimento das desigualdades, na evasão e nos privilégios fiscais, na precarização do trabalho e assim por diante, num Estado “mínimo” quanto aos direitos sociais e “máximo” quanto à repressão?
Não é tudo, por certo, não é o governo revolucionário dos soviets; e não é ainda uma prática de reformas; mas é uma boa plataforma para recomeçar. Os italianos escolheram exatamente isto: uma Itália diferente. Não apenas um país do qual não precisem mais se envergonhar. Veremos que este país começa de fato a mudar.
Fonte: http://www.liberazione.it;
intertítulos do Vermelho