UFABC: a universidade, o futuro e as humanidades

Fruto de uma luta que envolve múltiplas discussões, desde sua viabilidade econômica até o debate sobre sua filosofia educacional, passando pelo debate político – como é de se bem esperar – a UFABC tem se colocado como um momento único no desenvolvimento

Por Antonio Balbino*

Nascida no bojo da discussão da Reforma Universitária e das discussões sobre o futuro das universidades no Brasil, ela tem sinalizado uma nova perspectiva de ensino ao apontar alternativas para a superação de uma problemática que não  concerne apenas à universidade, mas às Ciências Humanas e às Ciências como um todo. Tal problemática se fundamenta hoje no debate sobre a validade das Ciências  Humanas e Sociais em contraposição ao  grande avanço da Tecnologia e das Ciências Naturais. As Ciências Humanas que  ocupavam um lugar de destaque até o século XX  passaram a ocupar uma posição secundária nos projetos políticos pedagógicos das universidades, tendo em vista a “necessidade”  de se atender primeiramente as demandas de mercado em detrimento das demandas sócio-culturais. Daí para a proliferação das teses irracionalistas e toda a sorte de apoliticismo existente hoje é um passo curto. Passo esse que já foi dado, vide o comodismo reinante cujo a tese da “pós-modernidade” e  do “fim da história” são reflexos.

Agravado pela heterodoxia institucional onde,  ensino, pesquisa e extensão são tomados isoladamente no interior das universidades, esse afastamento vai corroborar a chamada “Crise das Ciências Humanas”. A discussão tem apontado para uma diversidade de alternativas frente à esta crise.  Do ponto de vista de se assumir uma posição que verse responsabilidade social e  responsabilidade política  com o conhecimento produzido no interior das universidades, buscamos aqui, defender uma concepção de Ciência e Educação que leve em conta que  o saber está intrinsecamente ligado ao fazer, ao trabalho em seu sentido humano genérico. Tal como nos ensina Gramsci: Pode se fazer uma tese sobre a caça e não saber caçar. Mas, o caçador para caçar tem que saber. Mas como ele não saber falar da caça de um modo pré-determinado por outro, diz-se que ele não sabe caçar. Mas se ele não soubesse sobre caça, ele não caçaria.

Assim, a importância da concepção de Ciência e Educação onde fazer e pensar não apareçam isolados  coloca-se como primeiro passo para a superação da crise das Ciências Humanas e de outras correlatas. Por outro lado, se do ponto de vista do trabalho essa separação entre fazer-pensar  não existe ( e supostamente não existiria uma crise nas Ciências Humanas ) estamos no plano da ideologia que encobre parte  de uma realidade. Partimos então para o plano político, das decisões e disputas de interesses para um outro entendimento. Assim a ênfase nas Ciências Humanas  é elemento de fundamental importância no avanço da educação para além do imediatismo e mais próximo a educação enquanto bem público, universal e principalmente, humano. A quem interessa esse modelo de educação?

Não só se discute crise das ciências, como das universidades. E mais ainda, da própria sociedade. Siamesas, por assim dizer. No início da década de 80 o Prof. Maurício Tragtemberg afirmava enfaticamente “a universidade está em crise. Isto ocorre porque a sociedade está em crise”. Mais ainda, denunciava o imobilismo da crítica e das ações em não se romper com a “ ideologia do saber neutro, científico, a neutralidade cultural e o mito de um saber “objetivo” acima das contradições sociais” . Polêmico quando indica que o  centro desta crise é o nível de responsabilidade social existente entre professores e pesquisadores: “A não preocupação com as finalidades sociais  do conhecimento produzido se constitui em fator de ´delinqüência acadêmica` ou da traição do intelectual”. Tão mais, ainda ataca a delinqüência acadêmica  “ para qual importa discutir os meios sem discutir os fins da educação” e identifica na separação entre fazer e pensar a doença que reflete a delinqüência acadêmica: ela “se caracteriza pela existência de estruturas de ensino onde os meios( técnicas ) se tornam fins, os fins formativos são esquecidos (…)”.

A preocupação com estas questões é notável por parte da UFABC. Em seu primeiro Concurso Público para Magistério do Ensino Superior estão sendo disponibilizadas 14 vagas para profissionais Doutores na área das Ciências Humanas com remuneração razoável. Dessas vagas, 50% têm correlação direta com as humanidades. Outros editais de Concurso Público estão abertos(  www.ufabc.edu.br ).

Se partirmos do ponto de vista de que o caráter da UFABC é despontar enquanto centro tecnológico ( o que é uma demanda da região do ABC ) essa preocupação com a formação humanista mostra o caráter do que pode ser uma universidade com responsabilidade social e responsabilidade política. O que é importante também é a responsabilidade dos intelectuais em procurar fazer parte deste projeto. A bem da crítica corajosa, aqueles que não se acomodaram com o “fim da história”  nem com a lástima da calmaria da profissão de intelectual das humanidades ( coisa que nunca caracterizou a profissão, salvo irresponsabilidade ) devem procurar  se posicionar. Faz parte da verdadeira crítica,  descer do pedestal e atuar concretamente. O cenário está posto.

*Diretor de Educação no município de Santo André-SP e Membro do comitê Municipal do Pc do B