Artigo analisa medidas de Mantega no Ministério da Fazenda

A audiência do presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, na última quinta-feira (6) aproximava-se do fim. Depois de quase uma hora pedindo mais crédito tributário aos expor

Ajustes periféricos não dispensam fundamentos ortodoxos

“A inflação é uma doença debelada desde 94, tem de pensar no crescimento, e o ministro tem essa visão”, explicaria Skaf depois. A avaliação patronal traduz o que pode caracterizar a gestão Guido Mantega. A postura do ministro de mandar sinais de bom-mocismo ao dito mercado, nos primeiros dez dias no cargo, conviveu com posicionamentos que sugerem uma sutil mudança de atitude da Fazenda, ainda que o próprio Mantega negue pública e categoricamente (e a negativa segue a tática de evitar melindrar o mercado). É certo que a ortodoxia será mantida no essencial – políticas fiscal e monetária arrochadas –, mas sem o aprofundamento entusiasmado imposto pelo ex-ministro Antonio Palocci.

E o que permite ao menos supor um recuo na dosagem conservadora? Mal se abancou na cadeira ministerial, Mantega abortou iniciativas pró-mercado financeiro pretendidas pela equipe de Palocci. Abandonou a proposta de drástica abertura comercial como remédio antiinflação (o dólar barato já teria esse efeito). Barrou o plano de longo prazo de corte de gastos públicos (estariam adequados) Rejeitou ampliar o tempo de validade do superávit primário e orientou o novo secretário do Tesouro Carlos Kawall, a não apertar além da meta (4,25% do Produto Interno Bruto-PIB).

 

 

Mantega também declarou ser desnecessário reformar a previdência (bastaria combater fraudes e sonegação). E levou o Conselho Monetário Nacional (CMN) a afrouxar a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), após meses de congelamento. “O [ex-ministro Antonio] Palocci fez uma aliança preferencial com o sistema financeiro. O novo ministro ou não tem essa dependência ou tem mesmo um pensamento diferente”, analisa o professor Dércio Munhoz, do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB).

Com os gestos discretos contra o reforço no liberalismo, Mantega aproveita a estreitíssima mobilidade que o presidente Lula conferiu-lhe ao nomeá-lo na segunda-feira 27 de março. “Ele [o ministro] tem uma margem de manobra de cinco por cento para a esquerda e cinco por cento para a direita”, diz um deputado petista amigo de Lula que viu de perto a crise que terminou na troca na Fazenda.

Os encaminhamentos de Mantega animaram o presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP), a defender a permanência dele em um eventual segundo mandato do presidente Lula. O vice-presidente do partido e assessor especial de Lula para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, disse a deputados petistas, numa reunião fechada na terça-feira (4), que deve se encarar 2006 como o primeiro ano do segundo mandato presidencial, com ênfase no crescimento.

Se há motivos para crer em alívio na ortodoxia em aspectos periféricos, nenhum autoriza duvidar que a cartilha conservadora será seguida à risca nos temas fundamentais. Os últimos dias foram recheados de sinais neste sentido. Na quarta-feira (5), por exemplo, Mantega reuniu-se com o diretor do departamento ocidental do Fundo Monetário Internacional (FMI), Anoop Singh, e o deputado Delfim Netto (PMDB-SP). No dia seguinte, mais situações emblemáticas. Pela manhã, o presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, anunciava substituições na diretoria que lhe preservam o perfil conservador. À tarde, o secretário do Tesouro, Carlos Kawall, concedia entrevista para dar uma “mensagem de continuidade” da busca de superávit primário e dos caminhos da gestão do antecessor, Joaquim Levy. Enquanto isso, Mantega recebia a Fiesp em seu gabinete.

A reunião com o dirigente do FMI – que chegou ao ministério por uma entrada alternativa, para fugir de manifestações de servidores públicos – durou quase uma hora. A primeira impressão do Fundo sobre Mantega ministro da Fazenda foi positiva. Para Anoop Singh, não há dúvida de que “os fundamentos econômicos estão fortes e claramente vão continuar” e, por isso, “vamos [o fundo] continuar apoiando o Brasil”, apesar de o país ter se livrado de laços formais com a instituição no fim do ano passado. Mantega classificou a audiência com o FMI de técnica e rotineira, mas a conversa com Delfim Netto, conselheiro freqüente de Palocci, nada teve de cotidiana. O ministro chamou o deputado ao seu gabinete, a fim de se aconselhar com o experimentado economista e político forjado nos tempos da ditadura militar.

Delfim também ficou convencido do continuísmo que Mantega representará na condução da política econômica, escolhida não nos corredores da Fazenda, mas no terceiro andar do Palácio do Planalto, onde despacha o presidente Lula. Na gestão fiscal, por exemplo, Delfim sentiu-se “tranqüilizado” com a manutenção do superávit primário de 4,25%, apesar de o próprio deputado ser o mentor do plano de ajuste de longo prazo que Mantega brecou. Tão importante, na opinião de Delfim, vai ser resguardar a autonomia funcional do Banco Central. Em tese, o BC submete-se à Fazenda, mas Mantega, crítico da política de juros antes do cargo atual, não deverá ter influência no Comitê de Política Monetária (Copom). “O BC tem tido uma autonomia completa. Não há razão para imaginar que o presidente vai fazer algo para destruir o que foi construído com cuidado em três anos”, disse Delfim.

A liberdade de ação desfrutada pelo BC foi renovada por Lula no dia da posse de Mantega (28). Depois de reunir-se a sós com o novo ministro, o presidente convocou Meirelles ao Planalto para assegurar que o chefe do BC vai reportar diretamente ao Presidente da República e que o próprio Meirelles poderia dizer à imprensa. Foi a fórmula encontrada por Lula para impedir trombadas entre Mantega e Meirelles. “O Presidente tirou mais da metade da capacidade de ação da equipe econômica. Ele mutilou a Fazenda”, afirmou Dércio Munhoz.

Meirelles levou apenas dez dias para exercer a soberania aprovada pelo Planalto. Ao definir mudanças no BC, abrigou um amigo do diretor de Política Econômica, Afonso Bevilaqua, o mais conservador dos votos do Copom. Indicado para diretor de Estudos Especiais, Mario Mesquita foi economista do FMI e da PUC-RJ, de onde, aliás, saíram expoentes da equipe do governo tucano, como Gustavo Franco e Pedro Malan.

Mesquita vai para o lugar de Alexandre Tombini, deslocado para a diretoria de Normas e Organização do Sistema Financeiro. A outra alteração foi de Alexandre Schwartsman por Paulo Vieira da Cunha na diretoria de Assuntos Internacionais. Os indicados para o BC ainda precisam de aval do Congresso, o que levará um tempo. Eles talvez ainda não participem ainda da próxima reunião do Copom, marcada para os dias 18 e 19.

 

 

Fonte: André Barrocal – Agência Carta Maior