Itália: campanha eleitoral termina em farsa

Por Piero Sansonetti, para o diário comunista Liberazione*

É um fim de campanha eleitoral como nunca se viu. Parece uma grande farsa. Berlusconi [Silvio Berlusconi, o atual primeiro ministro, direitista] ocupou o centro da c

A Grande ofensiva começou na noite de segunda-feira, no duelo com Prodi [o debate televisivo com Romano Prodi,  o candidato da centro-esquerda e favorito nas pesquisas], e prosseguiu sem trégua. Depois da história do ICI (ou seja, o corte no Imposto Municipal sobre Imóveis, proposto pela Refundação Comunista há três anos, há dois anos e no ano passado, e sempre boicotado pelo governo), veio a história da “esquerda sem culhões [coglioni]” e com a encenação de pretendida intervenção solitária no Canal 5 de TV, no dia seguinte.

Uma rajada de declarações

Ontem, novas idéias. Em sucessão vertiginosa. Às 9 da manhã, uma declaração sobre o regime. Qual regime? O da centro-esquerda, que – segundo Berlusconi – já estaria em ação (ou estaria no momento do ensaio geral) mesmo que a direita ainda governe.
Depois ele acusa a esquerda de promover uma blitz antidemocrática (porque protestou contra a hipótese de um monólogo berlusconiano na TV, proibido pela justiça). Às dez, retornou à história dos culhões, com um desmentido e um relançamento. O desmentido: “Não é verdade que eu tenha usado esse termo afetuoso para me referir aos eleitores da esquerda”. O relançamento: “Se tivesse desejado defini-los, teria usado termos bem diferentes…”. Meia hora depois, obtém a aprovação de Fini [Gianfranco Fini, o número dois da coligação de direita], que diz: “Apreciei a decisão de Berlusconi, de corrigir suas afirmações”. Fini nunca é muito rápido em suas intervenções políticas, com frequência intervém fora de hora: é um personagem influente e agressivo, mas não se pode dizer que seja muito ágil.

Primeira admissão de que pode perder

Às 10h17, novamente Berlusconi. Convoca os jornalistas e adverte: “Tenho um importante anúncio a fazer sobre os julgamentos de Milão”. Dez minutos mais tarde, repete a outros jornalistas: “Importante anúncio a fazer”.  A que horas? “Ao meio-dia”. Porém às 11 o cenário muda: “Vencerei as eleições”, diz o premier. Depois, corrige-se: “Mesmo que perca, perderei por pouco”. É a primeira vez que adianta a hipótese de uma derrota. Ah, as pesquisas!

A admissão faz com que ele enverede pela via do romantismo. Às 11h20: “A esquerda odeia, a esquerda é uma força de ódio, enquanto a Força Itália [a sigla do primeiro ministro] ama, é um partido de amor”. Às 11h25, eis que ele toca nos julgamentos. Aqueles que favoreceram a morte de Tommy. Por quê? “Porque em vez de se ocupar dos bandidos perdem tempo investigando a Fininvest [a holding de Berlusconi, com sede em Milão, alvo de denúncias de corrupção]”.

Ao meio-dia, a bomba anunciada. É o Caso Mills, daquele senhor que certa vez testemunhou em defesa de Berlusconi e depois foi encontrado com algumas dentenas de milhões [de euros] na sua conta corrente, e que sempre disse que o dinheiro veio da Fininvest. “Não é verdade”, diz Berlusconi. Mills descobriu que o dinheiro teria sido dado por um certo Diego Attanasio.

Os últimos golpes e as más notícias da economia

É tudo? Podemos dar a jornada por concluída? Não, ainda faltam mais dois golpes. O primeiro à uma, o outro mais tarde. O da uma, logo antes do almoço, é o melhor: “No meu governo a expectativa de vida passou de 78 anos a 80, para os homens, e de 81 a 83, para as mulheres. Nos próximos anos esperamos chegar aos cem anos.” É milagroso, esse governo. Se as coisas são assim, qual “sem culhões” será capaz de não votar nele, desperdiçando 20 ou 25 anos de vida?

À tarde vem a história da ONU. Não, não é nada relacionado com a política externa. Nestes dias de campanha eleitoral, é proibido falar de política externa ou de problemas sérios. A solicitação de Berlusconi é para que os “capacetes azuis” da ONU intervenham para controlar e organizar o desenvolvimento das eleições italianas.

Concluiu-se aqui a jornada do premier? Liberazione precisa ser impresso, de forma que não respondemos pela noite. Podemos dizer que, enquanto Berlusconi falava, flanqueado por alguns aliados do governo, como por exemplo o (ex) ministro Calderoli [Roberto Calderoli; teve de renunciar ao Ministério das Reformas após aparecer em público com uma camiseta ilustrada com uma das caricaturas de Maomé], o qual assegurou que quem vota na esquerda comete um pecado mortal. E também [Giuseppe] Pisanu, ministro do Interior, para explicar que nos últimos dias evitou um par de atentados.

Por fim, uma outra coisinha, só que menos divertida. Chegou finalmente a última estatística trimestral, tão mencionada por Prodi. Bem, é um verdadeiro desastre, de arrancar os cabelos. A relação entre o déficit público e o PIB, que conforme se dizia estaria dentro do limite dos 3,5%, chegou aos 4,1%. A dívida pública de 2005 é 106,4% do PIB. As popuanças dos italianos se reduziram, as contas do Estado desandam, não há retomada econômica. E Tremonti [Giulio Tremonti, ministro da Economia de Berlusconi]? Onde está Tremonti? Ninguém sabe.

Fonte: http://www.liberazione.it;
intertítulos do Vermelho