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Rebeliões em presídios de São Paulo revelam abandono da administração tucana

As mais de 30 ocorrências nos três primeiros meses de 2006 foram motivadas por um cenário de superlotação e violação dos direitos dos detentos. Nove presos morreram nas últimas semanas, diante

Em 2005, o sistema prisional de São Paulo registrou 27 rebeliões em todo o estado. Somente nos três primeiros meses de 2006, este número chegou a 31, ultrapassando a maior mobilização das facções criminosas que controlam as cadeias e penitenciárias realizada em 2001, quando 29 presídios registraram rebeliões. Ao todo, são 144 unidades prisionais em São Paulo, das quais 74 penitenciárias, três unidades de segurança máxima e 32 Centros de Detenção Provisória (CDP), que possuem menos infra-estrutura. Nas últimas semanas, houve ocorrências nas cidades de Iperó, Franco da Rocha, Mogi das Cruzes, Mauá, Osasco, Taubaté, Diadema, Tatuí, Pinheiros, Jundiaí e Cauiá.

Apesar da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) afirmar que a razão das rebeliões era a exigência, por parte dos detentos, de mudança na cor do uniforme e de aumento do número de visitantes, a pauta de reivindicações dos rebelados inclui pontos como o fim do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) – altamente criticado pelas organizações de defesa dos direitos humanos, que, entre outras medidas, restringe o preso a duas horas diárias de sol e utiliza o encarceramento em celas isoladas – e uma solução para o problema das superlotações. Segundo dados do próprio governo Alckmin, a Penitenciária de Iperó, por exemplo, tem capacidade para 852 presos, mas está com 1.212. O CDP de Franco da Rocha, em vez de 600 pessoas, abriga hoje 1.163. Apesar da situação degradante de encarceramento, o secretário da Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa, afirmou à imprensa que não havia nenhuma reivindicação razoável dos detentos, simplificando a orquestração das rebeliões ao “dedo do crime organizado”.

Um dos resultados do silêncio da administração de São Paulo foi a morte de nove pessoas durante a revolta na Cadeia Pública de Jundiaí no último dia 23 de março. Com capacidade para 120 presos, ela abrigava, segundo a SAP, no momento da rebelião, mais de 480, entre eles cerca de 20 adolescentes. A Febem (Fundação do Bem Estar do Menor), outro órgão sob a responsabilidade do governo estadual, que deveria ser a responsável por esses jovens, não tem uma unidade em Jundiaí. Segundo o jornal Folha de S.Paulo, á existem 52 jovens de 18 anos de Jundiaí em unidades da Febem na capital. O Estatuto da Criança e do Adolescente, além de estabelecer que o interno deve ser mantido próximo à sua família, diz que qualquer internação provisória em presídios não pode ultrapassar 45 dias.

As vítimas morreram asfixiadas com a fumaça de colchões queimados, depois de cerca de 21 horas de rebelião. Elas estavam em celas especiais, chamadas de “seguro”, para onde são enviados os detentos ameaçados de morte. Na última quinta-feira (30), a Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa organizou uma audiência pública para debater a situação do sistema prisional em São Paulo. Foram convidados os secretários da Administração Penitenciária e da Segurança Pública, Nagashi Furukawa e Saulo de Castro Abreu Filho; e a presidente da Febem, Berenice Gianella, além de representantes da sociedade civil e do Ministério Público. Nenhum dos três membros do Poder Executivo compareceu.

”Houve um fato muito sério para que haja esse descaso dos secretários. Quando é que eles vão refletir sobre isso se nem vem à Assembléia? E o governador não diz nada, como se não tivesse nada com isso. Fica descaradamente cuidando da campanha, enquanto as famílias estão desesperadas sem saber o que aconteceu com os presos”, acusa a deputada Ana Martins, do PCdoB, que esteve em Jundiaí após a rebelião. A Secretaria da Segurança Pública havia informado que cem presos seriam transferidos para prisões, sem, no entanto, divulgar a lista das transferências. “O diretor disse que não tem lista de transferência porque a Secretaria não tem quem a faça, já que os funcionários que foram feitos reféns estão afastados. Portanto, não tem ficha de transferência. Que Secretaria é essa que não manda um funcionário para lá para cuidar dessa emergência? Além disso, as famílias não sabem o que aconteceu com os menores. Mentiram para as famílias dizendo que eles tinham sido transferidos e até hoje eles estão lá”, disse a deputada na última quinta, mais de uma semana após a rebelião.

Segundo a comissão de parlamentares que visitou a Cadeia Pública de Jundiaí logo após a rebelião, havia pelo menos 510 presos no local. O laudo do IML confirmou as mortes por asfixia, mas os deputados verificaram escoriações e hematomas na cabeça, nas costas, nos braços e pernas das vítimas, sendo que a direção do presídio informou que não tinha havido agressões. Um deles tinha semi-liberdade garantida para o dia seguinte ao da rebelião. No final da semana passada, havia ainda mais de 40 presos doentes, ao relento, diante da destruição parcial da cadeia. Vários deles com tuberculose.

A deputada Ana Martins cobrou da assessora de imprensa da SAP, Rosângela Sanches, e do Coordenador de Polícia da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, Sergio Meirelles Carvalho, responsável pela questão prisional – ambos enviados pelo governo para participar da audiência – quais seriam as medidas da administração de São Paulo para resolver essas questões e também o problema da superlotação em Jundiaí e nas demais penitenciárias.

“A única solução viável para Jundiaí é construir o CDP – que está embargado por questões ambientais. Não há solução a curto prazo. Infelizmente, todos os dias a PM prende e a cadeia não comporta o número de presos”, disse Carvalho. “Em 100 anos em São Paulo, foram construídas 21.902 vagas. Nos governos Covas e Alckmin, construímos 81.154. Não dá pra fazer mais do que isso sem ter o apoio de todos”, afirmou Rosângela.

Os representantes do governo estadual também não rebateram a acusação de que, até aquele momento, não tinham se deslocado até Jundiaí para verificar a situação dos detentos pós-rebelião. “Não há um trabalho científico que seja feito só com papel na mão, sem ir lá ver o que está acontecendo. Essas são atitudes irresponsáveis dos secretários, que vocês vão ter que responder, não medida em que o governo não diz uma palavra”, criticou Ana Martins.

Fonte: Agência Carta Maior / Bia Barbosa