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Leitura do relatório Serraglio abre ''embate entre base e oposição''

Os líderes governistas querem salvar do indiciamento os ex-ministros José Dirceu (Casa Civil) e Luiz Gushiken (Comunicação). A oposição quer vincular o presidente Lula no esquema do “mensalão”, no relatório final da CPI mista dos Correios, lida quarta-fei

Apesar do embate que isso significa, a disposição de ambos os lados é tentar mudar o relatório do deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR) através de emendas supressivas e aditivas, e não apresentar um relatório paralelo, que deixaria a CPI em um impasse em seus últimos dias de existência. Caso não haja consenso, os governistas pretendem apresentar voto em separado nos pontos de discordância.

"O clima de nuvens pesadas mudou hoje [quarta-feira] pela manhã. Todos concordaram que a CPI deve ter relatório, que não se deve terminar a investigação sem um relatório final. A sociedade não quer isso. Vamos agora negociar, sem acirrar os ânimos", afirmou o presidente da comissão, senador Delcídio Amaral (PT-MS).

Ainda assim ele fez um apelo: "Não podemos deixar que o radicalismo político inviabilize a votação, pois aí, quem ganha é impunidade", afirmou Delcídio.

Serraglio e a "mudança de clima"

A "mudança de clima" se deve ao fato de que Serraglio — um peemedebista inclinado para a oposição — recuou em algumas das sinalzações que vinha fazendo anteriormente. Em particular, o relatório poupa o presidente Luiz Inácio Lula da Silva: "Não incide, aqui, responsabilidade objetiva do Chefe Maior da Nação, simplesmente, por ocupar a cúspide da estrutura do Poder Executivo, o que significaria ser responsabilizado independentemente de ciência ou não. (…) Não se tem qualquer fato que evidencie haver se omitido", diz o relator.

Já o senador, ex-governador e ex-presidente do PSDB Eduardo Azeredo (MG) não escapou. O relatório afirma que a campanha de Azeredo pela reeleição para governador, em 1998, e a de seus aliados receberam mais de R$ 9 milhões do esquema de Valério por intermédio da Usiminas. No total o relatório pede indiciamento de 122 pessoas, entre eles dois ex-ministros e 20 parlamentares — o senador Azeredo e 19 deputados.

Os senadores Alvaro Dias (PR) e Antero Paes de Barros (MT), da ala "hard" do PSDB, não se conformam. Informaram que defenderão no partido uma emenda para responsabilizar o presidente. "O presidente foi omisso, e omissão é crime. Portanto, o presidente da República tem de ser citado no relatório final com veemência", reclamou Antero.

Para Jamil, "aspectos facciosos"

Também na base do governo há críticas e insistência em mudanças. Jamil identifica, no documento apresentado ontem pelo deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), relator da CPI, “muitos aspectos unilaterais e facciosos, que tentam inocentar, quando o comprometimento é do lado da oposição, e tentam incriminar, quando é da situação”.

O deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP), também membro da comissão, diz diplomaticamente que “existem equívocos que o relator terá habilidade e imparcialidade para corrigir”. Para ele, “as incongruências são nas tipificações delituosas, nos indiciamentos. O relatório apresenta o [ex-ministro da Casa Civil, José] Dirceu e [o ex-ministro de Comunicação de Governo, Luiz] Gushiken como corruptores ativos e não tem corruptores passivos. Diz quem pagou e não tem quem recebeu”. Cardozo, que é advogado, sustenta que “não pode acontecer uma situação como essa”.

Para o parlamentar petista, “nessa perspectiva, temos que abrir processo de discussão entre governistas e oposicionistas para chegar a um relatório que seja mais próximo de consenso e que não seja relatório político-partidário. Que não tipifique um delito, onde não há certeza, mas que não absolva quem tem tipificação comprovada”, propõe.

"Fotocópia do esquema Delúbio"

Jamil Murad diz que ainda não leu todo o relatório, que tem mais de duas mil páginas. Mas, na avaliação que faz, enumera os casos citando as páginas do documento para comprovar “os aspectos unilaterais e facciosos” do documento.

“Na página 1.585, ele [Osmar Serraglio] põe “Lista de Furnas”, e diz que Nilton Monteiro forjou a lista, num claro intuito de caluniar políticos de oposição ao governo e que é falsário contumaz. O relator assume abertamente a defesa da oposição”, diz Jamil, lembrando que a “Lista de Furnas” envolve em um suposto esquema de corrupção políticos “da mais alta plumagem” do PSDB e do PFL.

No caso do envolvimento de ex-presidente do PSDB, senador Eduardo Azeredo (MG), o parlamentar comunista destaca que o relatório cita o caso dele como tomada de empréstimo sem declaração. “Não houve adjetivação, nem interpretação, mas está provado que o Marcos Valério fez empréstimos a Eduardo Azeredo, obtidos pelas empresas dele junto ao Banco Rural para, com a vitória de Azeredo, recuperar dinheiro com contratos. É a fotocópia do esquema de Delúbio [Soares, ex-tesoureiro do PT]. Mas um recebeu o nome de 'valerioduto', esquema de corrupção danoso; e o outro é 'empréstimos que não foram declarados – financiamento de campanha'”, compara.

Abordagem distinta

Para Jamil Murad existe uma clara distinção na abordagem dos casos: “Um instigando a uma interpretação criminosa e outro passível de desculpas”.

Outra questão apontada por Jamil é o pedido de indiciamento do ex-ministro Gushiken. O relator admite que não existem provas, mas recomenda que o Ministério Público investigue.

O mesmo ocorre com os fundos de pensão – Petros (Petrobras) e Previ (Banco do Brasil). “Na página 1.608, ele fala que não encontrou nada, mas pede que o Ministério Público investigue. Se não foram constatados indícios de desvios e irregularidades nas operações financeiras, como está lá escrito, era prá dizer que investigamos e não encontramos nada”, destaca Jamil.

O deputado comunista cita ainda outros dois casos, onde estão envolvidos nomes da oposição e em que Serraglio “relata influência político-partidária nos negócios, mas não cita os nomes envolvidos. “Nem cita e nem pede para indiciar”, diz Jamil.

Na página 1.388, Serraglio diz que o empreendimento Costa do Sauípe, na Bahia, deu prejuízo à Previ, destaca Jamil. Mas o deputado lemra que o caso ocorreu no governo Fernando Henrique Cardoso, que atendeu a pedido do senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) para que Previ investisse no ressort turístico de alto luxo no litoral baiano.

Outro caso citado pelo deputado comunista está descrito na página 1.383. “A Previ comprou o hospital Humberto Primo, em São Paulo, por R$ 68 milhões; e, avaliação realizada posteriormente por uma consultoria concluiu que o valor real era de R$34 milhões. Quem abriu a porta para esse negócio? foi o então deputado José Serra”, acusa Jamil.

Em defesa da aprovação

O presidente da CPI mista dos Correios, senador Delcídio Amaral (PT-MS), fez um apelo aos parlamentares para que aprovem o relatório final na próxima semana. "Não podemos deixar que o radicalismo político cause estragos à imagem do Congresso", afirmou. "O desentendimento só vai ajudar a impunidade e ninguém aqui vai compactuar com a impunidade", completou, pedindo "lucidez e equilíbrio" na votação.

Cardozo também se mostrou favorável a aprovação do texto. Ele reconhece que existem aspectos positivos no relatório. “Existem provas e conclusões importantes que devem ser colocadas à frente e mostram que a CPI trabalhou com rigor e seriamente”.

Ele descarta a possibilidade de não ser aprovado nenhum relatório, caso não haja acordo entre governistas e oposicionistas. “Não ter relatório nenhum é jogar na lata do lixo provas importantes que conseguiram, é o paraíso para os que praticaram atos de improbidade e corrupção”, afirmou.

"A hora da eleição é mais tarde"

O parlamentar petista acredita que, corrigidos os defeitos, “temos condições de aprovar bom relatório. Desde que não se faça desse documento, instrumento de política eleitoral – um querendo atingir outro. A hora da eleição é mais tarde. Agora é hora de buscar a verdade, investigar e propor punição para quem é culpado”, pondera.

Em defesa da aprovação do relatório, o parlamentar petista levanta a possibilidade de, “não sendo possível corrigir os defeitos, será legítimo fazer um voto em separado mantendo o que o relatório tem de bom e discordando naquilo que se considera errado”.

O relator-adjunto da comissão, deputado Maurício Rands (PT-PE), também afirmou que a base aliada poderá apresentar apenas votos suplementares sobre pontos específicos do relatório.

Também Jamil Murad defende a aprovação do relatório, mas que seja um texto “que atenda os anseios do povo brasileiro de aprimorar as instituições, combater a corrupção, dar mais transparência na administração pública e acabar com a impunidade”. Segundo ele, “a luta pela lisura é patrimônio da esquerda que foi indevidamente apropriado pela direita, que em 500 anos usou e abusou das riquezas do Brasil para enriquecer e agora troca de papéis, o que não se justifica”.

De Brasília
Márcia Xavier
Com agências