Venezuela, dilemas econômicos: breves apontamentos

Muito difícil compreender a real situação venezuelana apenas lendo o noticiário veiculado no Brasil pela grande mídia. Além de incipiente, em geral as informações são tendenciosas, visto que nas redações predominam as visões unilaterais dos patrocinadores.

Não sou afeito às análises ufanistas, tampouco àquelas criticistas ao extremo, cuja acidez nos faz perder a noção de contextualização histórica. Dessa forma, em breves palavras, fui destacado pela Direção Nacional da CTB (Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil) a construir texto conectando as informações que obtivemos por ocasião da Comitiva Internacional que visitou o país, na esteira da realização do I Congresso da Central Bolivariana Socialista dos Trabalhadores (CBST).

Estivemos com autoridades políticas e sindicais do país, reunimos com escritório do IPEA, tivemos audiência com embaixador brasileiro, conversamos com a imprensa, estivemos em supermercados, farmácias, outros estabelecimentos e circulamos diversas localidades da capital Caracas, no sentido de visualizarmos de perto o que tem ocorrido.

A partir da descoberta dos primeiros poços de Petróleo, situados no Lago de Maracaibo, nos anos 1920, a estrutura econômica venezuelana passou por profundas transformações. O dinheiro fácil decorrente da elevação dos preços da commoditie, desestimulou o florescimento de uma força produtiva diversificada. Ao submeter seu projeto de desenvolvimento para se transformar em potência do Petróleo, a Venezuela passou a exportar o óleo e importar demais produtos, notadamente dos EUA.

Tratar a questão petrolífera é fundamental para uma boa percepção dos problemas econômicos vivenciados atualmente. Detentora das maiores reservas certificadas de Petróleo do mundo, a elite Venezuelana jamais preocupou-se em criar estrutura que diminuísse a dependência econômica do minério, em uma frágil visão curto-prazista, sem levar em conta a finitude deste bem natural. Sempre foi mais fácil importar do que produzir internamente!

Com a ascensão do Chavismo, diversos indicadores sociais tiveram melhora substancial: erradicação do analfabetismo, melhoria do sistema de saúde pública, elevação da qualidade do transporte público, criação de novas universidades, moradias populares, etc. Em 1998, os pobres representavam 43,8% da população, sendo que 17,1% em situação de pobreza extrema. Em 2013, os pobres representavam 27,3%, cuja situação de extrema pobreza caiu para 8,8% .

Contudo, do ponto de vista econômico, não houve superação do modelo anterior de dependência da riqueza energética e falta de planejamento de longo prazo.

Atualmente, a Venezuela vive uma grave crise econômica. Atribuída ao que denomina de “guerra econômica” praticada por setores do capital que estão gerando desabastecimento de produtos essenciais, o fato é que o governo também possui sua parcela de responsabilidade.

Com uma inflação galopante, câmbio desordenado e queda na cotação internacional do barril do Petróleo, viu suas reservas internacionais deteriorarem, no intuito de fazer frente às demandas mínimas de produtos que faltavam nas prateleiras dos supermercados. O governo chegou a solicitar à OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) que diminuísse a produção mundial para forçar aumento dos preços.

Agrava o problema, o fato de que o combustível no país é subsidiado ao consumidor final, que paga quantia simbólica. Modificar isso, no entanto, tem enorme custo político impactando na popularidade do governo. Trata-se de tema espinhoso, mas que precisa ser encarado de frente para melhoria da eficiência também no setor petrolífero.

Diferente do Brasil que possui uma matriz diversificada de produção, a dependência do Petróleo inviabilizou a formação de uma burguesia nacional produtiva na Venezuela. Não há grandes setores dinâmicos de caráter nacional que ajudem na superação dos impasses. A elite venezuelana, que obteve vultosos recursos no auge do “rentismo petroleiro”, sempre esteve mais voltada para Miami do que para resolução dos problemas que atingem a maioria do povo.

A falta de uma cultura campesina, em face de uma população quase que exclusivamente urbana, traz sérios problemas de segurança alimentar, onde grande parte dos produtos são importados para abastecer o mercado interno. Preocupado com isso, o governo tem adotado medidas através de cooperativas para minimizar a situação, inclusive com aquisição de maquinário, mas que ainda não surtiram efeito.

Não é à toa que a principal pauta de debates do Congresso da CBST foi a elevação da produtividade. Os trabalhadores sabem que a sustentação do processo revolucionário passa necessariamente pela superação da fragilidade econômica do país. Mesmo em um cenário de incertezas, merece destaque a aprovação da Lei Orgânica do Trabalho que traz uma série de direitos, a exemplo do combate à terceirização, proibição de dispensa imotivada e organização sindical, colocando a Venezuela na vanguarda da legislação trabalhista em nível global.

Para o Brasil há uma janela de oportunidades. No ápice da crise com o Paraguai, por conta do golpe parlamentar que depôs o então presidente Fernando Lugo, Brasil, Argentina e Uruguai tomaram a decisão de incluir a Venezuela como integrante do MERCOSUL. Antigo objetivo da diplomacia brasileira, a inclusão da Venezuela no Bloco significa a possibilidade de chegarmos ao Caribe, ampliando decisivamente nossas relações comerciais na região.

Oportunidade sobretudo para região Norte do Brasil, cujo custo logístico encarece demasiadamente os produtos que abastecem a região, bem como os que de lá são escoados. A proximidade de um parceiro comercial do porte da Venezuela abre uma janela de oportunidades para esse vasto território dos Estados do Norte.

Para termos ideia, está em curso operação piloto que pretende transportar 2000 toneladas de uréia da Venezuela para ser utilizada como fertilizante na plantação de soja em Roraima. Se der certo, haverá uma enorme redução do custo da produção, pois os atuais fertilizantes são oriundos de São Paulo há milhares de quilômetros de distância. O desenvolvimento de projetos produtivos na região são fundamentais para integração dos Estados de Bolívar na Venezuela, Amazonas e Roraima no Brasil.

Em meio a uma crise econômica internacional, enfrentar os gargalos apontados não são fáceis. O fato é que os próximos meses serão decisivos para o futuro do processo revolucionário no país, quando se avizinham eleições parlamentares. Em Marx, a economia sempre foi o motor da história, por onde ocorrem as erupções sociais e disputas de classe mais intensas. Nos parece que não será diferente agora!

Notas

BARROS, Pedro Silva. Chávez e Petróleo: Uma análise da nova política econômica venezuelana. Cadernos PROLAM/USP (ano 5 – vol. 2 – 2006), p. 209 – 237.

Ministério del Trabajo e Seguridad Social. Logros del gobierno Bolivari
ano junto al Pueblo trabajador en materia laboral y de seguridad social. Impresso. 2014
http://www.publico.pt/economia/noticia/venezuela-quer-medidas-da-opep-para-controlar-descida-do-preco-do-petroleo-1672577. Acessado em 14/11/2014

BARROS, Pedro Silva; PADULA, Rafael; SEVERO, Luciano W. A integração Brasil-Venezuela e o eixo Amazônia-Orinoco. In.: Boletim de Economia e Política Internacional. IPEA. N. 7, Jul/Set 2011. p. 40
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