“Interestelar”, sobrevivência ameaçada

Ficção científica do cineasta britânico Christopher Nolam mostra a catástrofe ambiental e a insustentável sobrevivência em outros planetas

A humanidade e sua necessidade de perpetuar-se como civilização e espécie é o tema deste “Interestelar”, ficção científica dirigida pelo cineasta britânico Christopher Nolan. O grande obstáculo é encontrar um planeta tão habitável quanto a Terra. Com esta premissa, ele dota sua narrativa de mistério, suspense e aventura ao longo de 169 minutos. E cerca-a de teorias evolucionistas, que dão sentido ao nexo de seres humanos, máquinas e Cosmo.

Elas se configuram nas inquietações do astronauta-aposentado Cooper (Mattew McConaughey). Viúvo, ele cuida da fazenda e dos filhos Murph (Mackenzie Foy), de 10 anos, e Tom (Timothee Chalamet), de 15. Mas os negócios vão mal e ele se contenta em estimular a filha a fazer elaborados cálculos matemáticos. Não bastasse isto, o planeta vive seus derradeiros instantes, devido às tempestades de areia, engendradas pela destruição do meio ambiente.

Nolan então divide sua narrativa em subtramas: I – Expedição liderada por Cooper, II – Luta pela sobrevivência no planeta. E como nos dramas policiais, o astronauta aposentado é obrigado a voltar ao trabalho, devido a um fato maior. A saída para salvar a Terra, segundo o cientista Brand (Michael Caine), chefe da Nasa, é enviar uma expedição a outra galáxia, para resgatar duas expedições com as quais perdeu contato. O restante é um enigma

Nolan usa didatismo para atrair espectador

Nolan é didático ao fazer o espectador entender as dificuldades dos astronautas e os termos científicos por ele usados. Dentre eles gravidade artificial, buracos negros giratórios, dilatação gravitacional do tempo e realidade de cinco dimensões (Veja sugestão abaixo). Durante a viagem de 23 anos, que se equivalem a dois após cruzar o Buraco de Minhoca, que comprime o tempo, surgem referências às Leis da Gravidade e da Relatividade, de Isaac Newton (1642/1727) e Albert Einstein (1879/1955), respectivamente, dando ao filme impactante realismo.

Kubrick antecipou técnicas e máquinas

São sequências em que a lógica se impõe e o espectador sente a plenitude da ciência, da arte cinematográfica e da validade dos efeitos especiais, usados por Nolan. Kubrick antecipou-o em “2001 – Uma Odisseia no Espaço” (1968), ao dotar o robô Hall de inteligência e de valer-se de elaboradas sequências do Cosmo e de naves orbitais, igual à atual Estação Espacial Internacional, buscando o equilíbrio homem/máquina.

No entanto o real objetivo da missão é uma incógnita. Nem Cooper nem a astronauta Amélia (Anne Hathaway), filha de Brand, ou qualquer outro membro da equipe o sabem. Ele emerge tão assustador que o espectador se vê num impasse. O sistema capitalista exauriu o meio ambiente e ele tem de substitui-lo por outro, destituindo-o de mercantilismo, individualismo, consumismo e lucro para a humanidade sobreviver em harmonia com a natureza até a extinção da Terra, daqui a 5 bilhões de anos.

Nolan trata assim de questões concretas. Para configurá-las, alterna sequências de fuga de milhares de pessoas ameaçadas pela tempestade de areia com os conflitos de Cooper e Amélia com o astronauta Mann (Matt Damon), sobrevivente das expedições anteriores. Durante discussão com Cooper, ele desmonta as veleidades da missão e por consequência o arcabouço criacionista da eternidade. O Cosmo é cheio de armadilhas, cada galáxia tem seu sistema, e neste estágio eles não incluem a humanidade.

Nolan torna o filme uma aventura espacial

Mas as exposições evolucionistas de Nolan cessam por aí. Isto se evidência na terceira parte, quando o filme se torna uma mescla de Flash Gordon, série dos anos 30, com a franquia policial Duro de Matar (1988). Ao escapar às pressas do Planeta Gelado, Cooper conduz a nave abalroada, como se fosse o detetive MaClane (Bruce Willis) em temerária corrida pelo espaço. Estas opções narrativas, porém, não são fortuitas, Nolan fecha a subtrama, fazendo Cooper cumprir a promessa feita à filha Murph.

Na verdade, o filme mostra a hesitação de Nolan em estruturá-lo como pura ficção científica, valendo-se das contribuições de Kubrick (o citado 2001), Robert Wise (O Enigma de Andrômeda, 1971), Andrei Tarkovski (Solares, 1972) e Brian De Palma (Missão: Marte, 2000). Daí a sensação de que Interestelar termine nas revelações de Mann e quando Cooper e Amélia escapam às pressas do Planeta Gelado.

Ainda que isto não corra, Nolan apresenta duas boas ideias na terceira parte: I – Murphy adolescente observada pelo pai, através de paredes virtuais; II – Murphy idosa (Ellen Burstyn) no leito de morte recebendo a visita de Cooper jovem aos 128 anos. Entretanto, estas sequências se perdem no desfecho, que remete aos velhos faroestes: o herói sempre salva a mocinha. Assim, o filme se torna uma miscelânea dramatúrgica, como se fosse “A Origem” (2010), agora no espaço.

“Interestelar” (Interstellar). Aventura Espacial. EUA/Reino Unido/Irlanda do Norte. 2014. 169 minutos. Música: Hans Zimmer. Fotografia: Hoyte Van Hoyte. Roteiro: Christopher Nolan/Jonathan Nolan. Direção: Christopher Nolan. Elenco: Mattew McConaughey, Anne Hathaway, Michael Caine, Jessica Chastain, Matt Damon.

(*) Acesse o endereço virtual e entenda o termos citados no filme: www.megacurioso.com.br/cinema/52398-entenda-alguns-conceitos-astrofísicos-de-interestelar.htm




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