Uma noite para quatro anos

Fosse apenas o auditório do Tuca apinhado e poderia se dizer que tinha gente pendurada no lustre, roubando a figura de Nelson Rodrigues para retratar jogos com casa cheia. Mas o que se viu na noite desta segunda-feira foi muito além: às 23h30, do lado de fora, tinha gente escorrendo pelos muros, tinha gente brotando das árvores.

Como muros e árvores não foram suficientes tinha povo escalando os gradis, empoleirando-se em pilastras, além dos muitos espalhados pelo meio-fio, suplicantes por uma nesga de visão da cena que ocorria – a presidenta Dilma, que da janela pulava e acenava para a multidão.

O que quero dizer é que o ato de intelectuais, artistas e juristas pró-Dilma, na simbólica PUC da resistência à ditadura, superou em muito uma reunião de ilustrados alinhados com um projeto de Nação. Descambou, no bom sentido, para uma grande festa popular, como se a Paulicéia gritasse que nem só de Telhadas e Felicianos se vive por estas plagas. Foi como se o paulista deixasse de ser ilha para reconhecer: “ei, nós é que não podemos desistir do Brasil”.

E como foi bonito ver jovens estudantes, recém-despertos para a política, lado a lado com a nata da velha guarda da esquerda, irmanados pelos sentimentos amor ao país e ao nosso povo.

E como foi madura a postura de lideranças que, legitimamente, optaram por caminhos diversos no primeiro turno, mas demonstraram a grandeza de deixar as divergências e buscar a comunhão para evitar o retrocesso político e econômico, o ódio de classe, tão cristalinamente representados na candidatura de Aécio. Homenagens à participação de Gilberto Maringoni, candidato ao governo paulista pelo PSOL, que ontem se somou às fileiras pela reeleição de Dilma.

E como foi digna e altiva a postura dos que enfrentaram a capitulação e foram capazes de honrar a memória de mártires. Todo o reconhecimento a Roberto Amaral, porque 74 anos de lutas não se podem vender, emprestar, alugar e nem jogar fora. Recebido aos gritos de “Arraes, presente; Dilma presidente!”, foi preciso ao dizer que ele (o ícone pernambucano) estava naquele auditório, mas não estava na posição majoritária, hoje, de seu partido.

Seria injusto pinçar alguns nomes para dar a correta dimensão sobre o ato de ontem, mesmo porque basta dar um Google para saber quem lá esteve. Prefiro fazer uma última menção, também pelo simbolismo: Luiz Carlos Bresser-Pereira. O renomado economista foi um dos fundadores do PSDB, foi ministro no governo de FHC. Desiludiu-se com a rendição tucana ao entreguismo e sua conversão à direita mais canhestra e, anos atrás, abandonou a legenda. Com honestidade intelectual, declarou abertamente seu voto no governo que privilegia os mais pobres internamente e defende a pátria frente os interesses das potências estrangeiras.

Um reencontro para o avanço

Que este emocionante reencontro de ontem sirva, sim, para ganhar a eleição.

Porque tudo o que o Brasil não precisa é interromper um projeto de desenvolvimento ora em curso para dar um salto ao passado. Tudo o que o Brasil não precisa é tornar vencedor alguém que encarna o obscurantismo, os sentimentos do submundo, os preconceitos de diversos matizes e sob as mais injustificáveis justificativas. O que o país menos precisa é afinar para os Estados Unidos e engrossar com a Bolívia e o Paraguai; é preservar lucro de banqueiro pagando a conta com desemprego do trabalhador; é cortar gasto social para fazer superávit. Enfim, o Brasil não precisa – e os brasileiros não merecem – da volta do PSDB.

Mas é preciso que este reencontro, além da vitória que há de vir, projete os compromissos do por vir. Que a corajosa presidenta, uma vez reeleita, possa reunir as forças e as energias para avançar nas pautas que precisam ser enfrentadas: o contraponto aos interesses do capital financeiro, a urgente democratização dos meios de comunicação, a inescapável reforma política que livre as eleições dos grilhões do poder econômico. Fico nessas, embora existam outras, mas que fariam do próximo um governo qualitativamente superior no que diz respeito aos problemas estratégicos.

Que esta memorável noite, no Tuca, seja uma noite para os próximos quatro anos.

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