“Ela Perdeu O Controle”, equilíbrio sob ameaça

Filme da cineasta alemã Anja Marquardt discute os limites do relacionamento terapeuta/paciente durante tratamento psíquico

Filme sobre as tênues linhas entre a ação terapêutica e a atração sexual revela os limites profissionais e pessoais no tratamento de pacientes. Enquanto o terapeuta mantiver o tratamento sob absoluto controle, não se deixando envolver, pode ajudar o paciente a romper seus bloqueios sexuais e afetivos. Mas ao não dominar suas próprias excitações, acaba fazendo emergir o que estiver no outro reprimido. E gerar incontornáveis conflitos entre ambos, com prejuízo para o doente.

São estes limites que a cineasta alemã Anja Marquardt aborda neste seu filme de estreia “Ela Perdeu o Controle”. Exibido na Mostra de Cinema Mundial – Indie 14, deste ano em Belo Horizonte, ele trata da relação da estudante de pós-graduação em psicologia comportamental e terapeuta sexual Ronah (Brooke Bloom) com seu paciente, o médico Johnny (Marc Menchaca) de um clínica de urgência.

Anja usa cortes rápidos, mudanças de ambientes, situações e personagens que dão impressão de incessantes flashbacks. Inclusive nas interferências do Orientador da tese de Ronah, que cobra as etapas do tratamento. Mas é desta forma que Anja mantém o centro do tema: a relação terapeuta/paciente e mantém o espectador atento.

Johnny não é ativo

Ela desdobra ainda o eixo central em fios sobre a vida pessoal de Ronah, suas fugazes relações amorosas e suas conversas com a amiga terapeuta Irene sobre Johnny. Este, ao contrário, só é mostrado em rápidas cenas no hospital onde trabalha ou numa sequência na calçada com suposta paciente, aumentando a curiosidade do espectador sobre o tipo de paciente que ele realmente é.

Entretanto, Johnny foge ao estereótipo do médico equilibrado, livre de recalques, obsessões e complexos freudianos. É sempre frio, incapaz de afeto, mantendo-se distante durante as sessões, como se Ronah fosse sua paciente e ele tivesse de diagnosticá-la. E o espectador percebe a crosta a ser rompida. Enquanto ela, extrovertida, procura envolvê-lo, sem externar intenções que indiquem aberturas para romper a barreira entre eles antes do tempo.

É uma boa construção cênica/dramatúrgica de Anja. O paciente resistindo a deixar-se atrair pela terapeuta; o homem fugindo à sedução da mulher, porém consciente de estar em tratamento. É este aparente jogo entre eles que torna este “Ela Perdeu o Controle” instigante, pois atrai o espectador para os métodos terapêuticos sexuais e comportamentais. Dando uma ideia do que ocorre nos consultórios, da intimidade construída pela terapeuta para atrair o paciente para sadias relações sexuais e afetivas.

Terapeuta constrói estudada intimidade

Principalmente se o paciente evolui dando a impressão de reagir positivamente ao tratamento. Isto traduz o poder e a influência do terapeuta sobre ele, levando-o para onde deve, sem perder a noção de seus limites. Porém são tênues limites em se tratando de sexo. A excitação entre homem/mulher, neste caso, quando o corpo supera a mente, termina se impondo. E o que não era para emergir explode com tal violência, que a carga de repressões revela os conflitos interiores soterrados.

Quando isto ocorre, exige experiente profissional, não o/a tateante que apenas se submete à tarefa. É nesta sequência que Anja demonstra sua capacidade de abordar tema de grande complexidade, num filme que poderia desandar na relação íntima Ronah/Johnny, e ela mantém a linha narrativa com desfecho à altura de seu propósito. E sem cair em facilidades dramatúrgicas, levando os personagens a inúteis choques pessoais.

Ela então abre um leque de questões que só psicólogos e psicanalistas podem responder a contento. Ao perder o controle, Ronah faz Johnny soltar seus demônios e surgir uma multiplicidade de recalques, repressões e neuroses. Ele, na verdade, vê a mulher como símbolo da pureza e rejeita vê-la como fonte de desejo, que, pelo contrário, toma a iniciativa e lhe dá prazer. Anja dá entender que Ronah superou uma fase e abriu outras.

Estas exigiriam dela outro tipo de técnica terapêutica, ferramenta que ela ainda não dispõe, por ser iniciante. Ainda não está madura para entender mecanismos que outros levaram décadas para entender. Ela, porém, sente-se culpada, derrotada em seu estágio de pós-graduação. A sequência de ela indo pela rua, desnorteada, sintetiza seu estado psicológico. Não passa, no entanto, de uma visão de si mesma perante o enorme obstáculo criado por “eu dilacerado”, cuja noção de doença é particular, quando devia ser coletiva por sair das entranhas do sistema capitalista, que a constrói com seus dogmas, fetiches e princípios.

Reich bem o explica: ”A moralidade funciona como obrigação. É incompatível com a satisfação natural dos instintos (..). A regulagem moralista cria uma aguda e irreconciliável contradição psíquica, i.e., a moralidade contra a natureza. Intensifica assim o instinto e este, por sua vez, necessita de uma defesa moral aumentada. (E) Impede uma circulação eficiente da energia no organismo humano (…) “. Não é difícil decifrar. (*)

“Ela Perdeu o Controle”. (“She´S Lost Control”). Drama. EUA. 2014. 90 minutos. Fotografia: Zach Galler. Montagem: Nick Carew, Anja Marquardt. Roteiro/direção: Anja Marquardt. Elenco: Brooke Bloom, Marc Menchaca.

(*) Reich, Wilhelm, A Função do Orgasmo, Brasiliense, 1975, pág.159.

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