O debate sobre grandes fortunas precisa ganhar as ruas

A gritaria conservadora despertada pelo anúncio de que o governo poderia adotar a CPMF demonstrou mais uma vez a velha e sabida verdade sobre as classes dominantes brasileiras: rico não paga impostos e usa todos os recursos de que dispõe para manter esta situação privilegiada.

São sobretudo especuladores financeiros. Representam uma parcela mínima da população e abocanham parcela enorme da riqueza produzida pelos trabalhadores e empresários da produção.

Dados divulgados recentemente pelo analista Saul Leblon mostram o tamanho exíguo dessa parcela privilegiada da população: no topo da riqueza estariam 71 mil pessoas (ou 0,03% do total dos brasileiros).

A renda desta minoria é escandalosamente alta: algo como 160 salários mínimos – ou R$ 126 mil! – por mês.

No conjunto, a fortuna dos ricos brasileiros soma inacreditáveis US$ 1,4 trilhão (ou cerca de R$ 5 trilhões, ao câmbio atual). A pequena parcela de 0,03% de ricaços detém 14% da renda total, e quase 23% da riqueza financeira (ações, moedas, aplicações, títulos públicos, etc.).

São vice-campeões mundiais em sonegação de impostos (os campeões são seus congêneres russos, que pilharam as empresas estatais depois do fim do socialismo e da União Soviética).

Calcula-se que o valor do imposto que sonegam ultrapassa 13% do PIB brasileiro. Entre os campeões estão grandes empresas que deixaram de pagar R$ 723,3 bilhões; juntas, elas são menos de 1% das pessoas jurídicas em atuação no Brasil.

A discussão sobre a CPMF inclui, inevitavelmente, a imposição do debate e denúncia dessa situação que é única no mundo. Os ricos brasileiros recusam-se mesmo a pagar uma taxação que, como a CPMF, contribuiria com uma parcela irrisória de seus ganhos extorsivos para fortalecer o atendimento de saúde para o conjunto da população.

É um quadro nefasto, herdado do passado e que hoje, no liminar do 3º milênio, mantém situações de privilégio típicas do período colonial e escravista. Esta é a verdadeira questão que precisa ser discutida pelos brasileiros em busca de soluções que favoreçam o desenvolvimento do país e o bem-estar de toda a população.

O economista Amir Khair calcula que a taxação das grandes fortunas (prevista pela Constituição de 1988 mas até agora, 27 anos depois de sua promulgação, não regulamentada) poderia render R$ 100 bilhões por ano em recursos para o governo federal – é muito mais do que os valores do ajuste fiscal promovido pelo governo, que envolve algo em torno de R$ 80 bilhões.

O governador maranhense Flavio Dino (PCdoB) tomou a iniciativa, logo no início de seu mandato, de criar taxação semelhante. Deu um exemplo não só aos demais governadores, mas sobretudo ao governo federal.

No Congresso, a bancada comunista na Câmara dos Deputados tomou iniciativa semelhante e propôs a criação de um imposto sobre grandes fortunas que a líder Jandira Feghali defende que seja destinado ao Fundo Nacional de Saúde.

No Senado está em tramitação o projeto do senador Paulo Paim (PT-RS) para taxar patrimônios ou heranças superiores a R$ 50 milhões.

São iniciativas que a presidenta Dilma Rousseff tem apoiado e pode, com isso, se reaproximar dos movimentos sociais e os partidos de esquerda da base do governo.

Contudo, a especulação financeira e seus porta-vozes da mídia conservadora têm tido maior eficácia em defender suas posições e privilégios.

Contra eles e em busca de um avanço real e significativo na sociedade brasileira, o debate do escândalo representado pelas grandes fortunas e seus privilégios precisa ganhar as ruas.

Os brasileiros precisam ser esclarecidos sobre estes privilégios insustentáveis e a respeito das mudanças legais necessárias para extingui-los.

Ao ganhar as ruas este debate poderá colocar os defensores do privilégio e da especulação na incômoda situação de serem obrigados a rasgar suas máscaras. E revelar que, ao combater as mudanças, defendem não os interesses de todos, mas apenas a manutenção de seus mesquinhos interesses e privilégios particulares.