A aliança estratégica entre Brasil e China e seu impacto no mundo

Os 35 acordos bilaterais entre Brasil e China, assinados nesta terça-feira (19) pela presidenta Dilma Rousseff e pelo primeiro-ministro Li Keqiang, têm um significado que vai muito além de uma parceria comercial e econômica, embora este seja, sem dúvida, um aspecto fundamental.

Apenas o acordo firmado entre os bancos de Desenvolvimento e de Comércio da China com a Petrobras vai garantir um aporte de US$ 10 bilhões.

Destaca-se o compromisso chinês de investir na Ferrovia Transcontinental, que irá cruzar o nosso país no sentido Leste-Oeste, cortando o continente sul-americano, ligando o Oceano Atlântico ao Pacífico.

Esta obra não só abrirá caminho para um imenso incremento das importações brasileiras para a Ásia, como contribuirá decisivamente para a integração da América Latina.

O primeiro-ministro chinês também estará na Colômbia, no Peru e no Chile onde tratará com estes países sobre a cooperação em setores de mineração, energia, agricultura, finanças, ciência, tecnologia, aeronáutica e infraestrutura.

Recentemente, quando a Argentina estava sendo atacada pelos chamados fundos “abutres” (rentistas que pagam um valor irrisório por títulos da dívida de um país e depois exigem receber do governo que emitiu os títulos o valor de face do papel, mais juros e multas), a China emprestou ao governo de Cristina Kirchner US$ 7,5 bilhões para investimento em hidrelétricas e ferrovias.

Na Nicarágua, em parceria com o governo local, a China constrói um canal 3,5 vezes maior do que o canal do Panamá. Será mais uma passagem do Atlântico ao Pacífico, desta vez controlada por uma concessionária chinesa e pelo governo nicaraguense. A pedra fundamental da obra, orçada em US$ 50 bilhões, foi inaugurada em dezembro último e a previsão é que o canal esteja concluído em 2020.

Em janeiro deste ano, representantes da China e dos países da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), reunidos em Pequim, firmaram um compromisso de ampliar o comércio e os futuros investimentos entre a China e os países da Celac. A meta prevista para o comércio é de US$ 500 bilhões e os investimentos recíprocos devem alcançar US$ 250 bilhões em dez anos, com ênfase especial em alta tecnologia e produção de bens de valor agregado.

Não se pode deixar de ter em conta o importante impacto geopolítico desta presença chinesa no Brasil e em nosso continente.

A América Latina foi considerada, durante séculos, uma espécie de quintal dos EUA, que através de estratégias as mais diversas, garantiu sempre que seus interesses fossem esmagadoramente hegemônicos na região.

Com o fim da guerra fria, ganhou forte impulso o sonho estadunidense de um mundo unipolar, onde a vontade imperial seria lei. O ambiente político, com o fim da URSS e do campo socialista na Europa, permitia planos de uma neocolonização aberta, expressa pela tentativa de implantação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), assim definida pelo general norte-americano, Colin Powell: “O nosso objetivo com a Alca é garantir para as empresas norte-americanas o controle de um território que vai do Polo Ártico até a Antártida”.

Em 2002, com a vitória das forças progressistas no Brasil, um novo rumo foi delineado. Até então a “parceria estratégica” com a China era tão somente uma retórica diplomática.

Em 2004 o então presidente Lula visita a China, declarando na ocasião: “Dois gigantes como China e Brasil, sem contenciosos históricos, sem divergências históricas, estarão livres para pensar apenas no futuro (…) queremos dar um salto qualitativo nessa relação estratégica. Queremos uma parceria que integre nossas economias e sirva de paradigma para a cooperação Sul-Sul”.

Foi criada, neste mesmo ano, a Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban).

Este rumo enfrentou grandes resistências. Todo dia a mídia empresarial brasileira repetia críticas à “diplomacia sul-sul”, ou a “diplomacia terceiro-mundista”.

Em 2009 a China torna-se o maior parceiro comercial do Brasil. Nesse mesmo ano, Lula volta à China, onde depois de reunião com Hu Jintao, então presidente chinês, proclama-se oficialmente “o ainda maior significado do contínuo adensamento da Parceria Estratégica, na atual conjuntura internacional de grande complexidade” e decide-se “que será elaborado um Plano de Ação Conjunta entre os dois governos, a ser implementado no período 2010-2014, que contemple, de forma abrangente, todas as áreas de cooperação bilateral existentes”.

Agora, quando os acordos assinados por Brasil e China trarão para investimento em infraestrutura mais de US$ 50 bilhões, os críticos encontram-se em posição delicada.

Cada vez mais vai ficando claro para os EUA e seus serviçais brasileiros, que a América Latina não aceita mais ser quintal de ninguém. Não é outro o motivo que leva Obama a flexionar a histórica intransigência com o governo socialista de Cuba, em uma tentativa de se reposicionar.

Em seu discurso na cerimônia da assinatura dos acordos com a China, na presença de toda a imprensa e do primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, Dilma ressaltou o caráter geopolítico da parceria, apontando que os dois países concordam sobre a necessidade da reforma em organismos internacionais que “não refletem ainda em sua governança o peso dos países emergentes”. Trata-se, portanto, da construção de uma nova ordem global, sendo o Brics um importante ator neste cenário.

Assim, além de oportunidades econômicas mutuamente benéficas, uma importante dimensão da parceria estratégica do Brasil e da América Latina com a China é que ela representa uma valiosa contribuição para viabilizar um ambiente internacional multipolar e refratário ao imperialismo, onde as relações internacionais sejam cada vez mais baseadas no respeito à soberania das nações, buscando isolar ingerências ilegais respaldas pela força de qualquer nação que se arvore em xerife do mundo.