Velhos jovens

"Não sobreviveremos a nós mesmos", dizia o músico sul-africano Dave Matthews, em seu último disco, Away From The World, de 2011. E foi essa a verdade que caiu feito louça em ombros de concreto. De que adiantam tantos medos, tantas desmesuras? De que nos adianta esquecer de nossa finitude querendo coisas para sempre? É razoável que deixemos o carinho e a amizade, com quem esteve um dia a cuidar de família, casa, trabalho e tudo mais que a modernidade nos impõe, para depois?

Envolvido ao limite com essas coisas de ano novo, dei-me por distante dos meus velhos. E foi um choque revê-los. Choque pela própria ignorância de perder um ano sem encontrá-los, choque pelo que um ano, pouco mais, pouco menos, possa fazer na vida de quem já viveu muito a própria vida.

Quando digo meus velhos, amigo leitor, não pense somente nos pais – meus velhos são todos os velhos mais velhos do que eu e os quais ainda estimo quase como meus pais e avós. Gente que vi transformar o mundo, lutando com suas forças maiores para que esse mundo, o seu próprio, bem como os demais, seguisse a perpetuação da espécie, na forma mais razoável possível. Sim, meus velhos foram lutadores de suas causas, em épocas onde as melhores causas eram as nossas próprias, ainda que ausentes de utopias. O que talvez ainda não tenha mudado.

Eu os considero sobreviventes. Eles que conviveram com muito dos que agora mortos estão, perdidos no distante eterno que não retorna. Todos entranhados em lembranças de fotografias descoloridas e naquele tradicional preto-e-branco esmaecido, que nos mostram emocionados com a mão trêmula e enrugada. Gente que a imagem dependurada na parede, nada diz do que um dia foi, muito menos do que pensava naquele instante, da foto gravada depois de longo preparo e postura sisuda. Não se sorria para fotografias nos tempos deles.

Nossos velhos, infelizmente, aos poucos, e de uma forma natural, vão se perdendo dentro de si, como aos poucos parecem esquecer de quem somos, os netos, sobrinhos, filhos, amigos. Esquecem de quem são, professores, músicos, médicos, pais e mães de todos que antes deles vieram. E a descoberta, de que salvo fatalidades ou doenças agressivas, seguiremos na mesma vereda, nos coloca quase à nocaute.

Mas o mundo segue seu rumo, apesar de nós, apesar de nossas preocupações. Talvez não seja para tanto, pura exageração de um jovem, de um guri, como minha velha tia disse. Talvez. E assim, quem sabe, devamos descontrair o concreto dos ombros e voltar a vê-los mais seguido. Esquecer do roteiro e improvisar uma visita. Dar um olá, almoçar juntos. E nada melhor do que mostrar para os jovens filhos como se faz. Caberá a eles, pois, entender e dar conta do valor do que apressada e inadvertidamente vilipendiamos. Pois seremos, todos, os velhos de nossos próprios e irresponsáveis jovens.

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