Governabilidade

Há 30 anos eu lançava meu primeiro livro de charges políticas, uma coletânea de trabalhos publicadas no Jornal Diário do Grande ABC, com o título “A Transação da Transição”. O livro retratava o delicado período em que vivíamos saindo de um regime autoritário e tentando entrar na democracia.

O custo era alto, as regras e imposições para que isso acontecesse não foram fáceis, tivemos que abrir mão das eleições diretas e engolir um colégio eleitoral que acabou elegendo Tancredo Neves e José Sarney, presidente e vice do Brasil.

Aquela transição frustrou milhões de pessoas que saíram às ruas exigindo eleições diretas. Foi uma grande derrota do povo brasileiro, que teve que engolir um presidente eleito de forma indireta após 20 anos de ditadura e, além disso, após sua morte, assegurar a posse do um vice, na época, impopular.
Foi o preço pago para sair da ditadura sem um confronto maior.

Nestes mais de 30 anos de democracia, pude perceber que algumas sombras e temores desse período de transição ou fantasmas daquela triste dor de ganhar as ruas, caso das Diretas Já e a derrota no colégio eleitoral, ressurgem com força, principalmente em períodos pós-eleitoral presidenciais no Brasil.

O interessante e que até o vocabulário usado naquele período se repete. Frases como: “se não negociarmos não haverá governabilidade” ressurgem nesses períodos, enfim, é como se estivéssemos eternamente pedindo licença para exercer aquilo que a democracia e as urnas outorgaram desde que voltamos ao regime democrático.

Não me preocupa um bando de lunáticos, que se tivessem consciência do que significou 20 anos de mortes, torturas, desaparecimentos e autoritarismo, não estariam pedindo a volta da Ditadura. Preocupa-me sim setores de um Governo, legitimamente eleito por mais quatro anos para dirigir o país com ou sem crise estarem, por vezes, preocupados com uma possível crise de governabilidade.

Estes democraticamente eleitos têm a legitimidade, o dever e a responsabilidade de governar independentemente das circunstâncias, afinal, foram eleitos para isso e pronto.

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