Votos brancos e nulos interessam aos trabalhaores?

A existência de dois turnos nas eleições é um mecanismo da democracia representativa no capitalismo para que possamos escolher aquele que reúne as melhores condições políticas, de acordo com o rumo que queremos para determinado país.

Pode-se concluir que nenhum daqueles que chegou à disputa final merece a confiança do eleitor. Este linha de raciocínio tem sido reforçada com o argumento de que as candidaturas, especialmente as que chegaram ao segundo turno das eleições para a Presidência da República no Brasil de 2014, são iguais e representam o mesmo projeto. Porém, na luta política de classes, em especial para aqueles que defendem caminhos de avanço e mudanças, qualquer um que desconsidere a correlação de forças nos embates, tende, na prática, a auxiliar as forças conservadoras, justamente aquelas que mais acredita combater.

Na conjuntura atual, marcada ainda pela ofensiva mundial do neoliberalismo e de domínio do capital rentista e financeiro, o voto nulo ou em branco é decorrente da confusão política sobre os campos em disputa [1], portanto, de uma “leitura” que iguala Dilma Roussef e Aécio Neves no mesmo campo. O voto nulo é uma aliança implícita entre o protesto sem consequências daqueles que nas Jornadas de Junho de 2013 clamavam contra as bandeiras partidárias, com provável impacto negativo na resistência da América Latina.

Não me refiro aqui explicitamente ao componente fascistizante que ganhou força no ano passado e que se expressa em defesa da campanha do candidato do neoliberalismo conservador, sobretudo através das redes sociais. Aliás, nos anos 1990, quando dizia que o avanço do projeto neoliberal não prescindiria do fascismo, fui chamado elegantemente por alguns colegas da academia de "alarmista". Ora. sabemos que na crise do capitalismo, como bem vimos no século 20, com exemplo mais importante na República de Weimar, conjunturas como estas são a ante-sala do fascismo, alternativa do capital para resolver suas crises. Quando vemos este tom até na campanha eleitoral do Brasil atual, a reação a isto deve vir de todos aqueles que não compactuam com a barbárie nazi-fascista!

Assim, se o Brasil se tornou a sétima economia do mundo, com um crescimento maior que a média das maiores economias, em uma conjuntura de grande crise do capital (a maior desde 1929), começamos a ter um diferencial de escolha. Não porque a macro política econômica teve mudança de curso nos últimos 12 anos, nem por que se rompeu com a lógica perversa do superávit primário, pois os governos de Lula e Dilma não intentaram com tal propósito, mas porque, com oscilações, no lugar de aumento geral das taxas de juros, tivemos diminuição das mesmas taxas (as menores desde a década de 1970), senão de onde sairiam cerca de quase 6 milhões de novos empregos somente no governo Dilma? De onde se possibilitaria uma inflação dentro das metas suportáveis com aumento de políticas sociais de inclusão e proteção social que tirassem pessoas da linha da pobreza extrema e indicassem o Brasil fora do Mapa da Fome?

Mesmo que o grande capital rentista e sua genética especulação não tenham perdido com a exploração no Brasil, é certo que os capitalistas não toleram o aumento da renda do trabalhador, se tornando mais simples entender por que a maior parte da burguesia brasileira comprometida com o capital externo têm se aliado ao PSDB e seus candidatos aos governos da República e dos estados. Assim, como se entende os setores reacionários da chamada classe média, braço político das nossas classes dominantes, sobretudo desde os ataques a Getúlio Vargas e João Goulart, a mesma parcela da classe média que foi às ruas para marchar pelo Golpe de 1964 e aplaudiu a Ditadura e seu “milagre”, defendendo a política de poupança falsa baseada no endividamento externo que se consolidou entre os finais dos anos 1960 e início dos anos 1970.

Com todos os limites possíveis, reiterando que vivemos a maior crise do modo de produção capitalista neste século, e não ousem falar de manipulação dos dados do IBGE e IPEA, de 2002 para 2013 aumentaram os índices de salário mínimo e salário médio, de salário per capita por família, de pessoas com vínculos formais de trabalho, de beneficiários da previdência social e de gastos com políticas sociais em relação ao Produto Interno Bruto (PIB).

Na mesma mão disso tudo, diminuíram todos os índices de desemprego e das taxas de pobreza, assim como melhoraram outros indicadores sociais. Por exemplo: na saúde, aumentaram significativamente os números de procedimentos ambulatoriais, de atendimentos na atenção básica e na atenção especializada, além da esperança de vida, tendo, em contrapartida, diminuído as taxas de mortalidade infantil; na educação, cresceram os números de matrícula nas escolas técnicas federais e na rede pública de ensino superior, bem como a frequência a escola na idade de 5 a 17 anos, inclusive superando todos os marcos dos Índices de Desenvolvimento de Educação básica (IDEB) anteriores a 2003; no desenvolvimento urbano, somente no Programa “Minha Casa Minha Vida” de 2011 a 2013, foram construídas 1,5 milhão de moradias; no desenvolvimento agrário, somente em relação ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), comparando os investimentos de 2002-2003 com 2012-2013, dobraram uma vez e meia [2].

Então, como não comparar ao Brasil de antes de 2003 com o de agora? Como não olhar no retrovisor Sr. Aécio Neves?

Justamente para confundir os eleitores, principalmente uma geração de jovens trabalhadores que entrou para o mercado de trabalho nestes últimos doze anos, assim como uma geração de estudantes que passou a votar recentemente e desconhece os efeitos de longo prazo das políticas neoliberais, sendo assustada por taxas de inflação pequenas, mas ainda persistentes.

E porque são confundidos? Precisamos aprofundar as razões, mas tenho argumentado que, hoje, ao menos no Brasil, o principal aparelho hegemônico e privado de Estado têm sido os meios de comunicação, exemplificado pela maioria das grandes revistas de circulação semanal, bem como os jornais e telejornais diários, justamente aqueles a serviço do grande capital rentista.

Em seu livro “Aparelhos ideológicos de Estado”, o pensador Louis Althusser defendeu, ainda nos anos 1960, que a educação era o principal aparelho privado de hegemonia. Ouso dizer: que bom que fosse ainda! Talvez, ao referendar uma obra de quase 50 anos deste filósofo, estejamos reforçando o que ele dizia sobre a França de 1960, mas penso que esta hipótese não corresponde mais à realidade, ao menos brasileira.

Mais grave ainda para a democracia, mesmo a burguesa, é constatar a assertiva de outro filósofo, Antônio Gramsci, quando dizia sobre os momentos de crise dos partidos políticos das classes dominantes, uma tese que se adequa bem ao panorama político brasileiro atual, ou seja, a ideia de que quando estes partidos não conseguem pautar a política, seu papel é transferido para a imprensa.

Pois então, quando partidos políticos como PSDB, DEM e outros são dirigidos pelo discurso da grande mídia, com caráter desinformativo e até golpista, a frágil democracia brasileira é que corre sério risco. É só observar as pautas dos debates eleitorais, tanto televisivos como radiofônicos, patrocinadas pelas grandes redes de comunicação no Brasil de 2014. Temas como a corrupção e a violência são tratados de forma despolitizada, direcionando os mesmos para a lógica conservadora. Quando se fala em mudança via reforma política, pelo fim do financiamento privado de campanha e lista de candidatos para fortalecer os partidos, são estes mesmos setores da mídia e seus partidos no Congresso os primeiros a desqualificar as propostas, escondendo os interesses dos corruptores e de um sistema eleitoral que gera a essência da corrupção, mas que ardilosamente coloca a responsabilidade no corrupto, em particular, e na política, em geral. Quando se fala em mais educação e saúde para na ponta inicial das políticas de segurança pública serem diminuídos os índices de violência, só que o liberalismo conservador tem a oferecer é a construção de mais presídios e redução da maioridade penal, bem ao encontro de uma das propostas defendidas por Aécio Neves nestas eleições.

Tempos sombrios são estes em que a mídia hegemônica pauta a política, falando de violência para aprofundar a cultura do medo e propor políticas de segurança pública que culpabiizam os pobres e os trabalhadores e têm como saída apenas mais encarceramento, quando o tema da corrupção se torna central enquanto se criminaliza a política e nada se propõe para penalizar os corruptores!

Para aqueles que ainda acham que a luta de classes é coisa do tempo da Era do Gelo, quando ela se manifesta assim tão conservadora na política institucional e na disputa eleitoral, ainda mais quando os meios de comunicação se tornaram os verdadeiros partidos das classes dominantes, torna-se mais fácil perceber que o neoliberalismo é renitente e porque o capital não deixa espaço vazio na política. Então, porque os trabalhadores teriam que deixar este campo apenas para os “candidatos burgueses”? Lênin, em relação à luta parlamentar, já advertira em “Esquerdismo, a doença infantil do comunismo”: “A infantilidade de ‘negar’ a participação no parlamentarismo consiste, exatamente, em que com esse método tão ‘simples’, ‘fácil’ e pseudo-revolucionário querem ‘resolver’ a difícil tarefa de lutar contra as influências democrático-burguesas no seio do movimento operário e, na realidade, a única coisa que fazem é fugir de sua própria sombra, fechar os olhos diante das dificuldades e desembaraçar-se delas apenas com palavras. Não há dúvida de que o arrivismo mais desavergonhado, a utilização burguesa dos postos no parlamento, a gritante deformação reformista da ação parlamentar e a vulgar rotina pequeno-burguesa são traços peculiares, habituais e predominantes, engendrados pelo capitalismo em toda parte, e não só fora como também dentro do movimento operário. Mas o capitalismo e o ambiente burguês por ele criado (…) engendram inevitavelmente em todas as esferas do trabalho e da vida, no fundo, o mesmo arrivismo burguês, o mesmo chovinismo nacional, a mesma vulgaridade pequeno-burguesa, etc., com insignificantes variações de forma”. [3]

Vale o mesmo para os trabalhadores e a disputa eleitoral, sobretudo num país como o Brasil, em sua fase final de disputa para a Presidência da República, ainda distante da fase de luta pelo poder.

Por isso mesmo, o voto nulo, diante das forças políticas e sociais em luta, é um perigoso erro político e mais uma possível traição aos interesses dos trabalhadores. A posição de neutralidade, estruturada pela retórica pseudo-radical e moralista, significa, objetivamente, a tomada de partido por aquele projeto que levará mais água ao moinho do principal inimigo dos brasileiros na atualidade: o neoliberalismo e suas propostas de desmonte do Estado com diminuição do papel indutor de crescimento dos bancos públicos, de redução dos salários, de desemprego e de submissão unilateral ao imperialismo.

Sabemos que a eleição não é o limite da democracia que queremos. Mas, aos movimentos sociais que não se pautam pelos temas e ritmos impostos por uma espécie de “lacerdismo” despolitizado cujo objetivo é colocar a classe média e os trabalhadores a mercê de projetos que não são os seus, resta o caminho da opção consciente entre o programa que mais fará avançar, ou no mínimo resistir a um projeto contrário de luta para as mudanças que tanto necessita no nosso País.
É neste sentido que o voto nulo não interessa aos trabalhadores, apenas à Casa Grande e à Casa Branca. Nem na escolha do Presidente, nem na escolha do governador.

Por isto e muito mais, no Brasil sou Dilma e no Rio Grande do Sul sou Tarso Genro!

Referências

[1] Este parte inicial do artigo, retoma e atualiza argumentos defendidos em outro artigo por este autor, no processo eleitoral brasileiro de 2006. Cf. Voto nulo: festa na casa-grande. In. A Razão, Santa Maria, 23 de outubro de 2006, p. 4.

[2] As informações gerais apresentadas acima foram melhor desenvolvidas e com quadros de percentuais, no artigo “O modelo de desenvolvimento proposto por Lula e Dilma”, escrito pelo professor de economia da UFRJ, Ricardo Bielschowsky, Disponível em: http://brasildebate.com.br/o-modelo-de-desenvolvimento-proposto-por-lula-e-dilma/. Acesso em 22 de out. 2014.

[3] Ver a versão on-line do texto de Lênin, na na seção Biblioteca Marxista do Portal Vermelho. Disponível em: http://www.vermelho.org.br/biblioteca.php?pagina=doenca.htm. Acesso em 22 de out. 2014.

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