Algumas palavras sobre cultura e política (parte 10)

A primeira parte da série, voltada às provocações sobre as jornadas de junho, vai chegando aos seus últimos momentos com a avalanche de questionamentos, esvaziando intenções, ideologias e máscaras, para análises mais aprofundadas.

Apesar das tantas causas sociais legítimas, não existe outra definição mais clara do que “massa de manobra” para classificar determinada camada das multidões de junho (2013) e seus caminhos percorridos cegamente. E a razão pela qual não reagem os cidadãos em favor de seus próprios discursos, mas, ao contrário, assimilem as falas de outros, é a ausência de consciência política, fruto da educação e mídia brasileiras que promovem alienação propositadamente. E não pensem que estou falando do público do bolsa família, estou falando mesmo é da classe média.

Enquanto isso, as multidões herdeiras da “primavera” de junho (a ampla maioria, Yellow Blocs, Coxinhas, etc.), se entregam a banalidade e obscenidades das redes, em meio às eleições que surgem com quase nenhuma novidade política.

Apesar de muitos “lideres” das “multidões” serem candidatos, pegando carona na exposição dos “megafones” e nas caras pintadas de verde e amarelo, seus discursos são tão novidade quanto a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” e contra o comunismo de 1964, que justamente se repetiu em 2014 pelas mãos de certas alas dos manifestantes de 2013. Candidatos, ao final, alinhados com as mesmas forças já presentes no tabuleiro.

Diante disso, como pode ser encarada uma nação onde a sociedade se levantou para se manifestar nas ruas e depois nas redes sociais, quando candidatos mudam pelas mãos da “divina providência” (ou da CIA), e agora se depara com o mesmo quadro político, conservador, anterior às manifestações? A conclusão que se chega é: realmente, não temos aqui ainda um “PODEMOS” espanhol (TSAVKKO) ou M5S italiano (CAVA) como alternativa para um levante que proponha alternativas para a política nacional.

O “Outono/Inverno Brasileiro” pecou não pela falta, mas pelo excesso de agendas políticas que, não sendo mais claras e não tendo maior definição de causas e estratégias, como pretendidas pela dita “quarta força” (Universidade Nômade, 2014), acabaram entregando todas estas “forças”, a potência das multidões que, ao final, se revelaram “coxinhas”.

Ou vamos acreditar que as catástrofes (sociais, judiciárias, econômicas, políticas, aéreas) ocorridas mudam realmente algo no quadro político preexistente? Sim, para os candidatos nas eleições presidenciais de 2014. Mas diante do avanço das forças conservadoras ocupando o centro do espectro político, mudou algo para as massas?

Tanto barulho fizeram ativistas, com olhos para manifestações, ocupações, transportes e Copa do mundo, esqueceram de se estruturar política e partidariamente para se apresentar como opção das vozes das ruas (como fez a ala à direita). Como bem lembrou um camarada na página Bakunin Suspeito, ao ressuscitar também Errico Malatesta (Cf. Cadernos Anarquistas, ORL, 2010), até o anarquismo requer organização. Mas a maioria dos movimentos localizados, dentre os mais de 100 observados, operam na lógica individual, egoísta, ou como pequenos grupos, buscando vantagens (OLSON, 2011), enquanto alguns poucos traçam ações e linhas ideológicas voltadas a coletividade.

Precisou de uma evidente quebra de liberdades individuais, prisões, factoides diários da mídia golpista, acidentes suspeitos com candidato à presidência, e o medo do Estado de exceção, para que voltassem a refletir sobre os rumos da democracia? Agora os grupos sociais investigados, reprimidos, após o choque de realidade, buscam por “recomposição dos movimentos” (CAVA), organizam-se, procuram salvação nas novas formas de lutas por direitos em grupos mais horizontais. “Multidões” que atendem ao chamado das ruas, que clama pela “radicalização da democracia”, o que ocorre em zonas autônomas e distantes das “massas”, tanto quanto forem mais intelectuais e utópicas. Portanto, utopias localizadas fora do quadro superestrutural, constituindo-se como heteropias, na concepção de Foucault. Zonas com relativa autonomia, em que grupos buscam transformações para si mesmos.

Então, para quem se levantou por conta de agendas políticas especificas, é possível achar que em meio a um enorme conjunto de interesses, sejam eles as causas egoístas, infantis, anarquistas, irresponsáveis, conservadoras, governistas, algumas delas, de fato, dialogam com a realidade, na dimensão total dos riscos sociais e políticos existentes?

Diante disso, os Black Blocs foram subversões contra o sistema opressor ou “inconsequentes passatempos que o capitalismo autoriza fora do tempo da escola e da fábrica”? (MATTELART, NEVEU, 2006, p. 66). Diante da crescente opressão da plutocracia global, nunca foram tão necessários levantes “populares”, mas pensam assim os manifestantes? As ruas se levantaram mesmo em prol das causas “comuns”? O sistema financeiro internacional foi o foco dos manifestos ou foram apenas disputas por vantagens e poder dentro do sistema político existente?

Diante de discursos e material de propaganda importado (fabricado), as massas precisam encontrar suas próprias razões e falas. O reencontro dos movimentos sociais com a dimensão de seus reais problemas podem se materializar, diante de tantas causas específicas e interesses incomuns? A liberdade parece-lhes um chamado suficiente, ainda que este sonho almejado seja para alguns uma causa hedonista, e que para outros uma repetição histérica, em que a simples disputa pelas ruas, se torna apenas um ocupar, por “ocupar”? Onde a maioria das pessoas presentes nas “multidões” se revelam ativista de sofá, ou cidadão de quatro em quatro anos, questionar o sentido das massas, da participação e dos efeitos da democracia revela-se uma reflexão urgente.

Quem são as multidões, que lutam pelo direito de existir, através de valores como: comprar, reclamar nas redes, sentar no sofá e comer fastfood? É só isso que querem? A que redução o povo foi submetido dentro da democracia em um regime capitalista? Alternativas de governo mais justas e democráticas existem? O que perdem as massas além de seus grilhões virtuais expressos nas ditaduras de suas “timelines” e da curvatura marcada do corpo na poltrona? Quando vão se levantar realmente por uma causa absolutamente orientada ao bem comum? Alternativas políticas precisam ser encontradas.

O entendimento do que representam as jornadas de junho de 2013 irá exigir mais pesquisas aprofundadas que precisam retornar às origens dos debates nas questões referentes a democracia e participação, assuntos que retomaremos nesta série na próxima etapa.
AGAMBEN, Giorgio. Palestra Pública em Atenas: Por uma teoria do poder destituinte. (2013)
BAUMAN, Zigmunt. Modernidade e ambivalência. Rio de Janeiro: Zahar (1999)
O Cafezinho. Ditadura do PT? (2014)

CHOMSKY, Noam. Mídia terrorismo e (des)informação. (2003)

MATTELART, Armand; NEVEU, Érik. Introdução aos Estudos Culturais. São Paulo. Parábola. (2006)

UNIVERSIDADE Nômade. A Copa do Amarildaço. (2014)

ŽIŽEK, Slavoj. O casamento entre democracia e capitalismo acabou. (2011).

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