A estrutura repressora 

Como apresentado nos artigos anteriores, o Estado moderno, na busca da organização racional, avança no sentido de métodos de administração e classificação cada vez mais distante das realidades sociais.

Essa introdução, seria uma das mais sutis descrições da máquina de repressão, e até por isso, sugiro não uma verificação dos pressupostos desse poder exercido pelo Estado, pois isso já foi feito por Maquiavel, Hobbes, Weber, dentre outros – que deram definições que já se tornaram populares –, mas, ao contrário, tratamos dos efeitos do poder em seus significados e formas adotadas no processo de coerção social.

Com o avanço dos estudos referentes ao Estado, em diferentes correntes que tentaram afirmar como “são”, enquanto outros tentaram dizer como “deveriam ser”, ocorreu também a necessidade de estudos sobre a sociedade, seja para legitimar causas, criticar a máquina, ou ainda controlar as massas. Além de Comte, que cunhou o termo, são considerados pais da sociologia Max Weber, Émile Durkheim e Karl Marx, mas foi o economista Vilfredo Pareto que se destacou na crítica de que a sociologia não poderia ser definida. Isso ocorreria devido a natureza humana ser imutável, o homem vive de acordo com o que chama de sentimento, mas finge que age de acordo com a razão – o que certamente deve ter alguma influência de Freud, outro pensador de seu tempo, que deu ênfase aos estados psicológicos e especialmente a descoberta do inconsciente.

Tratando dos “estados” psicológicos decorrentes da violência simbólica, este artigo tem por objetivo localizar a psicologia do “Estado” como estrutura que, sendo coercitiva, provoca efeitos cognitivos, que geram danos nos seres humanos. Sendo, portanto, uma leitura sobre as relações e efeitos do poder de repressão estatal.

Na origem, esse conflito surgiu com a criação de sistemas de classificação criminal, que junto a ideias raciais, e visões equivocadas de determinismos biológicos, ampliaram os efeitos nefastos dos Estados por sobre a sociedade, algo que só se evidenciou com os avanços da sociologia, antropologia, linguística e psicanálise, que revelaram as diferenças dos grupos sociais, a alteridade, a polifonia, e o inconsciente. Os seres humanos, com suas diferenças e individualismo, acabam ainda assim sendo classificados pelo que Bauman denunciou como o “Estado Jardineiro”, descrevendo como aquele que cuida das flores e elimina as ervas daninhas através de metodologias mecanicistas, burocráticas, portanto distantes da realidade, sendo, por isso, geradoras de injustiças e assimetrias.

Para Marx, o Estado seria usado para a repressão a serviço da burguesia, enquanto Gramsci atualizou o conceito como a superestrutura que impõem a hegemonia da burguesia, o que posteriormente foi ampliado como aparelhos ideológicos do Estado por Althusser, que se reproduzem mantendo as estruturas que moldam a sociedade. Em todos os casos, a cognição e coercitividade do Estado são elementos unificadores das teses anteriormente citadas. O que marcaria o Estado seria a opressão contra a maioria, resultando no surgimento de uma classe de beneficiados: elites econômicas ou políticas, com autonomia relativa diante da pressão exercida.
Michels, Mosca e Pareto foram muito influentes na análise das elites que controlam o Estado.

Sendo a tese do último aquela que ficou notória através do cálculo de divisão social, em que afirmava que uma economia atingia o máximo de eficiência somente quando era impossível melhorar a situação de um indivíduo sem prejudicar outro, sendo que a Otimização de Pareto só poderia acontecer quando a maior proporção da população (oitenta-vinte) estivesse em má situação. Ainda que a tese possa ser uma afirmativa realista, podendo ser interpretada até como denúncia, o fato é que Mussolini aplicou este princípio de Pareto na Itália Fascista, o que ocorreu após a morte do teórico em 1923, que para sua sorte não foi testemunha das atrocidades Fascistas e Nazistas ocorridas nas duas décadas seguintes.

Na Rússia, foi o pesado aparelho repressor do partido, com seu centralismo-democrático, instalado no centro do Estado (e não paralelamente, como deveria ter sido), que se tornou um obstáculo aos interesses democráticos de base, isso segundo Rosa de Luxemburgo ao questionar Lenin – medida que, não sendo corrigida, poderia gerar uma enorme distorção, e elites ao centro do Estado, caso o poder fosse centralizado nas mãos de poucos (Leon Trotsky). Tais receios não obtiveram muito apoio até que Nikita Kruschev, no  Congresso do Partido Comunista da União Soviética, em 25 de fevereiro de 1956, fizesse a mea-culpa de que o efeito da enorme burocratização imposta pelo aparelho repressor partidário na Rússia – e o poder dado ao regime Stalinista – teria provocado uma ditadura brutal que resultou na morte de milhões.

O controle excessivo, no caso Alemão, do Estado policialesco no século 19 satou o século  20com o surgimento do Nazismo entre as duas grandes guerras – para outro tipo de Estado-burocrático “sensor”, capaz de enorme controle social exercido pelos primeiros sistemas informatizados criados pela empresa estadunidense IBM. Tal empresa desenvolveu especialmente para os nazistas a máquina de controle do Holocausto, que permitiu a execução com maior eficácia de judeus, poloneses, ciganos, comunistas, homossexuais e outros que fossem considerados “inimigos” daquele Estado.

No campo administrativo, a impessoalidade da gestão da coisa pública se revela ato violento compulsivo e estrutural do tipo de regime capitalista-democrático estadunidense que, sendo impessoal ao extremo, não respeita as diferenças dos seus cidadãos e não permite qualquer humanização dos processos. Dedicando-se, esse tipo de Estado, não apenas aos procedimentos administrativos, mas ao controle, propaganda e medição da influência da opinião pública, o que pode ser melhor entendido em estudos como de Harold Lasswell e Walter Lippman. A forma adotada por esse tipo de Estado (cada vez mais comum no mundo) são a soma de coerções disciplinares e outras, associadas ao aumento das taxas e custo de vida, forçando a produtividade dos indivíduos. O estimulo/resposta da coerção teria por compensação o consumo, que é estimulado pela publicidade da produção total dos objetos fabricados por essa sociedade (Debord).

O consumo é outra forma de coerção, que ocorre através das exigências sociais (Jean Baudrillard), potencializado pelo efeito psicológico programado (através das teorias de Edward Bernays, sobrinho de Freud) da propaganda subliminar nas mídias de massas, com intenção de provocar o “desejo” de aquisição dos objetos, ato que gera momentaneamente recompensas, preenchendo o vazio existencial nos sujeitos bloqueados. Ou seja, cognitivismo: estimulo, punição, ação, recompensa, técnicas aplicadas por B.F. Skinner em ratos, e depois nos consumidores.

A característica de todos os Estado Modernos, ao promover a organização “racional”, seria o avanço do controle e da divisão social (seja pela separação das elites do partido, da burocracia, do capital, ou de etnias), contrastando com a realidade social, humana, orgânica, subjetiva e plural, sendo responsáveis pela acentuação da desumanização, cada dia mais presente na medida em que ocorre a especialização nos procedimentos.

A estrutura funciona através de uma estética, estrutura/estruturante, dos discursos, que determinam as formas de classificação social e orientação dos beneficiados e prejudicados pelas políticas públicas dos Estados modernos. Na elaboração das fichas e das seleções das classificações da sociedade, se estabelece o fascismo da burocracia, através da escrita, da fala, do número, do campo de preenchimento que promove violência normativa, pré-existente à efetivação das políticas, com a repressão policial, o processo eleitoral, e no ato do recolhimento de impostos – medidas que ocorrem através da elaboração dos sistemas de controle a classificação. Que, em última análise, pré-determinam beneficiados e prejudicados, perpetuando as assimetrias e desigualdades sociais.

(continua)

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