“O Enigma Chinês” casais e casais

Novos casais, emergência de gêneros e o papel do homem movem o último filme da trilogia do cineasta francês Cédric Klapisch sobre as relações amorosas atuais

Com um cinema que mescla drama, comédia e criativas técnicas narrativas, o cineasta francês Cédric Klapisch(1961) monta em sua trilogia um painel das relações de gênero, o papel atual do homem nas relações amorosas e os novos tipos de casais do século 21I. Sua criação une personagens de várias nacionalidades tornando-os reflexos das relações sócio-econômicas-culturais deste momento histórico.

A trilogia matiza nos filmes “O Albergue Espanhol” (2002), “Bonecas Russas” (2005) e neste “O Enigma Chinês” (2013) os diversos núcleos familiares hoje em evidência. Incluindo mulher solteira que forma núcleo familiar com os filhos, casal gay com filho e pai dividindo a guarda da prole com a mãe. Eles vão se formando ao longo da trilogia, evidenciando a mudança do núcleo familiar tradicional (pai, mãe, filhos).

Aparentemente, ela é sobre as desventuras de Xavier, jovem de classe média francesa, pressionado pela família a entrar no serviço público. Estudante de economia, ele ganha uma bolsa para estagiar numa faculdade de Barcelona. Ponto de partida deste painel multicultural: vida grupal numa república, relacionamento com estudantes de outras nacionalidades (alemão, espanhol, inglês) e descobertas pessoais de sua geração. Numa espécie de configuração tardia das comunidades hippies dos anos 60.

Coletivo supera o individualismo

A partir daí, a vida de Xavier se entrelaça às dos amigos: a jornalista francesa Isabelle (Cécile de France), a artista plástica inglesa Wendy (Kelly Reilly) e sua namorada francesa Martine (Audrey Tautou). No primeiro filme, Wendy cuida das tarefas domésticas pressionando os demais a dividi-las. Então elas tornam coletivas as iniciativas do grupo, melhorando suas relações, a exemplo das dicas da lésbica Isabelle a Xavier para que ele melhore suas relações com as parceiras e lhes dê prazer.

No segundo filme prevalece a inconstância de Xavier, dividido entre Paris, onde mora, e Londres, onde vive Wendy. Klapisch trata aqui da dupla relação amorosa, do ciúme e do amor. Wendy flerta com Xavier, mas tem um caso com um estadunidense. Seu contraponto é a paixão de seu irmão William (Kevin Bishop) pela bailarina russa Natasha (Evguenya Obraztsova), enquanto Xavier namora Martine e encontra-se com a balconista afrodescendente. Assim, os eixos amorosos seguem paralelos.

As leis de imigração são aparentes

A discussão central da trilogia se completa em “O Enigma Chinês”. Aos quarenta anos Xavier, que se tornou novelista de TV e jornalista, deixa de transitar entre Paris e Londres para viver em Nova York. Uma megalópole desglamourizada por Klapisch, que passeia sua câmera por velhos prédios, rituais de etnias segregadas, advogados que adaptam as leis de migração às circunstâncias. Elas podem ser rigorosas ou não, desde que Xavier siga o roteiro traçado por eles. Até o agente da imigração o segue.

Klapisch mostra neste fecho o que a sociedade internacionalizada se tornou. Inexiste mais a dualidade de gêneros, o casal padrão, a “exclusão permissiva”. Ou bares exclusivos, encontros furtivos, aceitação dos papéis construídos pela sociedade burguesa. Ele trata estas mutações com normalidade. Em Nova York, Xavier divide com Wendy a guarda dos dois filhos pequenos, une-se a Martine e os dois filhos dela, e convive com Isabelle, a companheira dela Ju (Sandrine Holt) e a filhinha do casal.

São formações estruturadas à margem dos costumes, das leis e das imposições dos grupos conservadores, religiosos e status quo para manter seu poder. Os velhos modelos não atendem mais as relações de gêneros ou as aspirações da juventude. A inter_relação entre grupos sociais, numa contradição do capitalismo, levam a intercâmbios que mudam ideias e comportamentos. Igual a Xavier absorvendo em Paris, Londres. Moscou e Nova York costumes diferentes dos seus, para melhor compreendê-los.

Núcleos se intercambiam

A câmera de Klapisch transita por ambientes próprios de cada núcleo social, fazendo Xavier e amigos frequentá-los, indistintamente. Uma forma de romper barreiras, de não guetizar os estigmatizados. O próprio Xavier atende aos anseios de Isabelle, sem questionar as consequências do ato. Ela, Martine e Wendy dão o tom deste “O Enigma Chinês”, com a liberdade advinda da liberação feminina, das lutas LGBT nas últimas décadas e das reações da juventude às mazelas neoliberais que lhe roubam o futuro.

No entanto, a trilogia tem unicidade. Klapisch desde os créditos divide a tela em vários planos, abre janelas em ação simultânea e projeções/encontros de Xavier com o teólogo holandês Erasmo de Rotterdam (1466/1536), em “O Albergue Espanhol”, acelera a ação, como no cinema mudo, e fraciona sequências em várias cenas, sem plano/contra plano (reunião de Xavier com seus chefes em “Bonecas Russas”). Só escorrega nas correrias pelas ruas de Barcelona e Nova York, em citações das comédias malucas dos anos 30/40. Nem assim deixa de ser inventivo.

“O Enigma Chinês”. (“Casse Tete Chinois”). Comédia dramática. França. 2013. 117 minutos. Música: Loïk Dury/Christoph “Disco” Minck. Montagem: Anne-Sophie Bion. Fotografia: Natasha Braier. Roteiro/direção: Cédric Klapisch. Elenco: Romain Duris, Audrey Tautou, Cécile de France, Kelly Reilly, Sandrine Holt.

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