A peleja da Cobra Coral e do Lobo contra os gigantes estrangeiros

Quanto um clube de futebol recebe a cada camisa oficial vendida a preços próximos ao patamar de R$ 300,00? Talvez seja difícil acreditar, mas na maioria dos contratos assinados entre clubes e as grandes marcas de material esportivo, o percentual de royalties raramente chega a 10% do preço final.

Por Inácio França*

camisa Santa Cruz

Na verdade, só os maiores clubes de massa, a exemplo de Flamengo e Corinthians, conseguem contratos tão “bons” assim. Para esses, compensam também as luvas milionárias oferecidas pela fornecedora para adquirir o direito de produzir camisas valiosas, fáceis de vender em quase todos os cantos do País.

Para os clubes de massa fora do eixo Rio-São Paulo, as marcas globais não abrem os cofres com facilidade: fornecem o material de jogo em quantidade, repassam os royalties correspondentes às vendas e, no ato da assinatura, pagam luvas muito aquém daquilo que os torcedores imaginam.

Nesses casos, os clubes não interferem na criação do design das camisas – resignando-se aos templates -, e sequer têm o direito de cobrar a venda de produtos alternativos, como camisas de passeio, agasalhos ou calções.

Até o final de 2015, o momento de renovar um contrato ou procurar um novo fornecedor de material gerava mais frustração que alegrias. Então, o Paysandu pensou “fora-da-caixa”, quebrou paradigmas e deu origem a uma tendência que começa a preocupar tanto as multinacionais quanto as brasileiras do ramo.

Naquele ano, o clube paraense era atendido pela Puma, empresa que, no início da gestão do ex-jogador Vandick como presidente, havia se negado a renegociar um contrato draconiano. Na época, o diretor jurídico era Alberto Maia, eleito presidente para o mandato 2015-2016, quando terminava o contrato com a marca. Maia esperou e deu o troco com estilo: ignorou os afagos da multinacional e mudou as regras e as fronteiras do mercado.

Em vez da Puma, o Paysandu entrou em campo no início de 2016 com outro animal estampado no peito: o Lobo, mascote que a torcida tinha relegado ao segundo plano e foi resgatado para batizar a primeira marca própria de um time de futebol brasileiro.

O Paysandu quase caiu de volta para a série C, mas vendeu mais de 120 mil peças e lucrou pouco menos de R$ 9 milhões. Para ter ideia do que isso significa, na mesma temporada o Atlético-PR conseguiu vaga na Libertadores, mas vendeu menos de 80 mil peças.

A marca Lobo apontou um caminho: de gargalo, a escolha da marca a vestir atletas e torcedores se transformou em tática para diversificar as fontes de receitas dos clubes que não faziam parte do famigerado Clube dos 13 e não recebem as cotas privilegiadas de TV.

Depois do Paysandu, outros cinco clubes fizeram a mesma opção. Por ordem cronológica:

Fortaleza (marca Leão 1918 ), no primeiro semestre de 2016;

Juventude (marca 19Treze) em meados de 2016;

Joinville (marca 8CTA), em janeiro deste ano;

Treze de Campina Grande (marca Galo), em março de 2017;

finalmente, o Santa Cruz (marca Cobra Coral), em maio de 2017.

Para Juventude e Joinville a mudança é apenas tática, pois pouca coisa mudou na oferta de produtos, na comercialização e na comunicação.

Nos clubes do Norte e Nordeste, principalmente Santa Cruz, Paysandu e Fortaleza, a opção pela marca própria tem valor estratégico, com modificações nas relações do clube com o mercado e com a própria torcida, influenciando também a rotina das respectivas gestões.

O objetivo é um só: otimizar o potencial das marcas próprias, diversificando ainda mais as receitas, reduzindo a dependência das emissoras de TV e das multinacionais do setor.

O Paysandu tem quatro lojas próprias, criou um departamento exclusivamente para tratar da estrutura de comercialização e da imagem da marca, vinculando a comunicação do clube e da Lobo. Várias campanhas publicitárias tornaram a marca respeitada até pelos rivais locais.

A Leão 1918 do Fortaleza demorou um pouco mais para ser aceita pelos torcedores cearenses, mas com duas lojas instaladas pela empresa fabricante do enxoval, criou mecanismos de marketing para superar as barreiras iniciais.

Seguindo a tendência há menos tempo, o Santa Cruz tenta aproximar-se do modelo do clube de Belém que, aliás, vem compartilhando informações estratégicas com o tricolor pernambucano, exemplo de solidariedade incomum no competitivo ambiente do futebol.

Com lojas terceirizadas, o Santinha – como é chamado pelos seus torcedores – está criando um departamento autônomo para desvincular a operação da Cobra Coral da voracidade do dia-a-dia, algo comum aos clubes de massa. Com quatro meses de atividade, a nova marca já rendeu ao clube valores superiores àqueles que o contrato com a fornecedora anterior renderia em um ano inteiro de execução.

Um traço comum às lojas Lobo, Leão 1918 e Cobra Coral: o torcedor dispõe de dezenas de produtos diferentes, incluindo peças que as grandes marcas jamais colocariam à venda em razão da procura limitada, a exemplo de agasalhos de frio ou camisas usadas pelos jogadores na concentração.

A tendência parece estar consolidada e deverá incomodar ainda mais Nike, Adidas, Umbro, Topper, Puma, Under Armour e as concorrentes menores, pois outros três clubes já começaram a prospectar fabricantes para produzir suas próprias marcas a partir de 2018: o Clube do Remo (PA), CSA (AL) e o Vasco da Gama, que seria o primeiro gigante do eixo Rio-São Paulo a fazer essa opção.

Inácio França é jornalista, diretor de comunicação do Santa Cruz  e autor do romance "Terezas".