Ventos de Agosto”, explorados e esquecidos

Refletindo tendência atual, filme do cineasta pernambucano Gabriel Mascaro mergulha o espectador no universo do baixo-campesinato nacional

Não é necessário ser exaustivo para ver neste Ventos de Agosto, do pernambucano Gabriel Mascaro, uma tendência a se solidificar nos filmes do Norte e Nordeste do país: centrar a narrativa nos impasses do baixo campesinato para matizar a persistência do atraso. Eles se desenrolam em povoados e cantões (O Grão, de Petrus Cariry, 2008, A Floresta de Jonathas, de Sérgio Andrade, 2013, O Exercício do Caos, de Frederico Machado, 2013), mesclando a árdua paisagem, a agricultura familiar e a marginalização econômico-social.

As abordagens desses cineastas mostram que as armadilhas do latifúndio continuam a enredá-lo. Atravessadores e latifundiários que se apropriam de sua produção para obter grandes lucros são onipresentes. Ele cuida do ciclo de coleta, distribuição e venda, configurando a agricultura familiar, como em “O Exercício do Caos”. E sobrevive com baixas calorias, habita casebres e vê o mundo exterior pela TV.

A estética destes filmes prima pela presença da terra (O Grão) e da floresta luxuriante (A Floresta de Jonathas), do mar e de personagens de peles morena e negra. E, normalmente, preferem encadear lentamente os entrechos que estruturam a narrativa, lhes dando sentido. Fogem assim à estética hollywoodiana e ao maniqueísmo. Em Ventos de Agosto, Mascaro se vale desta variação, situando-o numa vila que vive da coleta de coco no litoral de Ponto das Pedras, em Alagoas.

Mortos acabam no Atlântico

Sua população se constitui em sua maioria de crianças e jovens, que trabalha na coleta do coco e nas horas vagas se distrai em mergulhos para recolher crustáceos no mar. Nenhuma outra perspectiva lhes é oferecida. A administração municipal os abandonou e não estão organizados numa de entidade de classe. Além disso, as correntes marítimas ameaçam destruir a mureta que protege a vila e evita a destruição do pequeno cemitério, cujos mortos acabam no fundo mar.

São nestes impasses que vivem os afrodescendentes Jeison (Geová Manoel dos Santos) e Shirley (Dandara Morais), namorados e parceiros na coleta de coco. Eles passam horas juntos, estáticos – os corpos em estudadas posições no caminhão e na pequena lancha, como numa instalação a realçar curvas e epidermes. Mascaro funde-os à natureza sem meios-tons a refletir a liberdade e o prazer sem moralismo.

Mulheres são motos expoentes do filme

As mulheres nesta tendência de filmes são expoentes, pois representam perspectivas de mudanças. É a garota que anseia deixar a casa dos pais para viver na cidade, em O Grão, e Shirley, que, vivendo com a avó octogenária, quer regressar à família em São Paulo. Enquanto Jeison, por pressão do pai, se entrega à reconstrução da mureta de proteção das correntes marítimas. Devido aos ventos elísios, elas se tornam violentas e podem destruir a vila inteira.

Durante este trabalho, ele se conscientiza do embate entre as ondas a levar os mortos e o medo dos vivos de se verem na mesma situação. Ele se atormenta porque às autoridades pouco importam os mortos e os vivos da vila. E, devido a isto, perambula com o cadáver do estranho em estado de putrefação, sem poder enterrá-lo. O delegado não quer se deslocar da cidade para a vila, deixando-o a seu cargo o que fazer. É puro absurdo.

Numa sequência de realismo mágico, ele chega a Ponto das Pedras com o cadáver à delegacia e não encontra nem o delegado ou qualquer outro policial e tem de voltar com ele. Demonstra o quanto vale para as elites, seja de que nível for, a vida dos deserdados. Ainda mais se estiver a cargo de um duplamente marginalizado: afrodescendente e coletor de coco. A ele, enquanto classe, cabe enterrar os seus, “sem reclamar”.

Filme carece de unicidade

Visto sob este prisma, Ventos de Agosto se encaixa na tendência dos filmes sobre a persistência da marginalização do baixo-campesinato. Porém, sua estruturação é mais complexa, não se fecha como nos dramas lineares. Cabe ao espectador juntar as subtramas para chegar ao todo. Jeison e Shirley, tal qual num atavismo a se perpetuar nos moradores da vila, terão de fugir a este espectro para sobreviver à marginalização.

Não se trata-se, é claro, de obra de tese. Mascaro optou por estruturar o filme em lentos entrechos, o mais difícil de fazer, pois as sequências vão, num encadeado, dando unidade e sentido à narrativa, destituída de trama (Veja Três Macacos, de Nuri Bulge Ceylan, 2008; O Cavalo de Turim, de Bella Tarr, 2011). Se forem acrescentadas subtramas desconexas, o diretor corre o risco de se perder. Mascaro dribla estas armadilhas, tornando sua obra um bom quebra-cabeça.

Sua validade está em mostrar ao espectador sobre o que se assenta, ainda, a riqueza do país. O pauperismo do campesinato e do proletariado nacional sustenta o elevado nível de vida dos que os discriminam e tentam bloquear qualquer inserção deles na limitada distribuição de riqueza atual. Querem, como se vê no filme, mantê-los no perpétuo impasse entre a vida e a morte, o misticismo e a alienação sem chances de escapar. Até quando?

Ventos de Agosto. Drama. Brasil. 77 minutos. 2014. Montagem: Ricardo Prette/Eduardo Serrano. Fotografia: Gabriel Mascaro. Roteiro: Gabriel Mascaro/Raquel Ellis. Direção: Gabriel Mascaro. Elenco: Dandara Morais, Geová Manoel dos Santos.




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