Democracia, participação e cultura (parte 4)

Com relação ao poder do Estado, do governante e do povo, existem grandes diferenças nas análises dos pensadores das modernas Repúblicas. Se Maquiavel e Hobbes revelam a essência do poder, seja do Príncipe ou do Estado totalitário, com o iluminismo, novos ares perfumados surgem para florear a essência nauseante dos Estados Nacionais (regimes feudais, oligarquias e monarquias) que passam a se travestir de democracias.

Pois, apesar de toda engenharia que procura legitimar a soberania popular, a essência do poder e das vantagens – de quem comanda sobre quem é comandado – seguem as mesmas.

Ocorrem significativas transformações da era medieval à moderna, em especial, com o fim do heliocentrismo, acaba o monopólio do ordenamento do cosmos, resultando na queda do poder da igreja católica que era capaz de dar legitimidade divina aos monarcas ocidentais. As massas reconhecem a perda do poder divino dos governantes e da igreja. Com o iluminismo e as revoluções científicas e industrial, nos séculos 18 e 19, surgem valores relacionados ao liberalismo, onde o Estado e as relações humanas assumem o ritmo da máquina, forçando a queda dos regimes feudais, resultando na migração (em massa) das populações para as cidades, onde as demandas sociais colidem com as estruturas de poder estabelecidas. O que, somadas aos problemas sociais (fome, moradia, condições de trabalho, doenças e guerras), gera seguidas revoltas populares sangrentas, forçando transformações nas relações entre governantes e súditos.

A partir dessas transformações, os pensadores chamados de contratualistas, cada um à sua maneira, evoluem seus critérios de legitimidade do poder do Estado, tendo, como ponto de partida, alguns na linha descendente, dos governantes para com seus súditos, e na outra, na linha ascendente, a população como detentora da soberania popular, dando novas perspectivas de como deveriam ser as relações de poder entre governantes e cidadãos.

Um dos primeiros contratualistas, Hobbes, entenderia legítimo o Estado, como uma forma de poder político, que proteja a vida dos súditos, impedindo uma guerra de todos contra todos, ainda que este Estado seja absoluto e totalitário. Porém, autores clássicos da moderna teoria política, (Pateman, 1992, p. 9-64), promoveram uma revisão no sentido do regime democrático, ganhando, esses ideias, força nos séculos 19 e 20. Rousseau entendia que uma tirania pode até ser legalmente instituída, mas nunca será legítima, considerando ainda a soberania popular como a única possível detentora de um poder civil. Enquanto Locke acreditava que legítimo seria apenas o poder civil exercido com o consentimento daqueles que constituem o corpo social. A doutrina do consentimento seria uns dos fundamentos do Estado moderno. Ela deixa claro que não pode haver poder soberano aceito sem a concordância de cada um que, unidos em maioria, endossem o poder do corpo social (Cf. Alves Pereira, etal, Legitimação do Poder Político, 2010).

São consolidados “novos” valores sobre a democracia como direito natural, defendidos pelas oligarquias e no liberalismo clássico, inspirados nas velhas Repúblicas, onde aqueles que se consideram melhores governariam, ou assim acreditavam ou iludiram as massas, justificativas naqueles tempos para manutenção do voto censitário e da cidadania restrita.

Um longo caminho foi percorrido entre a democracia liberal e a simples conquista do sufrágio universal baseado no conceito de soberania popular, ideal de democracia representativa, ilusão da existência da participação do cidadão na coisa pública.

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