É política nova, mas só de noite

Em uma conferência para escritores, em 2008, o moçambicano Mia Couto contou um curioso caso que presenciou em 1989, quando da chegada à Ilha de Inhaca de uma equipe de técnicos das Nações Unidas, junto aos quais serviu de tradutor.

Dentre as diversas dificuldades de comunicação entre “cientistas” e “população local”, colocou-se o problema de alguns porcos selvagens que, à noite, atacavam as lavouras. Os pesquisadores queriam abater os animais, solução simples e rápida. Mas os locais não demonstraram gostar da solução. Passados alguns dias, certa noite um grupo de velhos foi bater à porta da missão estrangeira. Transcrevo, a partir daqui, trecho do texto de Mia Couto:

“Já à noite, um grupo de velhos me veio bater à porta. Solicitavam que chamasse os estrangeiros para que o assunto dos porcos fosse esclarecido. Os consultores lá vieram, admirados pelo fato de lhes termos interrompido o sono.
– É por causa dos porcos selvagens
– O que têm os porcos?
– É que não são bem porcos…
– Então são o quê? – perguntaram eles, seguros de que uma criatura não pode ser e não ser ao mesmo tempo.
– Quase são porcos, mas não são os “próprios” porcos.
O esclarecimento ia de mal a pior. Os porcos eram definidos em termos cada vez mais vagos (…). O zoólogo, já cansado, pegou num manual de identificação e exibiu uma fotografia de um porco selvagem.
Os ilhéus olharam e disseram: “É este mesmo”. Os cientistas sorriram satisfeitos, mas o sabor da vitória foi breve, pois um dos nhacas acrescentou: “Sim, o animal é esse, mas só de noite” (…).

Não sei como se resolveu o problema de classificação zoológica, uma vez que Mia Couto não nos apresenta o desenlace da história, que serve em sua palestra como ilustração dos problemas que cercam a linguagem e a comunicação (ou não) entre os povos. Mas gosto desses porcos, como metáfora.

Fazem-me pensar em Marina, a velha política acriana, escolada na arte dos acordos eleitorais, com vários mandatos nas costas e por anos titular de um ministério. Tirem, por favor, as crianças da sala, pois o que vou dizer é grave: dificilmente se é eleita deputada, senadora e se chega a ministra de estado sem, de alguma maneira, participar do jogo político. Não aqui e nem neste tempo histórico, pois o sistema eleitoral vigente impõe que se ceda a certos acordos de modo a viabilizar, inclusive materialmente, as campanhas eleitorais.

Até os pesos de papel do Ministério do Meio Ambiente sabem que Marina tem projeto e visão de Estado: à frente do MMA, deu poder às ONG´s, inclusive estrangeiras. Nomeou lideranças vinculadas a essas organizações para pastas de relevância (alguns deles, aliás, estão hoje na sua coordenação de campanha). Fracionou a principal autarquia do MMA, o Ibama (criando o “Instituto Chico Mendes”, que passou a responder pelas unidades de conservação), fracionando, portanto, a capacidade de atuação e fiscalização do órgão, porque a visão “marineira” ou “marinista” é a visão de Estado mínimo, de transferência de parte das responsabilidades do Estado para o “terceiro setor” (leia-se: ONG´s). Marina teria seguido com o desmonte do ministério, não houvesse entrado em rota de colisão com o PT e o presidente Lula e deixado a pasta.

Agora ela se apresenta como “nova política”. Mas o que há de novo em defender a autonomia do Banco Central e financiar a campanha com recursos de banqueiros e multinacionais? De certo Marina é nova só de noite, quando faz discursos pós-modernos, transversais, sistêmicos e ininteligíveis. E segue velha de dia, quando assina a cartilha da Neca Itaú Setúbal e do Gianetti. Ou talvez o contrário – quem entende, afinal?

Marina Silva precisa ser desmascarada. Seu projeto político precisa ser conhecido pelo povo brasileiro. Ela é a nova candidata do Sistema Financeiro Internacional. Marina não é um erro de cálculo, tampouco uma fatalidade. É a porta-voz dos interesses do velho e carcomido consenso de Washington.

Marina destruirá as lavouras que o povo brasileiro vem plantando desde 2002 com seu exército de porcos selvagens do mercado financeiro internacional. Com ela na presidência teremos, novamente, a noite do neoliberalismo a assombrar nosso futuro.

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