O sentido classista do brutal ataque à estrutura sindical  

Ofensiva para desmontar a organização dos trabalhadores é um capítulo importante do golpe. 

Por Osvaldo Bertolino

Sindicalismo

George Wilhelm Friedrich Hegel certa vez disse com ironia que só os inteiramente ignorantes raciocinam de modo abstrato. Isso porque a abordagem da realidade social não pode se dar sem uma formulação conceitual, sem uma teoria da vida social, com as suas categorias básicas, os seus pontos-de-vista, os seus princípios e processos metodológicos. Esse é um bom ponto de partida para se analisar o sentido dessa brutal ofensiva do projeto neoliberal contra a democracia dos trabalhadores, como se vê nessas medidas para desmontar a estrutura sindical e trabalhista no Brasil.

A base da argumentação dos algozes desses direitos está em um editorial do jornal O Globo dessa sexta-feira (7), intitulado “A resistência ao fim do imposto sindical”. “A importância da reforma trabalhista aprovada pelo Congresso em 2017, no governo Temer, é diretamente proporcional à resistência que corporações sindicais têm a ela”, começa o texto para realinhar os surrados ataques à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e à estrutura sindical. “Daí as regras do relacionamento entre capital e trabalho terem ficado contaminadas pelo estatismo, logo, por uma espessa burocracia autárquica”, vitupera.

Palavreado obtuso

Com essa farsa como escudo, o editorial rasga elogios à Medida Provisória do presidente Jair Bolsonaro que liquida o imposto sindical. “O trabalhador sindicalizado só colaborará se for bem representado pelo sindicato”, sentencia O Globo, classificando a organização política dos trabalhadores como uma mera condicionalidade do mercado, uma comprovação daquilo que Karl Marx chamou de peculiar característica de Midas do capitalismo: tudo o que ele toca, transforma-se em mercadoria. Foi o que disse Rogério Marinho, secretário da Previdência, para quem a medida vai “estimular a melhoria de performance e a prestação de serviços aos associados”.

Nessa síntese está o sentido da ofensiva ideológica contra os trabalhadores. Afora o palavreado obtuso, desprovido de intelectualidade, limitado, limitante, com argumentos para embotar as consciências, fazendo a demagogia jorrar desbragadamente, o que sobra é a tentativa de exorcizar a politização do debate. É óbvio que essa ofensiva se insere nos propósitos dos golpistas de liquidar a estrutura de apoio da oposição, sobretudo os trabalhadores, que se soma à campanha para criminalizar os movimentos sociais.

Com apenas um golpe de mão, eles jogaram o movimento sindical na lona — dados oficiais mostram que em 2018, primeiro ano da “reforma” trabalhista, a arrecadação do imposto sindical caiu quase 90%. Os trabalhadores também teriam de sacrificar a sua unidade para que tenham “liberdade”, conforme expressou Rogério Marinho ao justificar a proposta de extinção da unicidade sindical. É a ideia neoliberal de liberdade como conceito absoluto, abstrato, dissociado do princípio da igualdade.

Hierarquia de classes

Para a ideologia neoliberal, o trabalhador é intrinsecamente dono de seu destino, sem considerar o domínio despótico do capital, e o atual modelo de organização sindical é "autoritário". No mundo das realidades, a relação entre capital e trabalho tem uma dicotomia clara; são dois campos em disputa irreconciliável, duas metas radicalmente opostas. Capital e trabalho travam uma luta política incessante, com o primeiro aplicando a violência aberta e a privação de direitos políticos, e o segundo se valendo da sua unidade como força para resistir e conquistar direitos.

Esse é o ponto essencial para se entender a importância do controle jurídico democrático do Estado nessa relação. Graças à estrutura sindical e trabalhista surgida com a Revolução de 1930, na “era Vargas”, ao longo da década de 1990, com o recrudescimento da ofensiva neoliberal, o sindicalismo brasileiro conseguiu manter as conquistas históricas dos trabalhadores. Agora, com essa brutal ofensiva autoritária, tudo isso vai por água abaixo, deixando a hierarquia de classes agir como feitor.

De mãos livres, o capital arrancaria, sem a mediação democrática do Estado, o cumprimento das metas de produção e de custos por ele estabelecidas no porrete. Como resultado, teríamos na sociedade, majoritariamente, uma conduta de exploração inclemente e milhões de patrícios trabalhando pela comida ou por pouco mais do que isso. Em bom por português: seria a troca do presente e do futuro pelo passado escravista. A luta contra essa ofensiva é parte desse enfrentamento histórico.