Ministra de Bolsonaro prega parceria com a China e “briga” com os EUA 

Num governo atolado de contradições, mas abertamente pró-Estados Unidos, só faltava um membro do primeiro escalão contrariar de frente a linha ultraliberal do ministro Paulo Guedes (Economia) e a submissão à Casa Branca. Agora, não falta mais. Principal porta-voz do agronegócio na gestão Bolsonaro (PSL), a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, defende subsídio estatal no setor primário, parceria com a China e “briga dura” com os Estados Unidos. Tudo em nome de sua base ruralista.

Tereza Cristina, ministra da Agricultura - Montagem: Piauí

Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, publicada nesta segunda-feira (11), ela se declarou contrário ao corte anunciado de subsídios à agricultura. É uma crítica aberta ao presidente do Banco do Brasil (BB), Rubem Novaes. Para ele, “o grosso da atividade rural” pode se financiar com as taxas de mercado. Na mesma linha, o ministro Paulo Guedes declarou no Fórum Econômico Mundial de Davos que pretende cortar neste ano US$ 10 bilhões da conta de todos os subsídios do Tesouro em 2019.

“No Plano Safra atual, que não fui eu quem fiz, já foi difícil porque o dinheiro do Tesouro está cada dia mais curto”, reagiu a ministra. “Tem R$ 191 bilhões para crédito. Não podemos baixar esse patamar. Faltou. Tanto é que tivemos que arrumar mais R$ 6 bilhões, mas precisava mais R$ 15 bilhões”.

Seu discurso parte do pressuposto de que o agronegócio é uma área estratégica para o País. “Temos que ter muito cuidado porque estamos falando de 20% do PIB, que é o agronegócio que faz. Como é que isso vai se dar? Em quanto tempo isso vai acontecer? É uma medida radical?”, questiona. O risco de uma decisão unilateral, segundo ela, é real: “Vamos quebrar a Agricultura? É esse o propósito? Tenho certeza que não é”.

De acordo com Tereza Cristina, “não pode criar um pânico no campo”. Até mesmo os Estados Unidos, diz ela, “levaram 40 anos para chegar num modelo”. Com o Brasil, talvez não seja diferente. “O Ministério da Agricultura tem que dizer o que ele pensa e quais são as consequências para a equipe econômica. É sempre uma guerra. Vamos começar a discussão”.

A ministra arremata em defesa dos subsídios: “Se não tivermos cuidado, pode desarrumar muito o setor. Previsibilidade é a palavra de que precisamos. É muito bonito falar que vai tirar tudo (…). Será que o presidente Bolsonaro quer que a agropecuária encolha no seu governo? Podemos fazer coisas novas, mas passo a passo. Não é de repente dizer que agora mudou a regra do jogo”.

Tereza Cristina também deu a entender que, em termos comerciais, os Estados Unidos são, sim, os grandes rivais do Brasil. “Não podemos esquecer que neste setor somos competidores, porque eles são os maiores exportadores do mundo de commodities”, afirmou. “Nessa área, a gente tem de brigar duro com eles. A gente anda com os americanos na soja igual a uma corrida de cavalo.”

E China comunista – que já encantou parte da bancada do PSL no Congresso em visita feita em janeiro, pouco antes do início da legislatura – também recebeu deferência da ministra. A seu ver, o mercado chinês não pode ser menosprezado. Tanto que ela está para agendar uma viagem à China para reforçar a parceria.

“Hoje, temos aí a China, que é nosso maior comprador de commodity e pode comprar até mais. Mas nós estamos ajustando também esse relacionamento”, declarou Tereza Cristina. “Houve um mal-estar no começo do governo com algumas declarações. Então, estamos conversando. Recebemos já o embaixador (da China), eu vou marcar uma viagem para a China em breve.”

Conforme a ministra, “o mercado internacional é de profissionais. Não tem ninguém bonzinho nisso. É um jogo de gente grande, sofisticadíssimo. Temos de solidificar os nossos mercados já existentes e abrir outros. Isso é uma decisão de política agrícola que nós vamos ter de tomar internamente. Nós vamos crescer? Vamos crescer na soja, no milho, no algodão? O que queremos?”

Tudo leva a crer que uma das vozes mais críticas à política neoliberal de Bolsonaro e Paulo Guedes virá de dentro da gestão. Reeleita deputada federal em 2018 pelo DEM-MS, Tereza Cristina foi presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e líder da bancada ruralista na Câmara. Ficou conhecida como “musa do veneno”, pela defesa ardorosa do “PL do Veneno” – o projeto de lei que flexibiliza as regras de utilização de agrotóxicos no País.

Segundo a revista piauí, a ministra "acumula dívida de R$ 9,8 milhões, em valores não atualizados, com bancos e fundos de investimentos agropecuários. O calote resultou em cinco ações na Justiça contra a parlamentar. Um juiz de São Paulo chegou a confiscar os R$ 40,5 mil mensais de verbas indenizatórias que Cristina tem direito como parlamentar a fim de pagar parte desse passivo".

A controversa Tereza Cristina venceu batalhas na Câmara e perdeu outras na Justiça. Como se sairá no duelo com Paulo Guedes?