Brasil, teu nome é Dandara

Por Nágila Maria*

“Brasil, chegou a vez

De ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês”
(Mangueira Samba-Enredo 2019)

Desfile Mangueira 2019 - Goto: Marcos Serra

Com o enredo “História pra ninar gente grande”, a Mangueira recontou a história do Brasil ao desconstruir as figuras enaltecidas pela “história oficial” e homenageou as verdadeiras heroínas e heróis do país, como mulheres, negros e índios. A escola de samba com a sua irreverência e arte cumpriu um papel importante na luta contra o racismo, fazendo o país inteiro assistir os esquecidos “nas poeiras dos porões”.

Me lembro poucas vezes na escola de ter ouvido a história das guerreiras negras, quilombolas e indígenas. Conta-se e se discute pouco sobre os feitos das nossas heroínas que tanto contribuíram para o fim da escravidão e na luta por direitos sociais no país. Por isso, as meninas negras crescem achando que não há boas referências intelectuais e de resistência na qual possam se espelhar. Afinal, quantas vezes você ouviu falar de Dandara ou Luiza Mahin na sua aula de história? De qual forma você tomou conhecimento dessas histórias? Reflita!

Ao contrário do que se conta nos livros e na televisão o povo negro não aceitou de forma passiva a escravidão sem resistir ou se rebelar. Precisamos tirar da “poeira dos porões” que o povo negro lutou e resistiu não apenas pela sua liberdade, mas pela construção de uma nova sociedade. As mulheres negras, sobretudo, foram protagonistas nessa luta, demonstrando força e resistência. As negras e os negros da Inconfidência mineira, Cabanagem, Revolução Farroupilha, Balaiada, Inconfidência baiana lutaram também contra o colonialismo e por independência.

A Mangueira contou na avenida a história de Esperança Garcia, escrava alfabetizada que aprendeu a ler com os padres jesuítas numa época que era proibido ensinar o negro a ler e a escrever. Ela denunciou por escrito os maus tratos que sofria e fez chegar sua carta ao governador da província. A luta de Esperança não foi apenas para denunciar os maus tratos, mas também para que mulheres negras como eu pudessem viver em liberdade e escrever essa análise que lhes faço agora.

O racismo, o patriarcado e a exploração são estruturantes e uma marca cruel da nossa história. Segundo os dados divulgados pelo Monitor da Violência neste 8 de março, foram 4.254 casos de feminicídio em 2018. Isso significa que a taxa é de 4 mulheres mortas para cada grupo de 100 mil mulheres. A situação se agrava quando consideradas apenas as pretas e pardas, que são a fatia da população mais frequentemente exposta ao feminicídio, subempregos e à prostituição. Segundo o Atlas da Violência de 2018, em dez anos, a taxa de assassinatos de mulheres negras aumentou 15,4%, enquanto entre as não negras caiu 8%. Mas também são elas que historicamente romperam tantos padrões, dificuldades e sabotagens sociais.

Nós, mulheres negras, estivemos à mercê de todo tipo de violência, enfrentamos a crueldade da escravidão, o governo, a opressão dos homens, não só dos nossos senhores, mas também de companheiros violentos e exploradores, que se legitimavam na lei dos brancos e viam em nós uma forma de atingir seus objetivos. Enfrentamos o problema da prostituição para a sobrevivência devido à pobreza extrema e mesmo depois de nossa libertação enfrentamos muitas dificuldades. Tivemos a nossa beleza e estética negada pela sociedade e fomos oprimidas. E ainda que procuremos outras oportunidades, muitas vezes acabamos seguindo o mesmo ramo de trabalho que realizávamos quando escravas.

Seja por meio dos cordéis de Jarid Arraes, através da poesia, nas redes sociais, produção literária, artigos científicos ou pela arte, como através da imponente Estação Primeira da Mangueira – Salve a Mangueira! – que a história dessas mulheres e heroínas sejam contadas, estudadas e reconhecidas como parte indispensável para a construção do pensamento da sociedade brasileira. Contar a história delas é contar a história do nosso país!

Pretinhas, sejam referências numa sociedade que insiste em manter o passado excludente que não nos cabe mais. Sejamos heroínas; ocupemos a política, como Marielle Franco, presente!, a gigante Olivia Santana, primeira mulher negra eleita deputada Estadual na Bahia, e a brilhante Leci Brandão; ocupemos também as universidades, pois apenas 10% de nós, mulheres negras, conseguimos concluir a graduação; sejamos cientistas; tomemos os rumos do país pelas nossas próprias mãos. Por Luísa Mahin, Antonieta de Barros, Dandara dos Palmares, Eva Luanna, Carolina de Jesus, Maria Quitéria, Acotirene. Sejamos Marias, Mahins, Marielles, malês!