Governando do hospital, Bolsonaro adia viagens, anúncios e indicações 

Com receio de pedir licença da Presidência e deixar seu cargo com o cada vez mais imprevisível vice-presidente, Jair Bolsonaro (PSL) praticamente paralisou o governo federal. As complicações no processo de sua recuperação, após a cirurgia, frustraram até mesmo os planos de transferir temporariamente o centro de comando do país para um escritório improvisado no hospital Albert Einstein, em São Paulo.

Bolsonaro internação

O Palácio do Planalto montou uma sala ao lado do quarto onde o presidente está internado há 14 dias para que ele pudesse estar pronto para despachar assim que o Legislativo retomasse as atividades, em 1º de fevereiro. Mas a sala, com computador, impressora e um sistema para videoconferências, foi usada apenas duas vezes: uma para encontro presencial com o ministro Tarcísio Freitas (Infraestrutura) e outra para conversa em vídeo com o ministro Augusto Heleno (GSI).

Bolsonaro ficou ausente do cargo só por 48 horas, período em que o vice, Hamilton Mourão, assumiu como interino. Inicialmente, a estimativa era de alta após dez dias de internação, completados na quarta (6). Mas complicações como acúmulo de líquidos no estômago e na cavidade abdominal e uma pneumonia levaram ao aumento de cuidados e à postergação da alta, sem previsão ainda.

A cirurgia para reconstrução do trânsito intestinal à qual Bolsonaro foi submetido em 28 de janeiro foi a terceira em cinco meses, desde que foi vítima de uma facada em setembro de 2018. Por ser uma operação planejada e o presidente demonstrar boa recuperação desde o atentado, assessores esperavam um processo mais tranquilo. Tanto que antes da internação, sua equipe já buscava datas para duas viagens ao exterior entre março e abril, aos EUA e a Israel.

Hoje, porém, essas viagens já são vistas como improváveis. Depois que tiver alta, Bolsonaro deve ter uma rotina reduzida de atividades em Brasília. O tratamento por antibióticos deve fazer com que ele permaneça internado por pelo menos mais uma semana, totalizando quase 20 dias. Diferentemente do que ocorreu em setembro, quando Bolsonaro ficou 23 dias no Einstein, desta vez a movimentação na porta do hospital se restringiu praticamente à imprensa.

Para reverter as notícias ruins, seus assessores adotaram cautela ao relatar qualquer piora na recuperação. O porta-voz Otávio Rêgo Barros disse que Bolsonaro ficou triste com a notícia de uma pneumonia, mas rapidamente afirmou que ele logo recuperou o ânimo e humor em seguida. A cada dia em que o boletim médico trazia uma piora, o presidente e seus filhos recorriam às redes sociais para fazer publicações que tentavam forjar que ele estava bem e criticar indiretamente a cobertura da imprensa.

No dia seguinte à divulgação do quadro infeccioso, Bolsonaro foi ao Twitter pela manhã e postou uma foto sorrindo em frente a uma bandeja com gelatina e água, em comemoração à retomada da alimentação por via oral após mais de dez dias de jejum. Mesmo tendo intensificado a agenda na última sexta, com conversas por telefone e despachos presenciais, Bolsonaro foi aconselhado pelos médicos a não se exaltar muito. Além disso, o médicos tentam limitar o contato dele com assessores para que isso não retarde mais a alta.

O prejuízo político-administrativo, no entanto, é explícito. A internação em São Paulo e a limitação de comunicação imposta pela equipe médica já evidenciaram a falta de autonomia do novo governo. O anúncio e o envio ao Congresso de iniciativas que estão prontas e são consideradas prioritárias foram seguradas e dependem, segundo o próprio governo, do retorno do presidente a Brasília.

Com a indefinição sobre a alta de Bolsonaro, o Palácio do Planalto pôs em banho-maria propostas como o novo texto da reforma previdenciária e o pacote anticrime, sem data para entrarem na pauta legislativa. Além delas, aguardam o retorno do presidente instrução normativa com mudanças na Lei Rouanet, do Ministério da Cidadania, e a criação da ANT (Agência Nacional dos Transportes), uma superagência de infraestrutura.

As quatro iniciativas foram bandeiras eleitorais do presidente e foram elencadas pelo Palácio Planalto como prioridades do início do mandato. No caso da reforma previdenciária, por exemplo, a estimativa inicial era de que o texto final fosse finalizado na próxima semana, com a participação do presidente. Agora, auxiliares presidenciais já admitem que ela deve ficar para o final do mês.

"O presidente, vocês sabem, está se recuperando. É um timing que precisamos respeitar”, disse o ministro Paulo Guedes na quinta-feira (7). “Quando ele voltar, tem que definir algumas variáveis importantes como tempo de transição, as idades, se este novo regime vem agora ou vem depois.”

Segundo o ministro Sergio Moro (Justiça), o pacote anticrime – que já foi até discutido com parlamentares e governadores – não foi ainda enviado à Câmara, , porque aguarda Bolsonaro. O compasso de espera afetou até mesmo decisões consideradas simples, como a indicação do líder do governo no Senado. O nome escolhido é o do senador Fernando Bezerra (MDB-PE), mas ele só será oficializado após encontro do pernambucano com o presidente.

A equipe de articulação política também tem aguardado Bolsonaro para escolher o novo líder do governo no Congresso. Mas o porta-voz da Presidência, Otávio Rêgo Barros, já disse que mesmo após alta médica, o presidente seguirá com jornada reduzida de trabalho para garantir a recuperação. Sem a presença de Bolsonaro, crises do governo têm durado mais do que o esperado, prolongando o desgaste de imagem da nova gestão.

É o caso da fritura do novo líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), símbolo do descontentamento da Casa com a articulação política do Palácio do Planalto. Partidos como DEM, PRB, PR, PP, PSD e o próprio PSL têm boicotado o líder, alvo de queixas ao Palácio do Planalto por ser inexperiente.

Com informações da Folha de S.Paulo