Ministros do STF criticam pacote anticrime; Moro terá de recuar

Se quiser levar adiante seu pacote de medidas “anticrime”, anunciado na segunda-feira (4), o ministro Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública) será obrigado a recuar em diversos pontos flagrantemente inconstitucionais. É o que indicam ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) ouvidos pela imprensa. O projeto precisa ser aprovado no Congresso para virar lei.

Sergio Moro - Foto: Lula Marques / AGPT/Fotos Públicas

Um dia depois apresentar o pacote – que propõe a criminalização do caixa 2 e levanta a possibilidade de isenção de pena a policiais que matarem em serviço –, Moro já relatou ao governo que fará uma série de visitas aos integrantes do STF, sendo a primeira delas ao presidente Dias Toffoli. Segundo o Estadão, dois ministros do Supremo dão como certo que o pacote será judicializado e, em algum momento, sofrerá contestação na Corte.

Um dos pontos sob judice será a restrição da progressão de regime prisional (de fechado para semiaberto). Segundo Moro, sua proposta é “consistente com o entendimento do Supremo” – uma percepção diversa da de ministros da Corte. A proposta deve, sim, esbarrar na jurisprudência do STF, que, em 2006, julgou inconstitucional um artigo da Lei dos Crimes Hediondos que previa que a pena para condenados por esses delitos seria cumprida integralmente em regime fechado.

Tal impedimento de progressão de regime, antes da decisão do Supremo, valia para crimes hediondos (como homicídio qualificado e estupro de vulnerável) e equiparados (tráfico de drogas). Agora, Moro quer que reincidentes em quaisquer crimes ou condenados por corrupção e peculato comecem a cumprir pena em regime fechado independentemente da pena fixada na sentença. Além disso, quer dificultar a ida de presos por crimes hediondos para o semiaberto.

Pela jurisprudência, o Supremo entende que uma vedação geral à progressão viola o princípio da individualização da pena – argumento que prevaleceu no julgamento de 2006. A corte chegou a editar uma súmula vinculante, de número 26, para obrigar juízes de todo o país a seguir sua decisão, o que demonstra um entendimento consolidado.

“Postura garantista”

Outra medida que causou estranheza no Supremo é a que trata do excludente de ilicitude para policiais. Um magistrado afirmou à Folha que o tribunal analisará com cuidado a proposta, uma das mais criticadas. Outro ministro também viu inconstitucionalidade na redução ou isenção de pena de policial que causar morte em serviço.

O Supremo, ainda segundo esse ministro, deve manter sua postura historicamente “garantista”, por ser, em tese, a última trincheira na defesa das garantias dos cidadãos. Um quarto ministro do Supremo disse à Folha que é provável que todo o pacote de Moro, se for aprovado no Congresso, vá parar na corte. Segundo ele, os pontos tocados no pacote de Moro tampouco resolvem por si só a alta criminalidade no País.

Esse ministro ressalta que o problema da segurança pública vai além da modernização de projetos de lei, exigindo cooperação com os estados, mais recursos e melhoria das condições das polícias e do sistema prisional. Já sobre a proposta de aumentar na lei a possibilidade de acordo em que o acusado e o Ministério Público podem negociar pena (o “plea bargain”), esse ministro aponta que há déficits de defensores públicos, de assistência às pessoas que vão fazer as negociações. “Então, surgem todos os problemas que podem contaminar a legitimidade do próprio procedimento.”

Nesta terça (5), em sessão da Segunda Turma, o decano do Supremo, ministro Celso de Mello, fez a primeira crítica pública a uma das propostas do pacote – a de retirar dos juízes eleitorais a competência para processar e julgar os crimes comuns que forem conexos com os crimes de natureza eleitoral. Moro costuma dar o seguinte exemplo: se há indício de caixa 2 e corrupção em um caso, a Justiça Eleitoral deve ficar com a investigação de caixa 2, enquanto a federal apura corrupção. O Supremo vem enviando os casos à Justiça Eleitoral, com base no Código Eleitoral.

Citando Moro, Mello afirmou que eventual mudança nas atribuições da Justiça Eleitoral não poderia vir por meio de lei ordinária, como pretende o projeto. “O curioso é que o anteprojeto seria de lei ordinária, mas matéria de atribuições e competências e da Justiça Eleitoral a Constituição exige lei complementar hoje. Projeto de lei ordinária obviamente não pode alterar o artigo 35 inciso segundo (do Código Eleitoral). observação a ser debatida oportunamente”, ressaltou o magistrado.

Violações

Os possíveis embates que o pacote de Moro pode gerar no STF já são discutidos entre especialistas. Para Marcus Edson de Lima, presidente do Colégio Nacional dos Defensores Públicos Gerais, um trecho que permite ao juiz fixar período mínimo de cumprimento da pena em regime fechado vai contra a Constituição. “Viola diversos princípios constitucionais, como a individualização da pena, a dignidade da pessoa humana, além do princípio da isonomia”, diz.

Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, argumenta que a parte que trata da legítima defesa e do excludente de ilicitude é passível de questionamento. “O argumento da 'forte emoção' remete a um nível de subjetividade muito grande que nenhum juiz poderá mensurar”, disse. Já a presidente da Associação de Juízes para a Democracia, Laura Benda cita o trecho que prevê que um condenado pelo Tribunal do Júri comece imediatamente a cumprir pena, mesmo que haja recursos.

Da Redação, com agências