Posições de direita se infiltram nas eleições das Mesas do Congresso 

 Na eleição, que se iniciou ontem (1/2), para as Mesas da Câmara e do Senado, ocorreram articulações, disputas, ataques, manobras que são naturais neste tipo de certame. Como é uma eleição, o próprio povo acompanha a movimentação, tomando partido frente às situações que surgem. Parcelas da sociedade, sem muita informação sobre os procedimentos parlamentares, imaginam que se trata de uma nova peleja eleitoral, em que as diversas facções políticas vão mais uma vez se enfrentar.

Por Haroldo Lima*

Eleição à Mesa da Câmara 2019

 Setores da esquerda alimentam a ilusão junto ao eleitorado de que haverá uma nova eleição em que as facções políticas mais uma vez vão se enfrentar, esquerda versus direita etc. Na verdade, esse confronto já existiu, foi a eleição de 2018, na qual, infelizmente, nós da esquerda perdemos e ganhou a extrema-direita.

A “eleição” das Mesas do Congresso é para organizar, entre os que ganharam a eleição de 2018, que setores e personalidades, vão dirigir os trabalhos legislativos. Os Regimentos das Casas, elaborados após muita luta, guarnecem, em certa medida, os direitos dos derrotados na eleição, no caso na de 2018. Estes devem se virar para garantir suas prerrogativas e seus espaços menores. Mas sem a ilusão de que, “com habilidade” e com a “força de seus programas e discursos” vão conseguir derrotar, na “eleição” da Mesa, os que ganharam nas urnas em 2018.

Estes podem, eventualmente, concordar com alguns pleitos sobre funcionamento da Câmara, fazer algumas concessões, de forma alguma ceder o poder que conquistaram nas urnas. Há pouco tempo, o Regimento era claro ao estabelecer que a presidência deveria ficar com o Partido que tenha eleito a maior parte dos parlamentares, sem prejuízo de candidato avulso ou de grupos minoritários.

Daí que as negociações das minorias visam apoiar, entre os que ganharam, aquele que mais se comprometa com o respeito às normas regimentais, aos métodos parlamentares de luta, ao não achatamento das minorias e aos espaços a ela destinados, pequenos, mas importantes para o desenvolvimento das suas lutas.

Na base do respeito ao resultado das eleições de 2018, blocos e grupos se arrumam e disputas até de “narrativas” aparecem. O PSL, por exemplo tentou lançar candidato próprio e não conseguiu. Ao desistir, veio a público, através do Eduardo Bolsonaro, dizer que “descarta o apoio a Maia” e que “tem outras preferências” (O Globo, G1 10.12.2018). Na última hora, para não ficar isolado, decidiu apoiar o Maia, e fez de tudo para valorizar seu apoio, para dizer que Maia era seu candidato.

Quando setores à esquerda fazem coro a esse esforço do PSL, dizendo que o Maia era o candidato do Bolsonaro estão, independente dos intensões, ajudando a fortalecer o partido do presidente. É um erro. A esquerda deve ser cuidadosa em não se deixar envolver pelas tramas da direita, para não cometer erros que ajudam à direita. Entretanto, até aí, entende-se. No calor das discussões, isto era uma apelação que favorecia à direita, mas sem grandes problemas. As coisas se complicaram depois.

Já no curso do processo eleitoral, PSOL e PT resolvem apresentar uma questão de ordem propondo o não reconhecimento da incorporação do PPL ao PCdoB, já decidida soberanamente pelos dois partidos através de seus órgãos competentes e em processo de chancela pelo TSE. Se essa proposição do PSOL e PT fosse acatada pelo presidente da sessão, isto seguramente iria ser base para uma decisão negativa do TSE quanto à incorporação referida, e o PCdoB e o PPL poderiam ser gravemente prejudicados em sua existência parlamentar.

A frente oposicionista, que se está construindo, veria dois de seus mais destacados e decididos membros enfraquecidos. O governo Bolsonaro teria conseguido, com a iniciativa dessas duas forças de esquerda, provavelmente, sua maior vitória política até agora, dilacerando a frente oposicionista, enfraquecendo nela dois de seus mais decididos membros, dos que tem mais tempo de luta, mais acervo de lutas, mais coerência e mais sacrifícios. Felizmente o velho companheiro de lutas Gonzaga Patriota, presidindo a sessão, não se deixou envolver.

Um dos pontos mais discutidos pela esquerda na Constituinte foi o que veio a se constituir no artigo 17 da Constituição. Como o PCdoB era o único partido da Constituinte de 1987 que também participou da Constituinte de 1946, e que aí, logo após, através de um pretexto, teve sua legenda cassada, seu empenho na defesa desse artigo 17 foi grande. Apresentou emendas, que foram em parte vitoriosas.

O esforço para uma redação precisa que não desse lugar a dúvidas foi total e resultou que o enunciado do artigo 17 é taxativo: “É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluralismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos”. Seguem-se quatro indicativos normativos. Com isso pretendia-se deixar este assunto livre de recorrências judiciais, posto que os partidos e suas movimentações são problemas apenas políticos, e quanto menos o setor jurídico, que não foi eleito pelo povo, influir, melhor.

Quando discutíamos entre nós o que poderia suceder nessa eleição da Mesa da Câmara, houve quem admitisse como certo que algum partido de direita apresentasse questão de ordem postulando a não aceitação da incorporação do PPL ao PCdoB. Havia dúvida sobre qual partido se prestaria a isto, mas todos achavam que seria um de direita, ou de direita extremada. Ninguém imaginou que poderia ser algum de esquerda, como o PSOL e o PT.

“A aparência apreende o aspecto enganoso das coisas”, já dizia o velho Marx. E assim surge outra questão que nos leva a discursos ferozmente de “esquerda”, mas que são conservadores, qual seja a eleição aberta ou secreta para as Mesas do congresso e outros objetivos.

Um governo reacionário, perseguidor, em uma eleição em que ele tem um candidato ou uma determinada posição, luta para que essa eleição seja aberta, porque anota todos os parlamentares que votaram contra ele e os persegue em seguida. Por outro lado, os próprios parlamentares, sabedores disso, são tendentes a não se prejudicarem e assim terminam votando no candidato do governo.

Em nossa história, na República Velha, o voto era aberto, a “bico de pena”, sendo efetivamente difícil uma pessoa mais simples votar “na cara do coronel” contra o mesmo. A eleição secreta foi uma grande bandeira progressista, só conseguida na Revolução de 30, ao lado do voto da mulher, que até então não tinha direito ao voto.

De qualquer maneira, a batalha pela eleição das Mesas passa rápido. Esperamos que não fiquem sequelas no seio da esquerda, mesmo no meio dos comunistas que quase foram vítimas de uma grande cilada. Que fiquem lições, sim, essas ensinam. Agora, os blocos oposicionistas devem procurar se firmar na luta permanente contra a extrema direita.

* Haroldo Lima é membro da Comissão Política Nacional do PCdoB